IEMA ALERTA QUE CONTRATAÇÃO DE NOVAS TÉRMICAS NO BRASIL AUMENTARÁ EMISSÕES EM MAIS DE 30%, COM EFEITOS NO CLIMA E USO DE ÁGUA
Por Davi de Souza (davi@petronoticias.com.br) –
Diante da maior crise hídrica dos últimos 91 anos, o Brasil não viu outra alternativa a não ser acionar seu parque de geração termelétrica para garantir a segurança energética da população. O efeito imediato já é sentido pelo bolso do brasileiro, que terá de pagar mais caro pelo consumo da eletricidade. No longo prazo, as consequências serão mais sentidas no meio ambiente por conta do maior uso das usinas atuais e da adição de 8 GW em termelétricas a gás , prevista da MP da desestatização da Eletrobrás. Esse é um dos principais resultados de uma nova nota técnica elaborada pelo Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA) – disponível neste link. Hoje (16), o Petronotícias conversa com o principal autor do documento, o coordenador de projetos do instituto, Ricardo Baitelo. Ele alerta que a inserção dos 8 GW por conta da lei da privatização da Eletrobrás resultará em um aumento percentual de 33% nas emissões anuais do setor elétrico em comparação com o ano de 2019. Isso trará efeitos não só na qualidade do ar, mas também no uso de água – já que algumas das térmicas utilizam água doce em seus sistemas de resfriamento. “A intensificação do uso de combustíveis fósseis é contraproducente para que o mundo precisa, que é a descarbonização das matrizes energéticas como um todo”, alertou. Baitelo também afirma que para evitar futuras crises energéticas, o IEMA defende que o Brasil precisa incluir continuamente em eficiência energética em seu planejamento. “Essa questão só aparece no momento de sufoco ou, usando uma metáfora, na hora de apertar o cinto. A eficiência, essa sim, é a opção mais em conta. É muito mais barato economizar energia do que aumentar a capacidade, com qualquer fonte que seja”, apontou.
Um dos principais resultados do estudo diz respeito aos riscos ambientais a partir da emissão de gases do efeito estufa pelas termelétricas nesse momento de crise hídrica. Poderia falar mais a respeito?
O que prevemos no estudo é um pouco do diagnóstico do quadro de crise hídrica e as consequências para o setor elétrico. Em primeiro lugar, vemos o acionamento das termelétricas durante boa parte do ano, em regime integral. Isso é uma diferença em relação a outros anos. O cenário normal seria o uso de termelétricas apenas em período emergencial, complementando a necessidade de energia. Mas o que se vê desde o primeiro semestre, já como medida de mitigação da possibilidade desse risco de racionamento, foi o acionamento no período integral dessas termelétricas.
Além desse ponto, que implica no aumento de emissão de gases do efeito estufa, nós também levantamos o que deve passar a acontecer dentro do planejamento energético. Como é de conhecimento do mercado, a MP de privatização da Eletrobrás (MP 1031/2021) determina o incremento de 8 GW de térmicas que serão operadas em regime inflexível, ou seja, em tempo integral. Isso também a emissão de gases do efeito estufa. Nesse caso, calculamos que as emissões anuais representarão um acréscimo de 17,5 Mt–CO?e, o que equivale a um aumento percentual de 33% em relação às emissões do setor elétrico registradas em 2019.
E, por fim, os leilões de contratação de energia desse ano, preveem por portaria que as térmicas contratadas não mais vão operar em regime emergencial, mas sim em regime integral. Esses aspectos somados vão contribuir significativamente para o aumento de emissões da matriz elétrica e para o aumento da participação de térmicas fósseis na energia gerada propriamente dita.
Quais serão os efeitos disso no aspecto hídrico no longo prazo?
A intensificação do uso de combustíveis fósseis é totalmente contraproducente para que o mundo precisa, que é a descarbonização das matrizes energéticas como um todo. É claro que isso é um efeito que demora para aparecer. Mas, na situação presente, os esforços de descarbonização precisam ser intensificados. Não é o que estamos vendo no Brasil.
