GOVERNO ENFRENTARÁ DESAFIOS PARA CUMPRIR META DE REDUÇÃO DO PREÇO DO GÁS, APONTA ESPECIALISTA
Por Davi de Souza (davi@petronoticias.com.br) –
O ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou recentemente que uma das metas do governo é reduzir o preço do gás natural pela metade. Contudo, membros do mercado avaliam que o objetivo não é tão simples de ser alcançado. Para a especialista Sylvie D’Apote, sócia da Prysma E&T Consultores, não está claro como o Planalto pretende chegar a esse corte no valor de comercialização do combustível. Ela explica que o preço do gás para o cliente final está formado por várias parcelas, incluindo taxas de transporte e impostos. “Para obter uma redução significativa para o consumidor final, é preciso atuar sobre todas as parcelas. Mas o governo não vai poder fazer isso com uma ‘canetada’”, alerta. Para Sylvie, o valor do produto pode até diminuir, mas isso aconteceria a partir de uma maior competição do mercado e não da intervenção do governo. “Transporte e distribuição são setores regulados onde as empresas tem contratos de concessão e autorização. Uma intervenção do governo nestes segmentos levaria a uma onda de judicialização”, disse. A especialista também se declara favorável ao programa de venda de ativos da Petrobrás, o que deve gerar, em sua opinião, uma maior competição em todos os elos da cadeia do gás.
Gostaria que falasse sobre a atuação da Prysma dentro do setor de óleo e gás atualmente.
Somos consultores especializados no setor de petróleo e gás. Nossa empresa é relativamente nova (fundada em 2013), mas somos bastante procurados por empresas nacionais e internacionais devido ao nosso passado no segmento: tanto meu sócio, Agustín Castaño, como eu fomos sócios e diretores em grandes empresas de consultoria internacionais e nacionais antes de fundar a Prysma.
Dentro da Prysma, nosso foco principal são os mercados de petróleo e gás no Brasil, no Cone Sul e nos países africanos de língua portuguesa. Nossos serviços incluem análises das dinâmicas de mercado (oferta, demanda e precificação), assuntos regulatórios, estudos de monetização de gás, apoio para a negociação de contratos do fornecimento de gás e outros energéticos, identificação de oportunidades de investimento etc.
Nos últimos anos, temos sido muito requisitados para fornecer serviços de due diligence comercial e regulatória em processos de fusões e aquisição, em particular nas vendas de ativos da Petrobras. Nossos principais clientes são grandes empresas internacionais de E&P e fundos de investimentos nacionais e internacionais.
Estes são os projetos maiores, mas temos vários projetos menores, em particular para grandes empresas industriais e de geração térmica, interessadas em entender quais novas oportunidades de contratação de gás estão surgindo em função das mudanças regulatórias em andamento e da entrada de novos players.
O momento está sendo bom para nós. Quando há muitas mudanças e incertezas, os consultores são chamados para ajudar as empresas a entender os riscos e as oportunidades.
O mercado de óleo e gás passou muitas reformas nos últimos anos. Como avalia esses movimentos do ponto de vista de atração de novos negócios?
Na minha opinião, uma das reformas mais importantes foi a medida que retirou a obrigatoriedade de a Petrobrás ser operadora em todos os blocos do pré-sal a serem licitados, com o mínimo de 30% de participação. Isso foi fundamental para atrair novos players internacionais nas rodadas do pré-sal.
É importante acelerar o desenvolvimento do pré-sal, e quanto mais empresas participam melhor, pois a Petrobrás sozinha não teria capacidade financeira suficiente, o que iria atrasar o desenvolvimento do pré-sal. Temos que o olhar o futuro com um pouquinho de urgência, porque daqui a 20 ou 30 anos, o petróleo pode não ter mais o valor que tem hoje. Estamos em um contexto de transição energética e é possível que a próxima geração use outras fontes. O potencial do pré-sal é enorme, mas só se transformará em riqueza para o país se for extraído e comercializado, e a janela de oportunidade não é muito ampla.
A indústria do gás natural também vem passando por um momento de muitas mudanças regulatórias e estruturais, com a venda de ativos da Petrobrás e o programa Gás Para Crescer. O Gás para Crescer levou a uma grande mobilização de todos os players privados e institucionais, e a um entendimento de que a regulação precisava ser mudada. Infelizmente, não se chegou a aprovar uma lei a partir do programa.
O governo agora está trabalhando em um novo programa, o Novo Mercado de Gás. Como enxerga isso?
Seria ótimo se esse programa fosse uma construção em cima do Gás Para Crescer. Mas parece que não. A impressão é que o governo vai começar de novo a fase de avaliação ou diagnóstico. Acredito que não está faltando avaliação, pois o resultado do Gás Para Crescer foi ótimo, do ponto de vista de diagnóstico. O que é necessário agora é alinhar os interesses de todas as partes interessadas para que a reforma possa ser concluída.
Em uma reforma de mercado, sempre haverá quem ganha e quem perde. E a parte que perde vai sempre buscar influenciar para mudar ou atrasar a reforma. É normal. Mas o governo tem que ter habilidade para levar adiante o processo. Seria isso, na minha opinião, que o governo deveria fazer.
O governo chegou a prometer uma redução do preço do gás pela metade…
Fiquei preocupada com a afirmação que o preço do gás precisa ser cortado pela metade. Não está claro para mim como se pretende chegar neste resultado. O preço do gás para o cliente final está formado por várias parcelas: o preço da commodity (que inclui a produção, o escoamento e o processamento), a tarifa de transporte e a margem de distribuição, além de todos os impostos ao longo da cadeia. Para obter uma redução significativa para o consumidor final, é preciso atuar sobre todas as parcelas. Mas o governo não vai poder fazer isso com uma “canetada”.
