ABDAN PROPÕE CRIAÇÃO DE LEILÕES ESPECÍFICOS PARA ENERGIA NUCLEAR NO BRASIL
Reeleito para a presidência da Associação Brasileira de Desenvolvimento das Atividades Nucleares (Abdan), Antonio Müller tem uma série de desafios para os próximos dois anos. Na pauta da entidade, o foco se mantém na necessidade do país de acelerar a decisão de construir novas usinas nucleares, tendo em vista a crise contínua no setor de abastecimento energético brasileiro, agravada ainda mais esta semana por uma greve de funcionários na Eletrobrás. Além disso, ele destaca a importância da abertura do setor para o capital privado, do desmembramento da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) – separando a área regulatória da de desenvolvimento – e da qualificação de mão de obra especializada em energia nuclear. Müller ressalta ainda que a demora na assinatura do contrato de montagem eletromecânica de Angra 3 deve gerar novo atraso na entrada de operação da usina, atualmente prevista para maio de 2018. Entre suas sugestões para o avanço do setor no país estão a criação de leilões específicos para energia nuclear, a possibilidade de concessão da Nuclep e a criação do licenciamento combinado para usinas (construção + operação). Ele conta também que estão ampliando as parcerias com as universidades e têm diálogos com a USP para a criação de um curso de graduação em engenharia nuclear por lá.
Quais serão os focos da Abdan para este novo mandato?
Vamos focar em recursos humanos, que é uma preocupação nossa, principalmente agora, que vai sair um grupo grande da Eletronuclear. Serão 500 pessoas, então é uma coisa preocupante. Você não consegue admitir, porque não pode fazer um concurso específico para uma disciplina, então tem que fazer um geral e depois treinar. Além disso, o pessoal que está se aposentando é muito experiente e treinado, o país gastou muito dinheiro neles. A nuclear é uma tecnologia importante para o país e o governo não toma a decisão claramente de ir em frente.
A situação complicada no abastecimento energético pode apressar a aprovação de novas usinas?
Acho que o governo não decide agora porque é um ano político. Mas não tenho dúvida de que esse país vai ter uma base maior de geração nucleoelétrica. Tem espaço para todas as tecnologias. A solar não vai resolver o problema do Brasil, porque não é de base, e sim complementar. Eólica a mesma coisa. A biomassa é sazonal. Entre 2025 e 2030 o país não vai ter mais disponibilidade para hidrelétricas. O carvão é muito poluente. Então a nuclear vai ter uma importância fundamental.
Como está a busca pela aprovação da participação privada no setor?
Este é outro ponto importante do nosso plano. Temos tido muitas discussões com o governo, eles acham que é possível, mas ainda tem todo um trabalho no Congresso. As empresas têm muito interesse em investir aqui, têm capital disponível, o país tem capacitação e conhecimento tecnológico para isso. Só faltam as decisões serem tomadas.
Como está a situação da nuclear no mundo?
Os países estão dando novamente a importância devida à energia nuclear. No plano do Japão está claramente o retorno da expansão nuclear. Os EUA estão construindo quatro e já preparam mais quatro usinas. Atualmente tem 70 usinas em construção e mais 40 prontas para começarem a ser feitas em todo o mundo. Só a China está fazendo 40. A Coreia do Sul, mais sete. A Suíça, que tinha parado, junto com a Alemanha, fez um plebiscito popular e a volta da nuclear foi aprovada. Na Alemanha já está havendo uma grande pressão para a volta delas, porque a energia está encarecendo muito e está afetando todas as indústrias. Eles estão perdendo competitividade. As empresas alemãs estão começando a sair de lá por causa disso.
Como funciona a decisão de construir uma usina nos Estados Unidos?
Tem dois tipos. Uma é a usina chamada “de mercado”; em que a empresa resolve fazer uma nuclear e vender a energia no mercado livre. A outra é no mercado regulado. Nesse caso, a empresa vai à comissão de energia do estado em questão, diz que quer construir uma usina, diz qual o valor da tarifa e pede aprovação. Depois da aprovação da tarifa, ela começa a construir, mas é tudo privado.
Como você acha que poderia ser facilitado esse caminho aqui?
