A DIVERSIFICAÇÃO DE FONTES DE ENERGIA NO BRASIL É AMPLA, MAS AINDA PRECISA DE REGULAÇÕES PARA SUPERAR DESAFIOS
O Brasil está muito à frente de outros países quando se trata de geração de energia limpa e renovável, graças a sua matriz energética que engloba hidrelétricas, termelétricas, biomassas, petróleo e gás, complexos eólicos e solares e energia nuclear. Mas, ainda assim, muitos países insistem em criticar o Brasil usando a má conservação da Amazônia como escudo. E, algumas vezes, ainda recebe críticas até de fogo amigo, como o de alguns de ministros de Estado, próximos ao atual presidente do país. Atualmente, o foco também está voltado para a geração de energia, tendo o hidrogênio como matriz. O Brasil ainda dispõe de minas de urânio e pode tornar-se em um grande player no mercado global desse produto, se fizer as operações como se deve, vendendo o combustível e não a matéria-prima. Mas ainda faltam muitos detalhes, principalmente as regulamentações – que não dependem só do mercado, mas do Congresso Nacional – e a decisão de seguir pelo mesmo caminho que o mundo está trilhando, com a ampla exploração da energia nuclear. O Brasil pode tirar proveito especialmente dos Pequenos Reatores Nucleares (SMR), mais baratos, com flexibilidade de instalação, que podem ser usados em regiões do interior do país que não são atendidas ou são mau abastecidas pelas distribuidoras. Para opinar e esclarecer alguns pontos, convidamos o ex-ministro de Minas e Energia Bento Albuquerque, um homem de profundo conhecimento da situação energética do país, um almirante submarinista, de amplo conhecimento sobre a energia nuclear e um dos conselheiros da ABDAN – Associação Brasileira para Desenvolvimento de Atividades Nucleares. Ele é respeitado no mercado não só pelos pares nacionais, mas também internacionais das agências de energias globais, como a Agência Internacional de Energia Atômica, presidida pelo argentino, Rafael Grossi. Vamos então à esta entrevista:
Quais são os principais desafios para a expansão das energias renováveis no Brasil?
Primeiro, é importante mencionar que nos últimos 50 anos houve uma expansão extraordinária na geração e participação das energias renováveis e limpas na matriz energética brasileira, em particular na matriz elétrica, onde essas fontes representam, hoje, quase 90% do total. O Brasil é uma referência mundial. Mesmo assim, é possível avançar e ampliar o uso de energias limpas de forma sustentável, em virtude da abundância, diversidade de fontes e da expertise tecnológica brasileira no setor energético. Entendo que o País deve ter permanente atenção ao ambiente de negócios, no que diz respeito:
– a atração de investimentos;
– a disponibilidade de financiamento e outros instrumentos do mercado de capitais;
– a adequação da infraestrutura logística;
– a capacidade industrial;
– a higidez das instituições e qualidade regulatória;
– a educação e capacitação de nossa força de trabalho; e
– de nossa rede de pesquisa, desenvolvimento e inovação tecnológica.
Nessa avaliação ampla, destaco em especial, a garantia da atração de investimentos com segurança jurídica e regulatória, além de governança e coordenação para que o setor de energia possa garantir a segurança do suprimento com sustentabilidade ambiental e a capacidade de pagamento dos consumidores. Abordar esses desafios é crucial para que o Brasil possa aproveitar todo o seu potencial em energia renovável e limpa em benefício de nossa sociedade e do planeta, contribuindo para a evolução energética global para uma matriz energética limpa e sustentável.
Embora o Brasil tenha grandes reservas de petróleo e gás natural, como o país tem se planejado a fim de reduzir a dependência de combustíveis fósseis?
O Brasil passou, nos últimos 40 anos, de um país altamente dependente de petróleo, gás e seus derivados a um dos maiores produtores e exportadores do mundo, com grandes reservas comprovadas. O que contribuiu e contribui, sobremaneira, para o desenvolvimento nacional. Nesse contexto, com o primeiro choque do petróleo, na década de 70 do século passado, o País criou, na época, um programa de biocombustíveis que possibilitou o desenvolvimento de combustíveis renováveis – etanol, biodiesel, biogás… – e uma indústria associada, possuindo hoje uma das matrizes de transporte urbano mais limpas do mundo.
