ABSOLAR DIZ QUE SETOR FOTOVOLTAICO TEVE ANO CONTURBADO COM OS CORTES DE GERAÇÃO PEDIDOS PELO ONS E PREVÊ QUE 2025 SERÁ DESAFIADOR
Um termo estrangeiro marcou o ano de 2024 do setor fotovoltaico brasileiro: o curtailment. A palavra, como se sabe, refere-se à redução forçada da geração de energia renovável solicitada pelo Operador Nacional do Sistema (ONS) quando a produção supera a capacidade de consumo ou de transmissão do sistema elétrico. Foi um dos temas que mais mobilizou o mercado nos últimos meses e já é motivo de preocupação para o próximo ano. É o que afirma o presidente executivo da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (ABSOLAR), Rodrigo Sauaia, nosso entrevistado de hoje (6) na série especial Perspectivas 2025. O dirigente da entidade mostrou preocupação também com as dificuldades para a conexão de novos projetos solares ao sistema elétrico. “Apesar destes desafios, a geração centralizada adicionou até o momento 4,5 GW no ano, valor superior ao do ano de 2023. Já na geração distribuída, foram adicionados até o momento 7 GW no ano, frente à 8,4 GW em 2023”, pontuou. Sauaia falou ainda sobre os possíveis impactos negativos na alíquota de importação de módulos fotovoltaicos, dizendo que a medida pode inviabilizar novos projetos. Por fim, o presidente da ABSOLAR admitiu que o ano de 2025 continuará sendo desafiador para o setor, mas com muitas oportunidades para o Brasil assumir o protagonismo na transição energética mundial.
Como foi o ano de 2024 para sua associação e seu segmento de atuação?
O ano de 2024 foi bastante desafiador para o setor solar fotovoltaico brasileiro, que demonstrou enorme resiliência sob um cenário conturbado e repleto de incertezas.
No segmento de mercado de grandes usinas solares (geração centralizada solar fotovoltaica), o setor enfrentou reiterados cortes sobre as usinas (constrained-off ou curtailment), determinados pelo ONS, totalmente alheios à gestão dos empreendedores. Com isso, muitas grandes usinas solares foram impedidas de entregar a energia elétrica que poderiam ou precisariam ter gerado à sociedade, o que afetou pesadamente suas receitas. Diante deste cenário, a ABSOLAR tem trabalhado incansavelmente em defesa do justo e correto ressarcimento financeiro aos geradores impactados, pelo estabelecimento de regras mais claras e previsíveis para estas situações, por aprimoramentos aos procedimentos de operação do Sistema Interligado Nacional (SIN) que minimizem os cortes de renováveis, bem como pela ampliação da infraestrutura de transmissão com adequado planejamento e novos leilões, medidas fundamentais para solucionar estruturalmente este desafio no médio e longo prazos.
No segmento de mercado de geração própria solar (geração distribuída solar fotovoltaica), o setor foi impactado negativamente por impedimentos de conexão de novos sistemas, sob a alegação de inversão de fluxo de potência, sem a apresentação de relatório técnicos comprobatórios pelas distribuidoras. Isso trouxe enormes prejuízos aos consumidores, empreendedores e fornecedores, com empresas fechando e empregos verdes sendo perdidos. A ABSOLAR está atuando junto à ANEEL e ao Congresso Nacional para a construção de soluções de curto prazo e medidas estruturais para eliminar estes gargalos ao avanço do mercado.
Apesar destes desafios, a geração centralizada adicionou até o momento 4,5 GW no ano, valor superior ao do ano de 2023. Já na geração distribuída, foram adicionados até o momento 7 GW no ano, frente à 8,4 GW em 2023.
Se fosse consultado, quais seriam suas sugestões (ao governo ou à própria indústria) para melhorar o ambiente de negócios no seu setor?
