ASSOCIAÇÃO DE MUNICÍPIOS DE MINAS ALERTA SOBRE OS RISCOS DE SUCATEAMENTO DA AGÊNCIA NACIONAL DE MINERAÇÃO
A Associação dos Municípios Mineradores de Minas Gerais e do Brasil (AMIG) manifestou grande preocupação com um desmonte operacional que ela diz estar sendo promovido pelo Poder Executivo, que inclui restrições orçamentárias e redução de pessoal, comprometendo a atuação da ANM (Agência Nacional de Mineração). Diante deste cenário, a AMIG protocolou uma representação no Ministério Público Federal (MPF) denunciando o grave estado de abandono da ANM por parte do Governo Federal. Criada para modernizar e reforçar a fiscalização e a gestão do setor minerário, a agência enfrenta severos problemas estruturais, financeiros e operacionais que comprometem a exploração sustentável e segura dos recursos minerais brasileiros. O documento apresenta uma análise abrangente do cenário e cobra ações urgentes para impedir o agravamento de prejuízos econômicos, sociais e ambientais. A ANM substituiu o antigo Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), considerado ineficiente e politicamente aparelhado. Na época, a criação da agência foi recebida com expectativas positivas, prometendo integrar instrumentos modernos e eficientes de gestão, semelhantes aos implementados em outras agências reguladoras, como a ANP e a Aneel. No entanto, a implementação foi marcada por uma série de problemas estruturais.
A AMIG ressalta no documento enviado ao MPF que a demora na regulamentação da lei pelo Decreto Federal nº 9.587/2018, que só foi publicado 11 meses após a promulgação da lei, deixou o setor minerário em um estado de limbo. Durante esse período, o DNPM, mesmo já extinto juridicamente, continuou operando sem diretrizes claras. Quando efetivamente instalada, no final de 2018, a ANM já enfrentava severas limitações, incluindo um orçamento insuficiente, quadro de pessoal defasado e a responsabilidade de lidar com a tragédia do rompimento da barragem de Brumadinho, em 25 de janeiro de 2019, o maior acidente de trabalho no Brasil em perda de vidas humanas e o segundo maior desastre industrial do século. “A precariedade estrutural da ANM tem gerado prejuízos bilionários para o país. Um relatório de uma auditoria recém divulgado pelo Tribunal de Contas da União (TCU) apontou que, entre 2017 e 2022, 69,7% dos processos ativos nas fases de concessão de lavra e licenciamento não recolheram a Compensação Financeira pela Exploração Mineral (CFEM) de forma espontânea. Apenas nesse período, as perdas potenciais com sonegação e prescrição de créditos chegaram a até R$ 12,4 bilhões,” diz o comunicado a associação dos municípios de Minas.
Além disso, a ANM enfrenta dificuldades para fiscalizar a arrecadação e punir irregularidades. Em 2022, apenas 17 empresas foram fiscalizadas, mesmo com mais de 39 mil processos ativos. A atual equipe de fiscalização da CFEM, composta por quatro servidores e um chefe, é insuficiente para fiscalizar os 39.360 processos ativos cujos titulares devem pagar o royalty mensalmente. A AMIG também enfatiza que a equipe atual do contencioso da CFEM, composta por seis servidores e um chefe, é insuficiente para analisar o passivo processual de aproximadamente 12.243 processos de cobrança do royalty, o que pode implicar a decadência de aproximadamente R$ 20 bilhões de créditos já lançados e ainda pendentes de constituição. José Fernando Aparecido de Oliveira, presidente da AMIG, diz que “O sistema atual da ANM, concebido no início dos anos 2000, é incapaz de acompanhar a produção mineral real ou estimar com precisão os valores que deixam de ser arrecadados. A incapacidade operacional da Agência Nacional de Mineração concorreu para a perda de cerca de R$ 4 bilhões referentes a créditos da CFEM e da Taxa Anual por Hectare decaídos e prescritos no período de 2017 a 2021.”
A AMIG alerta que o subfinanciamento da ANM é uma prática recorrente e contradiz a legislação vigente. De acordo com o artigo 2º da Lei Federal nº 8.001/1990, alterada pela Lei nº 13.540/2017, 7% da arrecadação da CFEM deve ser destinada à ANM. No entanto, essa destinação tem sido sistematicamente ignorada. Em 2025, o orçamento efetivo previsto para a agência é de apenas R$ 136 milhões, enquanto deveria alcançar pelo menos R$ 499,5 milhões. O documento apresentado ao MPF destaca que, mesmo em anos de alta arrecadação, como 2018 e 2021, a destinação orçamentária foi irrisória. Em 2018, a arrecadação do royalty foi de R$ 3,1 bilhões, mas apenas 1,5% desse montante foi efetivamente repassado à ANM. A AMIG adverte que a negligência estrutural da ANM aumenta significativamente os riscos de novas tragédias, como os rompimentos das barragens de Mariana, em 2015, e de Brumadinho, em 2019. A associação enfatiza uma análise do TCU, realizada em função do maior acidente ambiental do país, ocasionado pelo rompimento da Barragem de Fundão, de propriedade da Samarco, localizada em Mariana/MG, em novembro de 2015.
A auditoria diz que o acidente “suscitou questões acerca de eventuais lacunas ou falhas regulatórias, bem como negligência ou irregularidades praticadas pelo Poder Público que possam ter concorrido para o evento, questões essas ainda mais relevantes tendo em conta a extensão dos danos materiais, econômicos e sociais envolvidos.” Os números levantados pela auditoria revelam “que, do total do cadastro de barragens de rejeitos de mineração no Brasil inseridas na Política Nacional de Segurança de Barragens (PNSB), tão somente 41% já foram vistoriados ao menos uma vez pelo DNPM, dado este especialmente relevante em se considerando a diretriz de elaborar planejamento de longo prazo com vistas a abarcar a totalidade de barragens em quatro anos.”
Para a AMIG, essa situação expõe comunidades inteiras ao perigo, além de causar danos ambientais irreversíveis. “A falta de estrutura também incentiva a impunidade. Empresas mineradoras frequentemente utilizam lacunas na fiscalização para sonegar tributos, subfaturar exportações e explorar recursos sem contrapartidas econômicas e sociais adequadas“, destaca José Fernando. Na representação enviado ao MPF, a AMIG solicita que o órgão intervenha para garantir o cumprimento da legislação e a reestruturação da ANM. A entidade argumenta que a solução passa pela garantia de autonomia financeira à agência, permitindo investimentos em tecnologia, ampliação do quadro de servidores e reforço das fiscalizações. Segundo cálculos do Instituto de Justiça Fiscal (IJF), uma ANM devidamente estruturada poderia evitar prejuízos anuais estimados em R$ 7 bilhões apenas com sonegação fiscal. José Fernando enfatiza a gravidade da situação. “É inaceitável que um país com tamanha riqueza mineral trate sua principal agência reguladora como um órgão secundário. Estamos deixando de arrecadar bilhões, enquanto tragédias continuam a ameaçar nossa população e nosso meio ambiente.”
Para lembrar, o setor minerário representa cerca de 4% do PIB brasileiro e é um dos pilares da balança comercial do país. Contudo, a precariedade da gestão e fiscalização coloca em risco não apenas os cofres públicos, mas também a reputação do Brasil no cenário internacional. “A representação da AMIG busca acender um alerta definitivo. Para a associação, somente uma união entre órgãos de controle, sociedade civil e o MPF será capaz de garantir a sustentabilidade e segurança da mineração no Brasil, evitando que tragédias se repitam e que as riquezas minerais brasileiras sejam exploradas sem retorno justo para a sociedade,” diz a associação.
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