ABEGÁS DEFENDE GÁS COMO COMBUSTÍVEL PARA CAMINHÕES E PEDE AGILIDADE NA CONCLUSÃO DE MUDANÇAS REGULATÓRIAS

Por Davi de Souza (davi@petronoticias.com.br) –

As mudanças regulatórias recentes no mercado de gás natural já trouxeram alguns aspectos positivos para o setor, mas a caminhada rumo a um ambiente de maior competição no segmento ainda exigirá esforços adicionais. Essa é a opinião do diretor de estratégia e mercado da Associação Brasileira das Empresas Distribuidoras de Gás Canalizado (Abegás), Marcelo Mendonça, nosso entrevistado desta quarta-feira (9). A Abegás avalia que o processo de abertura de gás natural no Brasil tem sido muito lento, o que acabou reduzindo o número de ofertas nas chamadas públicas realizadas por distribuidoras no ano passado. “Na prática, a Petrobrás continua como agente dominante e isso deixa poucas opções para os demais agentes. O que nos preocupa é que diversas medidas regulatórias previstas dentro desse processo de abertura do mercado ainda estão muito distantes de serem resolvidas dentro da agenda regulatória da Agência Nacional do Petróleo (ANP)”, afirmou Mendonça. O que realmente precisamos é de celeridade na regulamentação”, complementou. O entrevistado falou sobre quais as questões regulatórias são mais urgentes e comentou também sobre o embate envolvendo o reajuste promovido pela Petrobrás no preço do gás natural, que acabou gerando até mesmo questionamentos judiciais. Por fim, Mendonça falou que a Abegás tem trabalhado com o governo para a criação de corredores logísticos de abastecimento de veículos que usam o gás natural como combustível, como caminhões. “Essa tecnologia já está disponível dentro do Brasil. Essa é uma questão que poderíamos estar desenvolvendo de uma forma mais ampla. Isso teria uma importância significativa para o país”, completou.

Para começar nossa entrevista, pode falar um pouco da visão da Abegás em relação ao processo de abertura do mercado de gás natural do Brasil?

gas-naturalÉ fato que estão acontecendo mudanças no mercado e algumas delas são positivas. Um exemplo disso é a diversificação do portfólio das distribuidoras do Nordeste. O movimento que vemos na Bahia e em Pernambuco, além de situações específicas no Rio Grande do Norte e em Alagoas são pontos positivos alcançados a partir dessa abertura.

Contudo, esse processo de abertura tem sido muito lento e isso vem trazendo distorções para o mercado. É importante lembrar do que trata da Lei do Gás: diversificação de produtores e aumento da competição na oferta de molécula. Essas duas questões seriam benéficas para o mercado, mas que ainda não estão sendo observadas.

Na prática, a Petrobrás continua como agente dominante e isso deixa poucas opções para os demais agentes. O que nos preocupa é que diversas medidas regulatórias previstas dentro desse processo de abertura do mercado ainda estão muito distantes de serem resolvidas dentro da agenda regulatória da ANP. Esse foi o principal motivo pelo qual as chamadas públicas não tiveram sucesso no final de 2021, culminando nos problemas que estamos vivendo agora.

A Abegás tem mencionado que ainda não foram criados instrumentos para alterar a posição dominante da Petrobrás no setor. Para a entidade, quais são os principais passos a serem dados nesse sentido?

O essencial é que a oferta de gás natural seja ampliada. É totalmente inacreditável que o Brasil esteja reinjetando 60 milhões de metros cúbicos por dia. O Brasil reinjeta mais do que produz. Ao reinjetar esse gás, o país deixa de receber, através de impostos, R$ 9 bilhões. Então, é inaceitável que esse volume de receitas não venha para a sociedade. Isso é muito grave e precisa ser resolvido.

O aumento de oferta é uma questão preponderante a ser resolvida. O que falta para resolver essa questão é a infraestrutura. Por isso, é importantíssimo equacionar, em um primeiro momento, as questões regulatórias de acesso à infraestrutura compartilhada. Esse é o primeiro passo, mas não pode ser o único. Depois, é essencial que se viabilize novos investimentos em infraestrutura. Isso passa necessariamente por resolver a questão da reinjeção, a produção de gás do pré-sal e também do gás natural importado. 

É inviável nesse momento, no qual estamos vendo aumentar a competição da oferta de gás natural, que ainda existam terminais de GNL desconectados da rede. E o que é mais inaceitável é o fato de o gasoduto Rota 3 entrar em operação em maio de 2022 e a sua respectiva linha de interligação ainda não estar viável.  Então, em suma, precisamos endereçar as questões regulatórias de compartilhamento de infraestrutura e, ao mesmo tempo, dar um sinal para atrair os investimentos necessários e monetizar a oferta de gás natural.

