ABDAN TRAÇA PLANO ESTRATÉGICO DE NOVAS USINAS NUCLEARES PARA APRESENTAR AO GOVERNO BRASILEIRO
Por Daniel Fraiha (daniel@petronoticias.com.br) –
A Associação Brasileira de Desenvolvimento das Atividades Nucleares (ABDAN) está preparando um plano estratégico (roadmap) para a construção de novas usinas nucleares no Brasil, e pretende apresentá-lo ao governo em breve, assim que o documento estiver concluído. O projeto está sendo organizado pelo novo vice-presidente da ABDAN, Fernando Henning, que se aposentou da Eletronuclear em 2015, depois de 40 anos atuando no setor, e assumiu recentemente o cargo que foi ocupado nos últimos anos por Ronaldo Fabrício na associação. Henning ressalta que o programa nuclear brasileiro “não pode ser de governo, mas de País, de nação”, e destaca que a falta de recursos financeiros para levar adiante o plano nacional de novas usinas pode ser aplacada a partir de parcerias com empresas privadas. “O que conseguimos ver até agora é que a atribuição de todos os encargos ao governo não tem funcionado, às vezes por problemas políticos, à vezes por problemas de recursos financeiros. Basta ver a história de Angra 2 e agora a de Angra 3 para se tirar essa conclusão”, afirma, revelando que o roadmap desenhou cinco possibilidades de participação de capital privado nas usinas, com recomendações específicas para a realidade brasileira.
O vice-presidente da ABDAN fala ainda sobre modelos de licenciamento, a escolha de sítios para as novas usinas, os caminhos para a redução de custos e a importância de ser desenvolvido um plano contínuo de construção de usinas. Além disso, conta que a associação vai realizar dois cursos de curta duração em abril, em parceria com a World Nuclear Association, no Rio de Janeiro e em São Paulo.
Quais são seus planos na vice-presidência da Abdan?
Em dezembro de 2015, eu me aposentei da Eletronuclear, depois de 40 anos no setor nuclear de geração de energia elétrica. Achei que ia parar um pouco de lidar com esse assunto, mas em abril do ano passado recebi um convite e vim trabalhar na ABDAN. Entendi que o propósito dela é muito importante para o Brasil. A promoção das atividades da área nuclear precisa ser feita no sentido de entendimento e de aceitação do tema, tentando uma argumentação com as autoridades brasileiras responsáveis pelas decisões, para que se possa ter um caminho para implantar novas centrais nucleares no Brasil.
Existe um plano de ação para alcançar esses objetivos?
Existe. Ele começa com a elaboração de um documento chamado Roadmap, para novas usinas nucleares no Brasil. Ele tem um conteúdo que procura, baseado em fatos reais e experiências internacionais, mostrar porque o Brasil deveria continuar na geração elétrica a partir da fonte nuclear.
É um documento novo?
Já foram feitos diversos roadmaps em outros países, em outros momentos, mas aqui para o Brasil talvez esse seja o primeiro a ser feito de uma forma mais executiva. Já tivemos alguns documentos sobre o setor, mas este procura adaptar os caminhos conhecidos no mundo para as circunstâncias atuais do Brasil. É um assunto bastante complexo, envolve muitos participantes e tem um prazo extenso. Do momento em que se decide pela construção de uma central nuclear até o início da geração elétrica, levam-se 10 anos. Então as decisões que forem tomadas hoje vão se concluir em uma década. Não é um assunto que se possa ir aos trancos e barrancos, sem uma sistemática de longo prazo, com consistência.
A principal preocupação de elaborar esse documento é a necessidade de o País entender que o programa nuclear não pode ser de governo, mas de País, de nação.
Esse roadmap já está elaborado?
Faltam alguns pontos, mas está bastante avançado e será concluído em breve, para podermos disponibilizar para o conhecimento das partes envolvidas no Brasil.
Já tem conclusões que podem ser antecipadas?
As conclusões estão sendo finalizadas, mas versam sobre aspectos que já foram testados, sobre a maneira para se tornar um grande sucesso ou um grande fracasso.
Uma grande questão é esclarecer porque se precisa da energia nuclear no Brasil. A resposta está em vários fatores. As possiblidades de hidrelétricas perto dos grandes centros já foram exploradas. Os grandes aproveitamentos da forma mais tradicional da geração hidráulica, com reservatórios, estão esgotados. E as novas usinas são a fio d’água, que dependem de questões climáticas. O que estamos vivendo hoje no Nordeste, por exemplo, é um momento muito difícil, porque, apesar de haver um extenso aproveitamento do potencial hidrelétrico, a seca prolongada está levando os reservatórios a níveis muito baixos, e não se pode mais dispor dessa fonte para aumentar a geração de energia na base de carga.
No Nordeste, houve um grande crescimento do parque eólico, mas a complementação tem sido feita por térmicas, que têm custo de combustível, poluição atmosférica, dentre outros problemas. Então a solução clara e límpida seria ter geração de energia nuclear lá.
