ABGP DESENVOLVE PROJETOS PARA SUPRIR CARÊNCIA DE GEÓLOGOS NO BRASIL
Por Daniel Fraiha (daniel@petronoticias.com.br) –
Qual a relação entre Marte e o pré-sal? Para os não geólogos, a pergunta pode parecer sem pé nem cabeça, mas quem se dedica a estudar a fundo a formação das rochas sabe que a pergunta não é sem sentido. A presidente da Associação Brasileira de Geólogos de Petróleo, Sylvia Couto Anjos, que também é gerente geral de Geologia Aplicada à Exploração da Petrobrás, conta que estão programando uma série de cursos e eventos para este ano, e um deles trará o chefe da equipe do programa exploratório de Marte, da Nasa, John Grotzinger, que é também o maior especialista do mundo em estromatólitos, um tipo de rocha similar à encontrada no pré-sal e a mesma buscada pela missão enviada a Marte. O evento, previsto para ocorrer entre 19 e 21 de maio, será o primeiro encontro internacional de geólogos no Brasil, com o foco em carbonatos, e faz parte de uma série de iniciativas propostas pela ABGP para ampliar o campo da geologia de petróleo nacional.
Outro foco da Associação, que tem sido uma das maiores preocupações de Sylvia, é a busca por tornar a carreira de geólogos mais atraente para os jovens, e alguns projetos têm sido desenvolvidos neste sentido. Um deles, chamado Geólogos do Amanhã, em parceria com a UFRJ, envolveu o aumento do contato de alunos do ensino médio com os aspectos da geologia, incluindo excursões até o Museu da Geodiversidade, e ajudou a impulsionar a procura pelo curso na universidade, onde chegou a ser o segundo mais disputado recentemente. A presidente da associação ressalta ainda que a única forma de continuar ampliando as reservas de petróleo do País é com a oferta de novas áreas e com equipes de geólogos em atividade. Mesmo sabendo do momento crítico da indústria nacional, em que o cenário externo, com o preço baixo do barril, se conecta com a crise gerada pela operação Lava Jato, Sylvia acredita que a busca por geólogos deve continuar ocorrendo, até como uma forma de baratear custos em empresas estrangeiras que atuam aqui, por meio da substituição de profissionais expatriados, que custam mais caro do que os locais.
Como é a atuação da ABGP?
Grande parte da atuação é no auxílio da formação e qualificação da mão de obra para o mercado brasileiro. Temos uma forte atuação em cursos específicos da área de geociências, buscando suprir uma deficiência grande na indústria local. Outro foco são as parcerias que temos com associações internacionais, como a American Association of Petroleum Geologists (AAPG). A Petrobrás tem um sistema de treinamento muito forte, mas as outras empresas ainda não, então elas se beneficiam muito dos cursos, que são dados por pessoas da indústria.
Os cursos têm tido muita procura?
Agora no início do ano sempre é menor, mas mesmo assim nossa primeira turma é neste mês e a procura tem sido muito grande. Muitas empresas já contam isso como parte do treinamento programado de seu pessoal. Outra área em que estamos atuando muito também é na busca pela formação de novos geólogos.
Existe um déficit de geólogos na indústria?
Até o ano passado, e principalmente em 2013, havia uma demanda muito grande. As empresas estavam até se canibalizando, puxando profissionais, então fizemos um programa chamado “Geólogos do Amanhã”, em parceria com a UFRJ, trazendo estudantes do segundo grau para o Museu da Geodiversidade, no Fundão, para atrair mais interesse para a carreira. Depois disso, o segundo curso mais procurado da universidade foi o de geologia, então houve um crescimento muito grande. O objetivo era difundir a geociência, com foco na geologia do petróleo, e temos conseguido bastante. É uma das coisas que deixamos como legado da nossa gestão.
Quando termina sua gestão?
Este é o último mês em que estarei à frente da associação. Inclusive, outro projeto interessante que estamos desenvolvendo é a Casa da Pedra, no interior da Chapada do Araripe, entre o Ceará e Pernambuco. É uma casa onde geólogos da UFRJ dão treinamento para geólogos e estudantes de geologia de todo o Brasil. A geologia de lá tem uma equivalência, em termos de idade, à da rocha do pré-sal da Bacia de Santos. Toda a casa é formada com a pedra local, os alunos podem passar de uma a duas semanas lá estudando, e isso vai valer para todas as universidades do Brasil. Movimenta inclusive a economia local, que é bastante precária.
Qual a programação para este ano?
Temos uma série de cursos e eventos. Agora estamos com um curso de geologia para não geólogos, que vai acontecer nos dias 17, 18 e 19 de março, no Centro do Rio de Janeiro. O objetivo desse curso é ajudar as empresas a integrarem mais suas áreas, porque todos os outros departamentos, como administração, gerência, recursos humanos etc, não entendem muito bem o trabalho dos geólogos e as empresas querem fazer essa integração.