O país assumiu compromissos de redução de emissões bastante tímidos em todos os setores. Além disso, estamos promovendo uma recarbonização – isto é, um aumento do uso de termelétricas fósseis na matriz, intensificação de ofertas de blocos de petróleo e esforços para ampliação da infraestrutura de gás natural. Então, sem dúvida nenhuma, essas ações trazem efeitos mais negativo para intensificação das mudanças climáticas no Brasil e no mundo e também trazem impactos para as energias renováveis.
Por um lado, deveríamos manter a ampliação dessas renováveis como está previsto em todos os cenários e nos planos de curto, médio e longo prazo do governo. Mas com as termelétricas operando em tempo integral, devemos ver efeitos para as energias renováveis em termos de espaço na matriz.
Poderia explicar melhor sobre o impacto das térmicas na expansão das renováveis, como o senhor acabou de mencionar?
O que está acontecendo hoje com a expansão de eólica e solar é que essas fontes estão ocupando um espaço considerável na matriz. A fonte eólica, por exemplo, está perto dos 20 GW, enquanto que a solar já superou os 10 GW. Então, se você somar esse espaço, incluindo a geração distribuída fotovoltaica, que está em franca expansão, estamos falando de cerca de 16% da matriz elétrica brasileira.
A questão é que como essa energia não pode ser estocada, há restrição de operação em momentos de menor demanda do sistema, gerando desperdício de energia eólica e solar produzida e prejuízos às usinas.
O operador tem uma priorização que não é a mais lógica pelas perspectivas ambiental e econômica. Quando você tem sobra de energia em relação à demanda, o operador do sistema opta por não utilizar energia eólica e solar, mas mantém o fluxo de energia das termelétricas.
Esse fenômeno de restrição de operação das renováveis, conhecido como “constrained off”, está sendo tratado pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) pois está provocando muito prejuízo aos empreendedores. Então, quando vemos a MP da Eletrobrás e as termelétricas operando em tempo integral, isso significa que o impacto sobre as renováveis será maior ainda. Entendemos que isso gera um efeito secundário sobre as emissões também. Estamos desperdiçando a energia mais limpa e gerando um efeito sobre o custo do sistema como um todo.
Como evitar futuros quadros de crise hídrica e riscos de abastecimento de energia sem precisar apelar para o acionamento massivo de termelétricas?
É importante voltar ao aprendizado que tivemos com o racionamento de 2001. Nós tínhamos um país bastante diferente em termos de matriz elétrica e economia. Nesse meio tempo, aconteceram mudanças positivas e significativas no nosso planejamento e estruturação do setor. De fato, aquele episódio trouxe impactos severos sobre a economia, com o prejuízo de R$ 45 bilhões. É uma depressão que demora a ser recuperada.
Naquela época, já tínhamos um sistema interligado com a capacidade de poder escoar e transmitir energia de uma ponta a outro do país. Mas a nossa capacidade de transmissão naquela altura era a metade em comparação com a que temos hoje. Além disso, a matriz brasileira era quase 90% hidrelétrica.
Hoje, a nossa matriz é ainda 65% dependente das hidrelétricas. Temos energias renováveis complementares como eólica, solar e biomassa no papel de protagonismo, ocupando espaços de mais de 10 GW cada uma na matriz elétrica brasileira. Mas ainda tem muito a ser feito.
Quando chegamos a esse quadro de ter que despachar termelétricas em tempo integral e importar energia de outros países, isso significa que não existem outras alternativas. Então, para evitar que tenhamos que nos valer desse último recurso, que certamente é o mais caro, devemos pensar em primeiro lugar na questão da eficiência energética. Esse tema pode estar presente de maneira mais contínua no planejamento energético e com maior protagonismo. Essa questão só aparece no momento de sufoco ou, usando uma metáfora, na hora de apertar o cinto. A eficiência, essa sim, é a opção mais em conta. É muito mais barato economizar energia do que aumentar a capacidade, com qualquer fonte que seja.
