ALEMANHA FECHA USINAS NUCLEARES QUE GERAM ENERGIA LIMPA E EXPLORA E DEFENDE USO DO CARVÃO MAIS POLUENTE DO PLANETA
Façam o que eu digo, mas não façam o que eu faço. Este velho chavão se aplica como uma luva no norte da Alemanha. Lá, em abril, cerca de 4 mil manifestantes do ativista Ende Gelände se reuniram na vila de Lützerath, no coração industrial da Alemanha, para protestar contra a expansão da mina de Garzweiler, que produz carvão marrom, um dos combustíveis fósseis mais poluentes do mundo e um dos menos eficientes, porque tem um alto teor de água, representa cerca de 45% do grid de eletricidade do Estado, com o excedente de energia exportado para a França e a Holanda. A exploração da mina já fez desaparecer pelo menos uma dúzia de vilarejos, disseram os ativistas. Igrejas centenárias, casas, rodovias foram demolidas e o solo sobre a qual foram construídas foi removido. Terras agrícolas desapareceram, os cemitérios foram esvaziados. Tudo isso e ainda vivendo com índice de inflação em maio de 7,9%, o nível mais alto registrado no país desde dezembro de 1973.
Para se ter uma ideia da volúpia dessa destruição, basta ver o tamanho da máquina de escavação: 100 metros de altura e 250 metros de comprimento. A destruição iminente da vila de Lützerath e de suas proximidades contrasta com a reputação que a maior economia da Europa tentou construir como líder de energia limpa e ainda quer passar pito no Brasil. A Alemanha continua sendo o maior consumidor de carvão da Europa e as usinas a carvão, perto da mina, estão entre as maiores emissoras de dióxido de carbono da União Europeia. O país ainda queima grandes quantidades de carvão para produzir bens industriais.
O carvão marrom, usado principalmente para gerar eletricidade, é o único carvão que a Alemanha ainda produz no mercado interno. O chamado carvão duro foi eliminado em 2018 e agora é importado de lugares como a Rússia, que até recentemente representava metade das importações alemãs. Quando o novo governo alemão se formou em dezembro, prometeu a eliminação do uso de carvão até 2030. A administração também disse que apoiava a preservação das vilas ameaçadas pela expansão da mina Garzweiler, operada pela Rhenish-Westphalian Power Plant (RWE) AG, a segunda maior empresa de energia da Alemanha e uma das maiores concessionárias da Europa. O grupo RWE argumenta que o carvão que está sob o solo nesses lugarejos será “necessário a partir de 2024” para abastecer usinas, enquanto outras minas da região estão fechando.
O protesto realizado pelos ativistas ambientais ocorreu depois que o último fazendeiro da vila foi forçado a vender para a RWE sua propriedade do século XVIII, em que sua família viveu por gerações, após perder um processo judicial contra a desapropriação. O imóvel fica agora a poucos metros da borda da mina. Os tribunais decidiram que a lei de mineração do país dá à companhia de carvão o direito legal de expandir e que a legislação de eliminação do uso do carvão não contradiz essa decisão. Mesmo os tribunais superiores disseram que a mineração do carvão sob Lützerath está em total conformidade com as decisões de planejamento do governo, que assumiu que o carvão ainda seria necessário para a produção de energia até 2030. Embora reconheça os danos climáticos e ambientais “inegáveis” causados pela mineração de carvão e pela geração de energia de carvão, o tribunal decidiu que as medidas de proteção climática não exigem a retirada imediata do carvão da matriz energética.
Para que a empresa tome posse da terra, basta que o fornecimento de carvão marrom ao mercado de energia esteja em risco. A venda obrigatória tem sido usada para abrir caminho para a expansão de minas pertencentes à RWE. A decisão final permitiu a destruição da vila e a mineração de carvão marrom debaixo dela. A geração de eletricidade com este carvão foi elevada ao status militar estratégico na Alemanha nazista sob a Lei de Promoção da Indústria de Energia de 1935, adotada para fortalecer as capacidades de guerra e permitir o despejo de comunidades inteiras para escavação de carvão.
O porta-voz da RWE, Guido Steffen, disse que a expansão faz parte de um processo há muito planejado e aprovado em 1995: “Sempre ficou claro que Lützerath um dia seria minada. Para isso, a vila já foi reassentada. Estamos reduzindo a utilização do carvão, mas reduzir não significa que não precisamos mais de carvão de repente“, disse. Mais seis vilarejos estão nos planos de demolição da empresa.
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