O Brasil tem feito uma significativa transformação na sua matriz energética. Essa mudança aponta os avanços do país na diversificação e sustentabilidade da oferta energética nacional. Contudo, ainda é preciso grande esforço para atingimento da meta de redução dos gases de efeito estufa. No setor de energia, destacam-se as iniciativas para descarbonização da indústria e eletrificação dos serviços – a participação elétrica na matriz energética é ainda bastante incipiente (cerca de 20%) – uma verdadeira oportunidade e que já se apresenta como uma realidade nos grandes centros do país e seguem em plena expansão.
Mas, é importante observar que o Brasil ainda tem o desafio do crescimento e do desenvolvimento econômico e social. Então, essa redução de dependência tem que ser vista à luz da necessidade de inclusão energética e de promoção de uma transição justa e inclusiva. Acredito que as políticas públicas que vem sendo implementadas e adotadas no desenvolvimento de novas tecnologias e combustíveis sustentáveis permitirão que o País possa continuar diminuindo a utilização de combustíveis fósseis, ao mesmo tempo que a indústria de petróleo e gás se torna mais eficiente na redução das suas emissões.
Quais inovações tecnológicas o senhor vê como mais promissoras para o setor energético brasileiro nos próximos anos?
Novas tecnologias possivelmente afetarão tanto a oferta quanto o consumo de energia no Brasil nos próximos anos. As soluções já disponíveis e dependentes de viabilidade econômica passam por tecnologias de armazenamento (baterias, hidrelétricas reversíveis e hidrogênio), usinas híbridas, eólica offshore, biocombustíveis e recursos energéticos distribuídos (geração distribuída, veículos elétricos, resposta da demanda e eficiência energética). O avanço tecnológico em fontes de energia renovável e limpa será cada vez maior, com a utilização de equipamentos mais eficientes, de menores custos e com característica de recursos descentralizados. Eficiência energética de equipamentos, processos, veículos e edificações também é um importante vetor de inovações tecnológicas no campo do setor energético.
Há ainda o desenvolvimento de tecnologias que poderão ser viáveis no médio e longo prazo como pequenos e minis reatores nucleares; energia solar térmica; energias dos oceanos (movimento periódico das marés, de movimento das ondas, hidrocinética e de gradiente salino); energia da umidade do ar; captura, uso e armazenamento de carbono (CCUS). No campo da distribuição de energia, espera-se o crescimento do uso das redes inteligentes (smart grids) e a automação cada vez maior dos sistemas de medição e comunicação.
No setor de transporte, a eletrificação veicular já é uma realidade e impulsionará cada vez mais a expansão da infraestrutura do setor elétrico para atendimento a recarga desses veículos. Vale lembrar que o setor de transportes é o principal setor que demanda energia (33%) e a principal fonte de emissões relacionadas ao setor energético, sendo o transporte terrestre predominante nessa contribuição. Paralelamente, a evolução dos biocombustíveis e o desenvolvimento de combustíveis sintéticos, como metanol verde, se mostra promissor como alternativa para o futuro dos transportes com pegada neutra de carbono.
Como o senhor enxerga o setor energético brasileiro em 10 anos?
Vejo o setor energético brasileiro em contínua expansão, gerando divisas, emprego, renda e desenvolvimento, o que será fundamental para o desenvolvimento sustentável do País. A matriz continuará diversificada e cada vez mais a variedade e atributos das fontes e formas de energia serão fundamentais para a segurança energética do País, no menor custo e com baixa emissão de carbono. Cada vez mais teremos uma matriz elétrica ainda mais limpa, renovável e tecnologicamente mais evoluída com a utilização de novas fontes de energia, busca pela descarbonização no contexto da transição energética, e com a garantia e manutenção da confiabilidade e flexibilidade do sistema. A descarbonização e a eletrificação de processos industriais (mineração, siderurgia e fertilizantes)e do setor de transporte serão indutores de avanços tecnológicos.
