ABDAN AVALIA QUE PRAZO PARA A NOVA USINA NUCLEAR DO PAÍS É VIÁVEL, MAS SERÁ PRECISO SUPERAR DESAFIOS
Por Davi de Souza (davi@petronoticias.com.br) –
A publicação do Plano Decenal de Energia (PDE) 2031 mexeu com o mercado como um todo. O setor nuclear, em especial, celebrou bastante o lançamento do documento. O plano aponta para a construção de uma nova usina nuclear de 1 GW na região Sudeste até o ano de 2031. A indicação de empreendimentos do tipo nos planos decenais do governo era uma pauta muito antiga dessa indústria. Atendido esse anseio, o setor agora se vê com um desafio – e tanto – em suas mãos. Construir a quarta usina nuclear brasileira, ao mesmo tempo em que finaliza Angra 3, não será algo trivial, mas trará benefícios para o sistema elétrico nacional. É o que afirma o presidente da Associação Brasileira para Desenvolvimento das Atividades Nucleares (ABDAN), Celso Cunha. “Acho que o desafio de construir uma usina em 10 anos é um bom desafio. Está dentro de um tempo limite. Teremos que trabalhar para conseguir reorganizar a estrutura desse mercado nuclear no Brasil”, avaliou. Para o presidente da ABDAN, alguns dos pontos mais importantes para viabilizar a construção da planta são o financiamento do projeto e a efetivação da Autoridade Nacional de Segurança Nuclear. “É extremamente importante sinalizar para os investidores que, dentro de um horizonte de dez anos, o país quer ter uma nova usina nuclear. A partir disso, o mercado como um todo se mobilizará para atender a essa demanda”, completou. Cunha falou ainda dos efeitos positivos desse novo empreendimento para a segurança energética brasileira e lembrou que diversos países no exterior estão acelerando investimentos na fonte nuclear.
Qual a importância dessa decisão do governo de, finalmente, levar a fonte nuclear para os planos decenais?
Uma usina nuclear leva em torno de 10 anos para ser concluída e começar a gerar energia. É o que acontece também com as usinas hidrelétricas com reservatórios, que demandam um desenvolvimento que dura de 12 a 14 anos. Ambas as fontes representam projetos estratégicos de nação. São empreendimentos que começam a ser construídos em um determinado governo e são concluídos em outra gestão.
O Plano Nacional de Energia (PNE) é um direcionador, que aponta para onde o país quer ir. Já o Plano Decenal de Energia apresenta um horizonte de execução. Este um plano para qual os CEOs das empresas olham. É extremamente importante sinalizar para os investidores que, dentro de um horizonte de dez anos, o país quer ter uma nova usina nuclear. A partir disso, o mercado como um todo se mobilizará para atender a essa demanda. Daí vem a importância de incluir projetos nucleares no PDE.
E que impacto efetivo será observado quando essa nova geração nuclear sair do papel?
Note os dois exemplos que citei em sua questão anterior. Eu mencionei as fontes nuclear e hidrelétrica, pois são fontes de base. Elas são essenciais para dar robustez ao sistema e atender ao mercado como um todo. Ou seja, não estou falando aqui de um atendimento pontual a uma demanda que cresce agora em função de alguma situação específica. Trata-se, na verdade, de uma estratégia de longo prazo.
Nos últimos 30 anos, passamos a ter os problemas hídricos, já que os reservatórios não estão recompondo-se. Enquanto isso, o país fica tentando resolver suas dores com fontes que não foram feitas para resolver tais problemas. Fontes essas, inclusive, que são submetidas a commodities de alta variabilidade no mercado internacional, como é o caso do gás. Portanto, quando o PDE sinaliza uma nova usina nuclear no Sudeste, isso indica que a planta ficará no centro de carga do país. Assim, essa nova usina virá para ajudar nesse processo extremamente necessário de recompor os reservatórios brasileiros.
Uma crítica recorrente direcionada à fonte nuclear é a questão do custo de implantação. Como avalia esse ponto?
Muitos apontam que o custo de implantação de uma usina nuclear é altíssimo. Isso acontece, porém, por conta do longo intervalo de tempo entre a construção de uma usina e outra. Então, não tem como o país manter uma cadeia de suprimento para o setor. Se o Brasil mantivesse essa cadeia de suprimento, os custos cairiam de forma substancial. Foi exatamente o que aconteceu com as fontes solar e eólica. Os custos de implantação dessas usinas foram caindo muito ao longo dos últimos anos. Óbvio que essas duas fontes possuem alto valor de subsídio, algo que o setor nuclear não dispõe.
O prazo de 10 anos para erguer uma nova usina nuclear no Brasil é viável?
Acho que o desafio de construir uma usina em 10 anos é um bom desafio. Está dentro de um tempo limite. Teremos que trabalhar para conseguir reorganizar a estrutura desse mercado nuclear no Brasil. Não será algo trivial. Precisaremos continuar no ritmo de reorganização do processo como um todo. A Autoridade Nacional de Segurança Nuclear (ANSN) precisa sair do papel e ser implementada. Precisamos de agilidade e fazer as coisas de forma correta e célere.
Outro ponto importante para viabilizar essa nova usina é discutir o modelo de financiamento. Isso precisa ser decidido de forma rápida. Não podemos ter a mesma discussão que aconteceu com Angra 3, que foi um modelo extremamente burocrático e complicado. Alguns países já começam a fazer leilão para contratação de energia nuclear, deixando nas mãos do mercado a decisão de como levantar os recursos. Isso é um caminho importante que precisamos trilhar se queremos construir algo que possa ser duradouro. O Brasil é referência mundial na realização desses leilões de compra de energia e de implantação de sistemas.
Por fim, não podemos deixar de finalizar Angra 3. Isso precisa ser superado e resolvido. Esse caminho não é curto, mas tem que começar a ser trilhado agora.
Enquanto o Brasil retoma os planos de expandir sua capacidade de geração nuclear, como está o crescimento dessa fonte em outros países?
Os Estados Unidos estão colocando bilhões de dólares em nuclear, casando a fonte com a produção de hidrogênio. A França está reativando o seu programa nuclear. A Inglaterra e a Rolls Royce estão com uma linha de produção em série de pequenos reatores modulares.
A China, por sua vez, anunciou 150 reatores até 2030. Serão aproximadamente de oito a nove reatores por ano. Então, isso é uma linha de produção em série. O programa nuclear chinês está calçado na questão ambiental e de saúde pública, de olho na redução do consumo de carvão.
Veja então que essa discussão sobre a nuclear está em todo o mundo. Só não está na Alemanha, que continua com a ideia de desativar as suas usinas nucleares. Os alemães têm o maior custo de energia elétrica do mundo e, ainda por cima, importam energia nuclear da França e continuam inaugurando usinas a carvão no noroeste do país. Então, existe um certo contrassenso nesse cenário.
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