Na geração centralizada, os cortes de geração sobre as grandes usinas solares em operação, solicitados pelo ONS, têm gerado severos danos financeiros e econômicos aos geradores, bem como forte insegurança jurídica e regulatória aos investidores. Por isso, o ressarcimento destes cortes é essencial e urgente para a segurança financeira e jurídica das usinas existentes e para a confiança dos investidores no Brasil. Adicionalmente, há gargalos significativos para a conexão de novas grandes usinas solares, devido à infraestrutura insuficiente de transmissão. Neste ponto, a expansão da capacidade de transmissão entre subsistemas, como Nordeste e Sudeste/Centro-Oeste, é fundamental.
Na geração distribuída, é necessário mitigar as negativas de conexão de novos sistemas por alegações de inversão fluxo de potência pelas distribuidoras, principalmente na microgeração distribuída solar fotovoltaica (sistemas com até 75 kW de potência nominal), que têm um efeito pequeno nas redes de distribuição. Para a minigeração distribuída (sistemas com até 3 MW de potência nominal), a distribuidora deve apresentar, de forma completa e transparente os estudos elétricos detalhados ao alegar inversão de fluxo de potência, para que os consumidores e empreendedores possam auditar as informações. Adicionalmente, as distribuidoras devem indicar as alternativas de conexão plausíveis, conforme prevê a regulamentação vigente.
Para além da fonte solar fotovoltaica, dado que a ABSOLAR também trabalha pelo desenvolvimento do armazenamento de energia elétrica e do hidrogênio renovável no Brasil, temos oportunidades relevantes a considerar.
No segmento de armazenamento de energia elétrica, é fundamental a publicação de um marco legal e regulatório condutor do desenvolvimento e crescimento do mercado. Isso passa pela definição das condições de uso da tecnologia nas suas diversas aplicações (junto a geradores, transmissores, distribuidores e consumidores, entre outras) e modelos de remuneração (serviços ancilares, capacidade de suporte à rede elétrica, backup, peak shaving, load shifting, entre outros). Adicionalmente, é necessário reduzir a carga tributária exorbitante incidente sobre a tecnologia, que ultrapassa 80% em muitos dos casos, para níveis equivalentes aos aplicados às fontes renováveis, como solar e eólica.
Já no hidrogênio renovável, é necessário avançar com a regulamentação e implementação do marco legal criado, bem como dos incentivos previstos em lei. Estados também podem contribuir neste cenário, com o estabelecimento de programas, políticas e incentivos para projetos de hidrogênio renovável em suas regiões. Adicionalmente, a criação de medidas de promoção de demanda interna (nacional) fortalecerá e acelerará o processo de desenvolvimento de projetos em território nacional, bem como a equiparação de incentivos aplicados ao setor elétrico.
A seu ver, de que forma os recentes acontecimentos no cenário político internacional podem influenciar os negócios no Brasil?
Para além do cenário político internacional, questões internas deverão impactar majoritariamente o mercado solar fotovoltaico brasileiro em 2025.
Em novembro de 2024, foi publicada a Resolução Gecex nº 666/2024, que elevou a alíquota do imposto de importação de módulos fotovoltaicos, de 9,6 % para 25 %, além de revogar cotas isentas de imposto de importação, que já haviam sido estabelecidas, pelo próprio Governo Federal, até junho de 2027. Estas cotas são fundamentais para que o mercado, incluindo os consumidores e empreendedores, possam se adaptar de forma gradual às mudanças tributárias, evitando prejuízos a projetos já em desenvolvimento. Portanto, a ABSOLAR avalia estas medidas como um grande retrocesso à transição energética, prejudicando o acesso e a democratização da energia solar e pondo em risco a viabilidade de importantes projetos em desenvolvimento no Brasil, especialmente grandes usinas solares.
Neste sentido, nota técnica elaborada pela ABSOLAR traz um mapeamento claro e objetivo sobre os projetos em potencial risco com o aumento de imposto de importação. O documento revela que há, pelo menos, 281 empreendimentos fotovoltaicos em situação crítica, incluindo um montante de mais de 25 gigawatts (GW) e R$ 97 bilhões em investimentos que seriam entregues até 2026. Estes projetos podem contribuir para a geração de mais de 750 mil novos empregos verdes e a redução de 39,1 milhões de toneladas de CO2.
