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ABRACE AVALIA QUE LEILÃO DE RESERVA DE CAPACIDADE DEVE SOFRER MUDANÇAS NO CRONOGRAMA APÓS DECISÃO JUDICIAL

Imagem do WhatsApp de 2025-04-03 à(s) 12.35.34_c7cc6e14A Associação Brasileira de Grandes Consumidores de Energia e Consumidores Livres (Abrace) defende que o governo reabra as discussões sobre as regras do Leilão de Reserva de Capacidade (LRCAP) antes de avançar com o certame. A recente decisão judicial que suspendeu a portaria 100/2025 do Ministério de Minas e Energia (MME), que estabelecia normas para o leilão, foi vista como uma janela de oportunidade para corrigir distorções e garantir melhores condições e competitividade na disputa entre as fontes. O diretor de energia elétrica da Abrace, Victor Hugo iOcca, destaca algumas das principais preocupações da entidade em relação às regras do LRCAP: o chamado fator A, o impacto dos biocombustíveis no equilíbrio do leilão e os gargalos no transporte de gás natural. A Abrace também alerta que a judicialização do processo pode trazer insegurança ao setor e encarecer a energia para os consumidores. Por fim, o especialista acredita que o calendário do leilão, inicialmente marcado para 27 de junho, provavelmente será modificado. “Vamos imaginar, por exemplo, uma nova consulta pública com pelo menos 30 dias de duração — só isso já exige uma mudança no cronograma. Empurrando o calendário um pouco para frente, eu particularmente acho que ainda é possível realizar o leilão em 2025, possivelmente próximo ao fim do ano”, avaliou.

Como o senhor avalia a atual situação do leilão? Tivemos uma decisão recente essa semana que suspendeu a portaria que estabelece as regras de negociação a serem aplicadas no certame.

mmeEntendemos que a realização de um leilão para contratação de potência é importante, mas precisa ser feita com muito cuidado para evitar uma sobrecontratação, como já aconteceu no passado no setor elétrico, resultando em contratações ineficientes e custosas. O impacto direto de um leilão mal planejado é o aumento no custo da energia para todos os brasileiros. 

A recente decisão de cancelar a portaria impede, por ora, a realização do leilão e, mais importante, determina uma rediscussão do tema. Consideramos essa medida positiva. No entanto, é preocupante que tenha sido necessária uma interferência do Judiciário. Essa judicialização gera ruído e incerteza, o que não é bom para o setor. 

Por exemplo, o aumento do CVU e a participação de biocombustíveis renováveis, além do afastamento do fator A, teriam um impacto significativo. A realização desse leilão sem o fator A seria muito prejudicial. Por isso, vemos com bons olhos a possibilidade de rediscutir os pontos que ainda não estão claros para todos os agentes do setor. Um leilão realizado sob judicialização e com tantas dúvidas tende a gerar um risco elevado, o que, no final, resulta em um custo maior do que o necessário.

Na sua avaliação, levar esse debate para a esfera judicial causa temor no setor?

Termeletrica-GNA-I-Foto-DivulgacaoMuito. Para lembrar, o primeiro leilão de potência infelizmente foi judicializado por causa de regras mal definidas. O problema é que essa judicialização acabou tendo muito sucesso, e o resultado foi a contratação de um bloco enorme de térmicas a óleo combustível e óleo diesel. Essas contratações foram referendadas pelo STJ e pelo STF em todas as instâncias, ou seja, acabamos fazendo um leilão que resultou em um volume elevado de energia a custos absurdos, com competitividade muito baixa. A principal justificativa para esse cenário foi justamente a judicialização do processo.

Não podemos repetir esses erros do passado. O ponto positivo da decisão mais recente é que o cancelamento da portaria tem como objetivo abrir mais espaço para diálogo. No entanto, é fundamental que esse debate seja bem conduzido. O Ministério deve reabrir uma consulta pública. Se avançarmos com um leilão que deixe alguns agentes insatisfeitos e eles voltarem a recorrer ao Judiciário, isso será um problema sério.

Nossa posição é clara: o Ministério não deveria levar adiante a realização de qualquer leilão, especialmente este de potência, se o certame estiver judicializado.