Segundo a Empresa de Pesquisa Energética (conforme ilustra a figura ao lado), o custo da commodity (ou molécula) é 48% do preço médio pago pelo consumidor final. Para tentar reduzir o preço da commodity é importante fomentar a entrada de novos players no upstream, o que por sua vez vai aumentar a competição na oferta do gás. O preço do gás vai ser a resultante desta maior competição. O preço da commodity pode diminuir? Claro que pode, mas isso vai ser o resultado de decisões empresariais: as empresas de E&P tem a escolha entre vender gás no mercado nacional, ou exportar através de GNL, ou mesmo não produzir ou não escoar esse gás. E mesmo se o preço da commodity caísse drasticamente, o preço final pago pelo consumidor não cairia pela metade, a não ser que as outras parcelas também reduzam. Transporte e distribuição são setores regulados onde as empresas tem contratos de concessão e autorização. O Brasil tem uma tradição de respeito aos contratos. Uma intervenção do governo nestes segmentos levaria a uma onda de judicialização que seria muito prejudicial para o setor. Enquanto a redução de impostos, me parece que o governo não está numa situação muito propícia para contemplar esse tipo de solução.
Ao seu ver, como a venda de ativos da Petrobrás irá impactar o mercado?
A venda de ativos da Petrobrás é muito importante, não só para a própria Petrobrás, mas também para o setor de petróleo e gás como um todo. A Petrobrás passou por uma crise financeira muito profunda e precisou repensar seu planejamento para focar seus recursos nas áreas que dão maior retorno, isso inclui o pré-sal e os blocos que já estão em produção o que estão prestes a entrar em produção. Faz todo sentido a Petrobrás se desfazer de campos marginais e campos menores, pois um único poço no Pré-sal irá produzir mais que toda a produção em terra do Recôncavo, por exemplo. Em cada setor, existem empresas que se especializam em nichos e segmentos específicos. Na E&P, existem empresas que se especializam na produção de pequenos campos em terra, ou na recuperação secundária ou terciária de campos já maduros e em franco declínio. São companhias que sabem fazer isso muito bem e cujo business model é esse. A Petrobrás tem outras prioridades e precisa investir seus recursos, tanto financeiros como humanos, em projetos de grande porte que darão um retorno muito maior.
Além de ser positiva para Petrobrás, a venda de ativos não prioritários será muito boa para o mercado de petróleo e gás do Brasil, porque permite a entrada de novos players. Quanto maior o número de empresas, maior a competição, o que deve trazer mais eficiência e mais avanços tecnológicos.
E qual é o impacto da venda de ativos da Petrobrás para o setor de gás natural?
A venda de ativos da Petrobrás já é um passo importante que vai permitir a abertura do mercado de gás natural no sentido de atrair novos players e gerar uma maior competição em todos os elos da cadeia do gás. Começando pela venda de ativos de E&P: a Petrobrás não está vendendo apenas campos marginais, mas também campos e blocos importantes, inclusive no pré-sal. Isso está permitindo a entrada de novos operadores que vão produzir gás (além de petróleo) e competir para o acesso ao mercado.
A Petrobrás também vendeu boa parte dos seus ativos de transporte de gás, ficando com apenas 10% da TAG e 10% da NTS, além dos 51% da TBG. Os novos donos da TAG e da NTS terão objetivos diferentes da estatal. Em um sistema integrado, a Petrobrás usava o transporte como uma maneira de reservar mercado para o seu próprio gás. Mas transportadores independentes terão interesse em fornecer serviços de transporte a todos os produtores e importadores.
Na parte da distribuição, a Petrobrás vendeu, em 2015, 49% da Gaspetro para a Mitsui, e a Mitsui está sendo muito proativa na busca de melhores condições de aquisição de gás para as distribuidoras. Isso ficou claro no processo de Chamada Pública Coordenada que a Mitsui promoveu o ano passado e que, quando concluído, deve mostrar quais são os outros possíveis supridores de gás para as distribuidoras num horizonte de até 5 anos. É difícil imaginar que a Gaspetro teria lançado essa iniciativa inovadora de contratação de gás se ainda fosse 100% de propriedade da Petrobrás.
Até mesmo a venda de refinarias poderá ser benéfica?
Esta é uma questão mais complicada. Em linha geral, uma diversificação de players no setor do refino seria um fator positivo até para a Petrobras, porque diminuiria o poder de influência do governo na precificação dos combustíveis. Hoje se o dólar aumenta em relação ao real e a Petrobras quer realinhar os preços nacionais do diesel e da gasolina com os preços internacionais, é suficiente uma ligação do Presidente para que essa decisão seja revertida, ou amenizada. O Brasil tem uma longa história de intervenções do governo nos preços dos combustíveis líquidos e aparentemente esse governo não é diferente.
O problema é que a venda das refinarias é muito difícil de ser estruturada para ser ao mesmo tempo viável (atrativa para possíveis compradores) e não ter efeitos negativos sobre a concorrência. Precisaríamos dedicar uma entrevista separada só para esse assunto. Mas vou tentar ser breve. Em muitos países, o refino é uma atividade que é integrada ou a montante (produção de petróleo) ou a jusante (distribuição de combustíveis). Isso porque a margem de rentabilidade do refino é tipicamente muito variável e depende de fatores fora do controle dos operadores. Assim, haverá épocas com margem muitos positivas para o refino e outras de mera sobrevivência. A integração do refino a montante ou a jusante permite um maior equilíbrio global para o investidor. No caso da venda das refinarias brasileiras, a opção mais atrativa para possíveis investidores seria a venda de clusters regionais de refinarias que incluam os dutos de escoamento dos produtos, mas essa opção geraria de fato monopólios privados regionais, que não é um resultado muito desejável.
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