A medida do governo pode inviabilizar os projetos por completo, por conta da perda automática do financiamento vinculado ao empreendimento, trazendo alto risco na modelagem financeira das grandes usinas solares. O financiamento desses empreendimentos exige um padrão de certificação e qualidade nos equipamentos utilizados que as indústrias nacionais ainda não possuem, o que obriga a compra dos equipamentos importados, agora sobretaxados.
As sucessivas elevações do imposto acarretam retração do mercado e, consequentemente, de postos de trabalho exatamente nos principais elos da cadeia de valor do setor: na distribuição e na comercialização de equipamentos, bem como nos serviços de projeto, engenharia, instalação, operação e manutenção de sistemas fotovoltaicos. De cada 30 empregos gerados pelo setor solar fotovoltaico no Brasil, somente dois estão na fabricação de equipamentos.
Diante destes impactos negativos, é fundamental que o Governo Federal retome o processo de transição gradual para o setor por meio da retomada das cotas isentas de imposto de importação e por meio da aprovação de ex-tarifários de projetos (usinas solares), por meio de comprovação de projetos e investimentos, para que os projetos em desenvolvimento não sejam afetados.
Por fim, quais são as perspectivas de sua associação para o ano de 2025?
O ano de 2025 tende a ser bastante desafiador para o setor solar fotovoltaico brasileiro. Por isso, a ABSOLAR trabalhará, ainda mais fortemente, para a construção de condições que contribuam para a resiliência do setor e seu crescimento no Brasil.
As projeções oficiais da ABSOLAR com os números para 2025 serão apresentadas no Encontro Nacional ABSOLAR de 2024, que acontece nos dias 11 e 12 de dezembro. No entanto, o inegável potencial do Brasil para liderar a transição energética no âmbito global pode ganhar um novo capítulo a partir do próximo ano.
A maior presença da fonte solar fotovoltaica, do armazenamento de energia elétrica e do hidrogênio verde, por exemplo, terá ainda mais relevância em 2025 para o combate ao aquecimento global, a descarbonização das atividades produtivas (incluindo comércio, serviços, indústria e agronegócio), a universalização do acesso à energia elétrica (limpa e renovável), a ampliação da liberdade, autonomia e poder de escolha da população e o aumento da competitividade e sustentabilidade da economia brasileira.
Um exemplo é o Leilão de Reserva de Capacidade, previsto para junho de 2025 e que contemplou a tão esperada inclusão de sistemas de armazenamento de energia elétrica. Trata-se de um importante passo para ampliar a competitividade e segurança do sistema elétrico nacional. A medida poderá trazer ganhos estruturais para a operação da matriz elétrica e ajuda a acelerar a transição energética rumo uma economia mais verde e sustentável no Brasil.
Outro benefício trazido pelo armazenamento é a possibilidade de redução do desperdício de energia renovável, cujos empreendimentos têm sofrido cortes recorrentes determinados pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS). Em vez de desperdiçada, esta energia renovável e competitiva poderia ser armazenada, para uso nos momentos de necessidade do sistema.
No caso do hidrogênio verde, muitos projetos devem ter suas obras iniciadas pelo Brasil e muitas decisões de investimentos devem acontecer em 2025, como um desdobramento dos acordos assinados nos últimos dois anos.
Outros pontos com a contribuição da ABSOLAR e que são aguardados pelo setor incluem a definição do cronograma de abertura do mercado para o grupo de baixa tensão e o estabelecimento de novo modelo de acesso à conexão à rede de transmissão.
Por fim, um dos destaques de 2025 é a realização da Conferência da Organização das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 30), que acontecerá especificamente em Belém, no Pará. A escolha reforça o protagonismo da fonte solar no País e o evento pode trazer avanços importantes em termos de investimentos renováveis e mais projetos de combate ao aquecimento global.
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