Também enxergo que os biocombustíveis terão espaço cada vez maior na matriz energética brasileira. A política de biocombustíveis é uma ferramenta importantíssima. Os estudos de planejamento do setor apontam que se a oferta de biocombustíveis no País fosse inexistente, a demanda nacional de derivados de petróleo seria 17% maior em 2022 e 24% maior em
2032. Mas é importante entender que isso não significa que vamos prescindir dos derivados de petróleo, porque nesse período o País continuará crescendo e vai precisar ampliar seus recursos energéticos. Então, penso que o caminho será de ampliação expressiva do consumo de energia, mas com menor dependência de fontes fósseis, maior eletrificação e maior diversificação de fontes energéticas.
Também vejo que o cidadão terá maior protagonismo na construção do futuro energético do país, participando não apenas como consumidor passivo, mas também como produtor a partir de possibilidades tecnológicas distribuídas e como modulador de carga a partir da digitalização e das tecnologias descentralizadas de armazenamento.
Quais são os principais obstáculos que o Brasil precisa superar para garantir um futuro energético sustentável?
O conceito de sustentabilidade energética pode ser apresentado em forma de trilema, pois para sua garantia, é preciso que sejam equilibrados aspectos de segurança energética, sustentabilidade ambiental e equidade energética.
• Por segurança energética entende-se: capacidade de atender à demanda, resiliência para adaptação a situações adversas e redução de dependência de recursos importados.
• Por sustentabilidade ambiental, entende-se: descarbonização com redução da pegada de carbono, controle de emissões e poluição para redução dos impactos ambientais e produtividade de recursos por meio da maximização de resultados com menor quantidade de recursos.
• Já por equidade energética, entende-se que: qualidade com requisitos de eficiência e modernidade; alcance inclusiva e democrática; e acessibilidade com custos reduzidos ou módicos.
Os maiores desafios do Brasil estão no campo da segurança e da equidade energética. Há uma necessidade permanente de políticas públicas efetivas, planejamento, gestão, segurança jurídica e regulatória a fim de se criar um ambiente de negócios seguro e atrativo, com condições favoráveis para competição e, consequentemente, atração de investimentos que propiciem a necessária expansão da oferta de energia. Em especial no setor elétrico, precisaremos dar conta de ampliar a capacidade instalada de fontes de energia que agreguem confiabilidade à operação do sistema. Com a atual expansão das novas fontes renováveis não controláveis, há a urgente necessidade de valoração dos requisitos de potência e flexibilidade das fontes. O setor precisa criar mecanismos de mercado que induzam a expansão da oferta com recursos que atendam a todos os requisitos do sistema. No aspecto da equidade energética, é preciso evoluir as políticas de acesso e custo dos insumos energéticos com alocação mais eficiente e justa dos custos e riscos, além da revisão de subsídios desnecessários.
Qual é a sua visão para uma matriz energética ideal para o Brasil e quais passos estão sendo dados hoje para alcançá-la?
Na minha visão não existe matriz energética ideal. O que existe é a composição de uma matriz que considere as características e potencialidades do País baseadas em planejamento, desenvolvimento tecnológico, competição justa e equilibrada e capacidade de investimento. O que se observa no Mundo e no Brasil é um processo de evolução energética onde se busca segurança, resiliência e eficiência energética que proporcionem a descarbonização das matrizes e sustentabilidade da atividade econômica.
O Brasil é reconhecido mundialmente há décadas por ter uma matriz energética limpa e renovável. Entretanto, é fundamental o país avançar na descarbonização de alguns setores da economia, como o transporte de cargas e o industrial, ainda muito dependentes das fontes fósseis. Com relação à nossa matriz de eletricidade, que é uma das mais renováveis entre as grandes economias mundiais, devemos avançar na melhoria da qualidade, pois, apesar de termos altos níveis de renovabilidade, a expansão das fontes renováveis intermitentes e não despacháveis tem impactado significativamente a estabilidade e a confiabilidade do sistema elétrico brasileiro, exigindo uma gestão cuidadosa para garantir suprimento contínuo de energia.