Publicamos recentemente uma reportagem sobre o ofício que a ABRACE enviou ao MME, no qual a entidade aponta algumas preocupações em relação ao LRCAP. Quais são os pontos das regras do leilão que mais chamam atenção da associação?

o-que-e-engenharia-do-proprietario-em-linhas-de-transmissao-1A principal prioridade para nós é rediscutir o fator A. Isso porque, com a mudança no CVU, a regra do leilão foi alterada após toda a definição da diretriz e do fator A, que havia passado por consulta pública. Isso acabou modificando completamente o balanceamento das oportunidades entre as fontes no leilão. Portanto, é essencial rediscutir o fator A para garantir uma competição mais equilibrada entre o gás natural e os biocombustíveis. Por isso, entendemos o receio do mercado de que os biocombustíveis poderiam se tornar extremamente competitivos, dependendo dos pesos atribuídos na fórmula do fator A. Acreditamos que a participação dos biocombustíveis nesse leilão é válida, desde que seja feita em condições justas de competição com o gás natural. 

E isso já nos leva ao segundo ponto. O mercado já demonstra dificuldades para suprir adequadamente a demanda por biodiesel — inclusive para atender às exigências atuais do setor de transportes. Temos visto diversas manifestações junto à ANP relatando momentos de escassez desse insumo. Agora, imagine uma situação de crise hídrica daqui a três ou quatro anos, em que seja necessário despachar quatro, cinco ou até seis gigawatts a partir de usinas a biodiesel. Será que teremos biodiesel B100 suficiente para sustentar esse despacho? Estamos falando de um volume gigantesco. E, se esse produto estiver disponível, qual será o impacto sobre a economia? O preço do biodiesel já é cerca de 50% superior ao do diesel fóssil. Com um aumento de demanda tão elevado, esse valor pode subir ainda mais, afetando toda a economia e pressionando a inflação.

Por isso, a cadeia de suprimento dos combustíveis renováveis precisa ser avaliada com mais profundidade. É necessário garantir que o Brasil, daqui a alguns anos, tenha capacidade de suprir tanto o mercado de transporte quanto, eventualmente, o de geração de energia elétrica.

Há preocupações também referentes às usinas movidas a gás natural?

GASHoje, o mercado de gás no Brasil é extremamente distorcido na parte de transporte. O custo do transporte é tão alto que térmicas conectadas a terminais de GNL (ou seja, fora da malha) acabam sendo mais competitivas do que aquelas que estão dentro da rede. Ou seja, montar uma infraestrutura completa de recebimento e regaseificação de GNL pode sair mais barato do que simplesmente se conectar à malha existente. Isso mostra como o custo de transporte é um gargalo. Portanto, é muito importante rediscutir esse ambiente de transporte de gás natural no contexto dessa futura consulta pública. 

Considerando todos os pontos que o senhor mencionou até agora e também o cronograma apertado, há tempo hábil para o país endereçar todas essas questões e manter o calendário atual do leilão?

TermeletricaNa minha opinião, não há tempo hábil. São temas muito complexos para serem rediscutidos em poucos dias. Vamos imaginar, por exemplo, uma nova consulta pública com pelo menos 30 dias de duração — só isso já exige uma mudança no cronograma. Empurrando o calendário um pouco para frente, eu particularmente acho que ainda é possível realizar o leilão em 2025, possivelmente próximo ao fim do ano.

Nesse cenário, ficaria comprometida a contratação do produto com início em setembro de 2025. Mas ainda assim seria possível contratar o produto para 2026, que é voltado para térmicas existentes, já conectadas ao sistema. 

Então, realizar o leilão ainda este ano me parece possível e, mais do que isso, necessário — até para garantir previsibilidade aos empreendedores na hora de adquirir equipamentos. Estamos falando de térmicas de grande porte, que precisam comprar equipamentos no mercado internacional. E isso não é simples. Portanto, é viável fazer o leilão ainda em 2025, desde que com muito cuidado.

Para encerrar, gostaria de um comentário geral sobre a atuação da Abrace nesse debate e nessa consulta pública que está por vir. Quais pontos a associação deve destacar? Como vocês pretendem contribuir nessa discussão daqui para frente?

biocombustiveisNosso grande objetivo é garantir que o leilão consiga garantir a competitividade necessária entre todas as fontes. É muito importante que o gás natural tenha condições competitivas frente aos biocombustíveis, para que o resultado final do leilão seja a contratação do produto realmente necessário ao menor custo possível.

Quando digo “necessário”, é porque também nos preocupa a possibilidade de o governo, ao perceber que as regras estão bem desenhadas, decidir contratar 15 ou 20 gigawatts de térmicas em um único certame. Isso seria terrível, pois também comprometeria a competitividade. Portanto, defendemos um leilão com boas regras e com uma demanda razoável. Essa será a principal linha de atuação da Abrace a partir de agora.

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