Qual seria o mínimo e o ideal de novas usinas para atender à necessidade brasileira nos próximos anos?
O plano nacional de energia de 2030 (PNE 2030), que é bastante generoso com todas as fontes alternativas, prevê acrescentar cerca de 30 mil MW de origem térmica, sendo 6 mil MW nucleares. Esse planejamento pode ser atingido com usinas de 1.400/1.500 MW ou de 1.000/1.200 MW. O país tem diversos parceiros que poderiam atender a essas necessidades.
Mas estamos fazendo uma coisa mais ampla, como a escolha de sítios, em que a Eletronuclear já fez um grande trabalho de avaliação e seleção prévia.
Quantos sítios existem propícios no Brasil hoje para a instalação de novas usinas?
Existem 40 sítios no Brasil que têm o potencial de receber usinas nucleares. Desses, fez-se uma concentração inicial no Nordeste, que partirá na frente, pelos motivos que apresentei, de necessidade de complementação de geração de base. Alguns sítios ficam na costa e outros ao longo do vale de São Francisco.
Esse trabalho está em que etapa?
É um trabalho preliminar, que precisa ser desenvolvido em muitas outras ações. A localização, pela constituição, é atribuição do Congresso. Então, uma vez escolhido o sítio – ou a região –, a Eletronuclear vai aprofundar esses estudos, fazer sondagens, medições, avaliar o uso da terra, a aceitação pública local, o cuidado com o meio ambiente, enfim, tudo que faz parte de um grande estudo para definir mais especificamente a localização final.
Além disso, está se fazendo um envelope das tecnologias candidatas para sítios que atendam a todas as possibilidades, de modo que se possa pré-licenciar o sítio antes da escolha do fornecedor do reator.
Isso é uma das diretrizes do roadmap?
Ele mostra isso como um dos passos a ser tomado e isso já está sendo feito, pela Eletronuclear, em parceria com a Coppe, e outros participantes. A Abdan está sempre acompanhando e buscando divulgar as informações colhidas e os resultados obtidos. No setor nuclear, precisamos ter muita sintonia com os parceiros.
O que mais se pode fazer antes das definições finais?
Uma pré-seleção do sítio, como falei, e uma pré-seleção de tecnologias, avaliando os padrões, já estabelecidos no Brasil, colocando os requisitos de segurança, de operação etc, que são desejados para implantar aqui no Brasil. Os fornecedores entregam esses dados, técnicos e comerciais, de modo que já se tenha um quadro completo para o momento da decisão de escolha do reator, daquilo que atende e do que não atende, para uma escolha comercial, um leilão ou licitação, dependendo de como for decidido. É uma pré-qualificação.
Quais são as outras premissas do roadmap?
Tem que ter outras medidas importantes para se ter sucesso neste processo. O primeiro é que seja um plano de País, de longo prazo. Tem que começar e ir acrescentando sistematicamente outras usinas, par se ter um sucesso como o que a França teve, por exemplo, criando um extenso parque gerador, com uma economia de escala fantástica. Ao fazer isso, qualificam-se os fornecedores, reduzem-se os preços, capacita a engenharia e as equipes de construção, e cria-se um custo muito mais reduzido.
Há outras medidas também, como o uso de sistemas modulados, para agilizar a construção, mas o fato é o seguinte: a primeira usina de uma espécie, de um modelo tecnológico específico, tem um custo médio de US$ 5 mil por KW instalado. Se for criado um programa consistente, contínuo, de mais usinas, pode-se reduzir esse valor para US$ 1,8 mil por KW. Isso precisa ser feito por meio de planejamento, vendo a demanda de energia para os próximos 30 anos, por exemplo.
Outra coisa é que os grandes custos ocorrem durante a fase de construção, então qualquer atraso, problema de gerenciamento, coordenação, gera um prejuízo muito grande. Portanto, é necessário que se cerque de todos os aspectos para que não haja mudanças sazonais no caminho. As partes envolvidas têm que estar muito bem informadas, tomando as decisões necessárias no tempo necessário.
Tem se falado muito da importância de um licenciamento combinado no setor nuclear internacional. Como avalia a questão?
Isso é uma tendência. Os Estados Unidos já estão fazendo, o México está indo por um caminho similar, mas o Brasil até hoje só conheceu o licenciamento em diversas etapas. O risco do licenciamento combinado é menor quando já se tem o projeto certificado de um tipo de reator. Essa certificação leva algum tempo para o primeiro reator construído de um determinado modelo. A partir daí, novas unidades têm um tempo bastante curto para obter o licenciamento.
Quais outras diretrizes fundamentais do planejamento?
Primeiro é necessário que se certifiquem dessas condições macro, como vontade política, modelo de negócio empregado, licenciamento e também das condições de financiamento. Hoje, o governo tem o monopólio das atividades, mas nas circunstâncias atuais nos parece que o governo talvez não tenha fôlego para financiar o número de usinas previstas em seu planejamento. O que nos parece razoável, como forma de superar essa situação, seria permitir a entrada do capital privado para participar dos empreendimentos.