Hoje há um grande embate, inclusive judicializado, entre a Petrobrás e as distribuidoras em virtude do reajuste anunciado pela petroleira no final do ano passado. Como está essa situação nesse momento?

petrobrasEssa questão está muito relacionada com o que discutimos nas suas perguntas anteriores. As distribuidoras realizaram, em 2021, chamadas públicas para adquirir gás, buscando alternativas para diversificar seus portfólios. Mas por conta do atraso da agenda regulatória e a dificuldade de aquisição de gás natural, apenas algumas distribuidoras conseguiram sucesso em situações bem pontuais.

Tirando isso, todas as distribuidoras só tiveram acesso ao gás fornecido pela Petrobrás. O posicionamento da estatal foi ofertar gás a preço GNL no mercado spot, com a base de preço do JKM [Japan-Korea-Marker]. Toda essa questão interfere na própria segurança energética dos estados. Por isso, vimos um movimento dentro dos estados [recorrendo à Justiça], tentando garantir o abastecimento e a manutenção de condição econômica. Se existissem mais opções de aquisição de gás natural, não estaríamos discutindo essas questões e não seria necessário levar o tema ao CADE [Conselho Administrativo de Defesa Econômica].

Outro ponto que gerou muito debate foi a questão das legislações estaduais voltadas para o gás natural. No caso de São Paulo, o tema chegou a ser levado até ao Supremo Tribunal Federal. Como a Abegás tem acompanhado essas discussões?

stfO parágrafo 2º do artigo 25 da Constituição estabelece que os estados têm direito de explorar a atividade de serviço de distribuição. A função do governo estadual é estabelecer de que forma esse serviço vai ser executado. Então, toda a regulamentação colocada em São Paulo e em outros estados nada mais é do que os governos estaduais exercendo seu direito constitucional. A lei federal não teve e nunca teve o objetivo de interferir na esfera estadual. A ANP pode classificar o gasoduto de transporte da forma como quiser. No entanto, essa regulação da agência não pode ser invasora e interfirir na regulação estadual.

O que estranha no posicionamento da ANP é que o órgão levou a questão de São Paulo para o STF, justamente quando se discute o processo de harmonização. O primeiro passo de harmonização da ANP é levar para a Justiça? É estranho esse posicionamento da agência.

Quais são as principais e mais urgentes questões regulatórias que precisam ser endereçadas no setor de gás?

gasO que realmente precisamos é de celeridade na regulamentação. Por exemplo: ter um prazo até 2024 para discutir o compartilhamento das infraestruturas essenciais vai interferir no próximo ciclo de aquisição de gás natural. Então, se essa questão for resolvida em tempo hábil, permaneceremos por mais um ciclo com o mercado fechado. Isso é ruim para todos. Por isso, é necessária celeridade nessa agenda para promover a abertura de mercado e do portfólio de ofertantes, para que haja concorrência no fornecimento de gás natural. Esse é o ponto que precisa ser desenvolvido. Todos os demais pontos são decorrentes desse.

Além disso, o Brasil precisa trazer uma agenda positiva que atraia os investimentos. Isso vai, por consequência, reduzir a reinjeção e aumentar a disponibilidade de gás natural. Não existirá novo mercado de gás natural sem gás novo. O setor precisa trazer nova oferta de gás, para que tenhamos um mercado crescente, saudável e competitivo.

Diante de todos os desafios que conversamos até aqui, como está a perspectiva da Abegás para o mercado de gás canalizado?

caminhõesComo eu disse na resposta anterior, estamos frisando a necessidade de aumentar a oferta de gás natural e trazer competitividade para a molécula. Sem isso, não conseguiremos crescer o mercado. A demanda de gás natural tem se mantido no mesmo patamar nos últimos 10/15 anos. 

Ao trazer mais gás, de uma forma competitiva, outros mercados serão viabilizados. Por exemplo: uma utilização que já vem sendo amplamente difundida em outros países é o gás natural substituindo o diesel. Essa tecnologia já está disponível dentro do Brasil, sendo aplicada em alguns caminhões. Essa é uma questão que poderíamos estar desenvolvendo de uma forma mais ampla. Isso teria uma importância significativa para o Brasil.

Nesse ponto, a Abegás está trabalhando junto com o governo e outros agentes na elaboração de corredores sustentáveis. São corredores logísticos de abastecimento desses veículos que usam gás natural como combustível. Isso certamente vai trazer benefícios sociais, econômicos e ambientais.

Precisamos transformar a oportunidade que temos no gás natural em uma agenda positiva. Hoje, como eu falei no início, temos sinais positivos de abertura de mercado, mas que ainda não se converteram em uma agenda positiva de desenvolvimento.

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