Por fim, o Brasil é um país de baixo consumo energético per capita. Há, portanto, desafios e oportunidades para a compreensão, monitoramento e enfrentamento da pobreza energética, a fim de que se promova a justiça energética e o bem-estar da população. Não menos importante, é pensar a questão energética como um assunto de soberania nacional. Qualquer desenho de matriz energética para o Brasil deve considerar essas questões.
Quais são as mudanças regulatórias mais urgentes necessárias para facilitar o crescimento do setor energético no Brasil?-
É preciso, de forma mais urgente, modernizar o marco regulatório do setor elétrico brasileiro. O modelo atual data de 20 anos atrás e o setor se transformou significativamente nesse período. Precisamos rever as regras, principalmente comerciais, para tratarmos de forma adequada o cenário atual de novas tecnologias, abertura do mercado, novas necessidades e exigências dos consumidores e o contexto de digitalização, descentralização e descarbonização. Isso implica na revisão de leis e normas obsoletas que ainda temos com bases desse setor essencial do País.
Em particular, precisamos revisar a estrutura tarifária e os encargos setoriais para garantir uma alocação mais justa dos riscos e custos. A rota que estamos é absolutamente insustentável.
Também expandir e fortalecer o mercado livre de energia, permitindo que mais consumidores escolham seus fornecedores de energia e incentivando a real eficiência e competitividade no setor, sem subsídios que destorçam o mercado. Precisamos melhorar os processos de licenciamento ambiental de projetos de infraestrutura. A complexidade, a imprevisibilidade e a demora dos processos atuais são barreiras significativas para novos investimentos. A regulação de novas tecnologias também é necessidade importante, pois viabilizará sua integração segura e eficiente ao sistema energético.
No campo do gás natural, o mercado precisa crescer e isso somente será possível com preços mais adequados para o consumidor. A agenda é competitividade. Nesse sentido, a abertura de mercado iniciada em 2020 carece de avanços importantes, entre os quais: aumento da produção com uma discussão mais aberta sobre reinjeção (cerca de 50% da produção atual), respeitada decisões comerciais; planejamento integrado e coordenado das infraestruturas evitando que o aproveitamento de ganhos de competição em determinados elos sejam absorvidos em outros (preço da ordem de US$ 13,5 MM BTU); uma revisão adequada das infraestruturas; um modelo de negócio específico que possibilite o escoamento e processamento do gás natural; e sobretudo transparência na formação dos preços. Em resumo, uma política 2.0 orientada para competição transparente e com regulação de qualidade em todos os elos deste mercado.
No que diz respeito à agenda nuclear, oportuno destacar o potencial do Brasil como eventual exportador de uranio. Assim como ocorreu com o petróleo recentemente, o Brasil ocupa o 6°lugar no ranking de reservas de urânio no mundo. Com a flexibilização do monopólio da exploração do urânio (Lei n° 14514/2022) e a tração exploratória mais recentes nos projetos de Caetité/BA e Santa Quitéria/CE abrem-se novas janelas para essa agenda. Oportuno ressaltar que, decorrente do urânio, uma energia mais limpa (baixas emissões em CO2), alta densidade energética, carga constante, redução de dependência de fósseis e segurança militar. Fundamental o acionamento da Autoridade do setor para que os investimentos, de longo prazo, possam ocorrer com fluidez e previsibilidade atendendo aos preceitos do indicativo dos planos de médio e longo prazo do setor de energia.
Por fim, comum aos três recortes apresentados, elétrico, gás natural e nuclear, precisamos ampliar a fortalecer nossa governança institucional, diálogo e previsibilidade regulatória. Garantir maior transparência e racionalidade nas decisões regulatórias para proporcionar segurança jurídica aos investidores e operadores do setor, pois em todos eles os retornos são de longo prazo. Essas mudanças devem criar um ambiente mais favorável para investimentos, inovação e desenvolvimento sustentável no setor energético brasileiro, atendendo às demandas crescentes por energia e contribuindo para a segurança, equidade e soberania energética do país.”
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