Como poderia ser feito isso?
Tem várias maneiras. Poderia ser por meio de um EPC, em que as empresas constroem a usina e depois entregam para o governo operar, até a condição em que o governo possa fazer uma concessão para a indústria privada construir e operar a usina – dentro de condições rígidas, naturalmente. Depois, a empresa ou organização operaria a usina até ter o retorno contratado do investimento, para a partir dali entrega-la ao governo.
Como o documento da Abdan aborda essa questão?
Nosso roadmap desenhou cinco possibilidades de participação de capital privado nas usinas, e estamos desenvolvendo mais profundamente as condições desses modelos, assim como as recomendações para a realidade brasileira. O que conseguimos ver até agora é que a atribuição de todos os encargos ao governo não tem funcionado, às vezes por problemas políticos, à vezes por problemas de recursos financeiros. Basta ver a história de Angra 2 e agora a de Angra 3 para se tirar essa conclusão.
Isso seria possível sem alteração constitucional?
Não. Seria necessária uma PEC (Proposta de emenda Constitucional) para quebrar o monopólio da União. É importante ver que monopólio é esse. Ter participação privada numa usina nuclear não significa que seria tirada a soberania nacional sobre o enriquecimento de urânio, que é a questão mais sensível. Se uma empresa dessas construir uma central, ela vai ter que comprar o combustível nuclear, que não muda em nada. As tecnologias das usinas não são brasileiras, inclusive. Quando o Brasil precisou, foi para fora comprar.
E em que passo está a PEC que prevê essas alterações no Congresso?
Ela continua em trâmite. Acredito que será decidido claramente quando acender a luz de que as centrais serão feitas. Hoje em dia não se tem essa luz de recomeço do programa nuclear no Brasil.
A mudança de governo trouxe como uma das prerrogativas uma abertura maior ao capital privado. Acredita que isso já tenha chegado ao setor nuclear? Ou ainda não?
Acredito que está sendo compreendido que o capital privado pode viabilizar essa questão de geração de energia elétrica para o governo, que tem a atribuição de providenciá-la hoje, mas talvez não tenha os recursos necessários para isso. Então o caminho são parcerias.
Acho que há um entendimento maior dessa necessidade. A participação do capital privado não está sendo vista como uma ameaça. É algo que já ocorre em todo o mundo. Tem muitos modelos em outros países e agora é um momento em que se tem tudo para acontecer.
Vendo esse quadro mais receptivo, a Abdan tem buscado uma interlocução maior junto ao governo?
Tem. A Abdan esteve com o Ministro de Minas e Energia, Fernando Coelho Filho, apresentou essa questão, além de uma documentação que já tínhamos, e temos conversado com pessoas ligadas ao ministério. Procuramos trazer a CNEN, o BNDES e uma série de entidades envolvidas no processo para discutir esse roadmap com a Abdan. Estamos procurando obter as informações mais atualizadas possíveis para ter aquilo que corresponde à realidade atual do mundo.
A Abdan está preparando um curso novo?
Sim. É um curso de curta duração patrocinado pela World Nuclear University, sobre os assuntos principais da área nuclear, que terá uma edição no Rio de Janeiro e outra em São Paulo. O primeiro será no dia 3 de abril, na sede da Nuclep, em Itaguaí (RJ). Depois, haverá uma visita técnica a uma unidade nuclear, enquanto que no dia seguinte os alunos vão visitar a INB, em Resende (RJ). O de São Paulo acontecerá no dia 5 de abril, no IPEN, seguido de uma visita técnica ao reator multipropósito que está sendo construído no campus da USP.
Qual o público alvo?
É o público mais jovem, que está querendo se atualizar sobre os aspectos principais de energia nuclear, num nível muito alto, de palestrantes que vão trazer uma visão do que está se passando no mundo inteiro sobre energia nuclear.
A Abdan tem informações sobre algum avanço em relação a Angra 3?
Esse mês foi noticiado, pelo próprio Petronotícias, que foi concluído o distrato do contrato de montagem, o que é importante, porque sem isso não se pode recontratar para a conclusão das obras. Têm surgido elementos novos, como o eventual interesse de fabricantes internacionais participarem da conclusão do projeto, mas não sei em que pé está. De qualquer maneira, tem havido algumas negociações neste sentido e tudo indica que há condições de voltar a caminhar. Espero que tenha o mesmo sucesso de Angra 2, porque é uma usina muito boa. Queremos vê-la pronta, para fazer outras.
O que você espera de 2017 dentro desses planos?
Espero que isso tudo tenha andamento e que seja retomado. Os efeitos de qualquer decisão não serão sentidos a curtíssimo prazo, então espero que o País tenha fôlego para tratar desse assunto com atenção, para abordá-lo com a seriedade que ele requer e poder tomar as providências necessárias para dar partida numa nova fase.
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