A nossa sugestão é fazer aqui um leilão específico para nuclear, como faz com todas as tecnologias. Ganhou, faz a usina. Se a Eletronuclear estará com a empresa que ganhar é outra história. O importante é que seja um leilão específico para nuclear e acertar como comercializar a energia. Igualzinho ao que fazem com as hidrelétricas.
Tem notícias sobre o contrato de montagem de Angra 3?
Já era para estar assinado, mas ainda está nas mãos da Eletrobrás.
Isso pode atrasar o cronograma?
Se a decisão não for tomada imediatamente, sem dúvida nenhuma vai ter impacto na data de maio de 2018.
Andou-se falando em descomissionamento de Angra I. Isso está próximo?
Não. Está muito boa para descomissionar. A Eletronuclear vai fazer um estudo, já está com concorrência aberta, para prorrogar a vida da usina. Ela entrou em 80 e terá a vida útil estendida para 60 anos. Com isso, podem até estudar o aumento da capacidade dela. Por exemplo, quando mudaram os geradores de vapor, já aumentou um pouco a capacidade. Hoje, as duas usinas chegam a um fator de capacidade de 92%. O de uma hidrelétrica fica em torno de 35%, 40%.
Como estão as previsões de novas usinas?
O último plano fala de quatro a oito, mas isso já ficou ultrapassado. Eu olharia no mínimo, para começar, de seis a oito. Existe um estudo da FGV, traçando vários cenários, que estima a necessidade do país entre oito e 23 usinas nucleares até 2040. O triste disso tudo é que o programa brasileiro das oito usinas nucleares, feito lá trás, era basicamente o mesmo da Coreia. Hoje eles têm 23 unidades e exportam tecnologia, enquanto nós estamos brigando para terminar a terceira.
Houve algum avanço na escolha dos sítios onde ficarão as novas unidades aqui?
Pedimos ao governo que libere o aprofundamento dos estudos no Nordeste e no Sudeste. É preciso estudar o terreno, os recursos hídricos, as condições ambientais etc, então isso pode ser feito esse ano, e ainda ganha-se tempo. Os focos continuam em Minas e Pernambuco. Seriam dois em cada local na primeira fase. Mas em todos os estudos estão procurando locais para seis unidades, porque faz com que o preço do MWh caia muito.
Houve algum avanço na área de licenciamento para novas usinas?
No Brasil hoje é como era nos EUA antigamente. É necessário primeiro uma licença de construção e depois uma de operação. Há anos isso já é feito lá de maneira conjunta, com uma licença combinada, mas aqui ainda não mudou.
A Abdan tem trabalhado para implantar esse modelo aqui?
Trouxemos todos os países que estão implantando usinas nucleares, para uma reunião de três dias, junto com a CNEN, para mostrar como é o licenciamento em cada país. Isso foi há dois anos e de lá para cá novas propostas têm surgido, mas ainda não foram adiante.
Como vocês consideram que deva ser a reestruturação da CNEN, como a Abdan costuma defender?
Tem que ser feita uma separação entre a área de regulação e as outras. A própria CNEN já apresentou uma sugestão, existe outra no Ministério do Planejamento, mas até agora não foi adiante. A CNEN deve ser um órgão regulatório e a parte de desenvolvimento – incluindo a INB e a Nuclep –, deve passar a outra parte do governo ou à Eletronuclear. A Nuclep poderia até passar por um leilão de concessão. Quem ganhasse, gerenciaria por 20, 30 anos. Ela é uma das fábricas mais nobres do mundo. Hoje não existe uma fábrica como a Nuclep. No passado existia, mas ninguém faz mais fábricas desse tamanho.
A Abdan está pensando em fomentar programas de qualificação?
Na última reunião comentamos isso. Todas as associadas estão dispostas a investir em capacitação. O mundo inteiro precisa de capacitação na área nuclear. A Abdan hoje já investe nas universidades daqui. Na UFRJ, que já tem até um curso de graduação, na UERJ, onde tem a pós-graduação, e agora o pessoal da USP nos procurou para começar um curso de graduação em engenharia nuclear. Vamos ajudá-los nisso.
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