E em relação aos eventos?
Também fechamos a organização do primeiro evento internacional, incluindo quatro associações – ABGP, SBGF, SPE Brasil, SPWLA Brasil –, das áreas de geofísica, geologia, avaliação de informações e engenharia. O evento vai integrar estes temas, com foco em carbonatos este ano. Inclusive vamos trazer o maior especialista do mundo em estromatólitos, John Grotzinger, que chefiou a equipe responsável por analisar a geologia de Marte, no projeto Mars Exploration Rovers, da NASA.
Qual a relação da geologia de Marte com a das bacias de petróleo brasileiras?
A rocha mais antiga no mundo em que se deram ocorrências de microbiais, ou seja, organismos vivos, são estromatólitos. É o tipo de rocha que a missão dele buscava em Marte, para saber se é possível ter havido vida no planeta algum dia. E esse é também um tipo de rocha semelhante à encontrada no pré-sal. Então ele vem para falar sobre isso, para tentar auxiliar os geólogos a entenderem melhor as rochas carbonáticas, e em especial as rochas do pré-sal.
Como está a demanda por mão de obra especializada em geologia no Brasil atualmente?
A demanda tem sido grande, mas estamos num momento de transição. O petróleo caiu muito, então o setor está num momento mais parado. A Petrobrás está nesse momento, que não deve acelerar tanto. As outras empresas, de fora, têm muitos expatriados, que custam mais caro, então deve haver uma tendência de substituição da mão de obra por profissionais locais, que sejam capacitados. Agora, o quanto vai crescer, vai depender do cenário do preço do petróleo.
E a capacitação está atendendo a essa demanda?
Quando os prazos estão todos muito apertados, com pouca gente disponível, às vezes nem se dá o treinamento necessário. Agora, nesse momento de baixa, é um momento que permite às empresas formarem melhor as pessoas, estudarem melhor as áreas e se prepararem melhor para a hora de investir efetivamente. Se alguma delas desativar um grupo de geologia, e daqui a pouco o preço sobe, ela não vai encontrar de novo esses profissionais. Porque a formação de um sênior em geologia requer um amadurecimento mais lento do que em outras áreas. A descoberta do pré-sal, depois de anos e anos explorando na costa brasileira, é uma prova disso. Melhorou a tecnologia e também o corpo técnico foi amadurecimento. Se for analisar, as empresas petroleiras que vieram de fora quase não acharam petróleo aqui. As produções que elas têm, em sua maioria, são de parcerias com a Petrobrás ou de áreas compradas dela. As descobertas são predominantemente da Petrobrás, muito em função do conhecimento e do amadurecimento de muitos anos estudando a geologia daqui.
Quais os principais desafios dos geólogos de petróleo no Brasil hoje?
Para qualquer geólogo, o maior desafio é lutar contra a tendência de descrença após uma operação sem sucesso. Por exemplo, se é feita uma perfuração em uma área e o poço dá seco, ele não pode achar simplesmente que não tem petróleo naquela bacia. Ele tem que analisar tudo, pensar por que não achou o petróleo ali, questionar muito e tentar entender para onde pode ter ido esse petróleo. Há, claro, avanços tecnológicos, com um imageamento melhor a partir das sísmicas, mas o grande desafio é traçar bem os dados que você tem, cruzar informações e bolar modelos novos.
Quais prognósticos podem ser feitos em relação à reposição e adição de novas reservas ao portfólio brasileiro nos próximos anos?
Só tem uma solução para aumentar o portfólio. É ter geólogos trabalhando e pensando, além de ter novas áreas disponíveis. Todas as empresas estão sempre buscando isso. O potencial existe, o que é necessário é estudar e investir nisso. Mas sou muito otimista, porque vivi numa época em que se achava que não havia mais petróleo novo no Brasil e vimos novas descobertas quebrando essa visão. Em 1996, teve a descoberta do campo de Roncador, uma grande descoberta na bacia de Campos. Depois disso, ficamos sem novas descobertas na bacia por anos, até que em 2001 veio uma nova grande descoberta, do campo de Jubarte, também na Bacia de Campos, já na altura do Espírito Santo. Esse meio tempo foi praticamente sem descoberta no mar, com muito poço seco e pouco investimento. Então parecia que não tinha petróleo. Outro exemplo era a Bacia de Santos, que por muito tempo foi considerada uma bacia fria – que não tem petróleo –, e depois veio o pré-sal.
Ola! Excelente entrevista! Parabéns! Será que poderiam passar os meus contatos para a Sylvia? Trabalho para o UK Trade & Investment no Consulado Britânico e gostaria de oferecer de colocá-la em contato com Universidades Britânicas, caso ela tenha interesse. Obrigada!
Flavia
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