Como segundo ponto, eu acho que precisa ser reavaliada a sistemática de contratação de energia. Temos um paradoxo hoje nos leilões que foram realizados nos últimos dois meses, com contratações baixíssimas de energia, porque as concessionárias declararam uma demanda muito baixa em razão do último ano e da pandemia. Mas, na verdade, umas das alternativas para termos uma folga maior no sistema seria justamente o contrário: contratar mais energia, principalmente eólica e solar, para que tenhamos essa reserva daqui a dois ou três anos. É preciso fazer uma revisão na sistemática para previsão da demanda e nos modelos que regem as estimativas de reservatórios e do regime hidrológico.
Por fim, gostaria de ouvir também as considerações do IEMA sobre o impacto da inclusão dos 8 GWs de térmicas que foi determinada na MP da Eletrobras.
Em relação a expansão das térmicas, é importante diferenciar três momentos diferentes. Em primeiro, temos o acionamento adicional do parque disponível no país agora, durante este ano de 2021. Em segundo, existem as contratações em grande volume de térmicas, principalmente a gás, previstas para os próximos anos. Por fim, a desestatização da Eletrobrás prevê a entrada de térmicas entre 2026 e 2030, no médio para longo prazo. Todas essas térmicas vão trazer efeitos diretos ou indiretos, principalmente sobre a qualidade do ar e o uso d’água.
Nós diferenciamos as térmicas que estão sendo oferecidas nos leilões, que podem ou não ser contratadas. Muitas delas se encontram em regiões de estresse hídrico e fazem o uso de água doce em seus sistemas de resfriamento. Nós mapeamos o impacto no consumo de água causado por todo esse contingente de térmicas que podem ser contratadas nesse ano e nos próximos.
Já em relação às emissões, levamos em consideração apenas as térmicas a gás que ainda vão entrar em operação. De um contingente atual de 15 GW de térmicas operando no Brasil, teremos o acréscimo de 8 GW. Considerando um fator de capacidade de 70% para as usinas a serem instaladas, as emissões anuais representarão um acréscimo de 17,5 Mt–CO?e, o que equivale a um aumento percentual de 33% em relação às emissões do setor elétrico registradas em 2019.
Outro efeito colateral que nós identificamos é o uso de recursos econômicos, porque essas térmicas estão previstas para áreas sem infraestrutura de gasodutos. Então, isso deve também encarecer um pouco mais a energia. Por fim, uma terceira consequência direta é o retardamento da descontinuidade da geração fóssil que está prevista nos planos do governo.
E de rir para nao chorar, resfriamento com agua doce..
Torres de resfriamento em ciclo fechado existem ha decadas, deve ser muito esforco tecnologico a construcao de uma torre de resfriamento.
Constrained off significa que quem opera a usina termeletrica nao quer parar para depois nao ter o trabalho e o estresse da partida, e mais facil mandar a parar 40 turbinas eolicas que uma usina termeletrica.
Seguimos queimando, desmatando e agora poluindo, vai ter mais chuva ainda no futuro.
https://www.infomoney.com.br/colunistas/terraco-economico/o-aumento-da-conta-de-luz-e-os-fantasmas-do-governo-dilma-que-ainda-assombram-nosso-presente/
7 mar 2017
Ao todo, R$62,2 bilhões serão repassados para as contas de energia de consumidores nos próximos oito anos
A solução sugerida, aumento da eficiência, ficou perdida na matéria. De quanto estamos falando? Além disso me parece uma medida com começo, meio e fim. Não seria viável o aumento da eficiência indefinidamente. Mesmo sem conhecer o valor quantitativo dessa economia, entendo que outras medidas seriam necessárias para sustentar o crescimento econômico e a substituição de combustíveis fósseis. Exemplo: Qual seria a geração de energia elétrica nova para fazer frente à demanda por veículos com motores elétricos, ano a ano? Precisamos de um planejamento de médio e longo prazo. E bem detalhado.