AREVA VÊ TOMADA DE DECISÃO COMO MAIOR DESAFIO DO BRASIL NO SETOR NUCLEAR
Por Daniel Fraiha (daniel@petronoticias.com.br) –
A usina Angra 3 teve sua construção interrompida em 1993 e só foi retomada em 2007, quando o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) aprovou o reinício das obras, agora previstas para serem concluídas em 2018. Apesar do primeiro impulso de reerguer o Programa Nuclear Brasileiro, o projeto ainda faz voo solo e não tem capacidade de fomentar uma indústria local, que poderia ser criada com um número maior de usinas no país, de acordo com o diretor da Areva no Brasil e na América do Sul, Bernard Bastide. O executivo, que vê o país como um lugar abençoado energeticamente, pela sua grande variedade de fontes disponíveis, conta que certamente haveria a criação de uma cadeia local de fornecedores em caso de mais projetos em andamento. “Se recebermos uma encomenda para construir quatro unidades nucleares no futuro, por exemplo, isso certamente aconteceria”, afirma.
A empresa francesa, que emprega mais de 46 mil pessoas mundo afora, faturou € 9,342 bilhões em 2012 e fechou o terceiro trimestre deste ano com uma carteira de encomendas de € 42 bilhões. Em novembro, fechou um grande contrato com a Eletronuclear, de € 1,25 bilhão (cerca de R$ 3,87 bilhões), ainda não computado no balanço, para fornecer serviços de engenharia, componentes e o sistema digital de instrumentação e controle à Angra 3. A nova usina é um passo a frente, mas, para Bastide, o maior desafio do país no setor nuclear ainda é a decisão de levar o programa adiante.
Quais são as principais atividades da Areva no Brasil hoje?
Hoje temos dois tipos de atividades principais no país: energia nuclear e biomassa. A primeira é a mais conhecida no mercado. Fornecemos serviços, engenharia e suprimentos, entre outras coisas, para a Eletronuclear, que é nosso principal cliente no Brasil, e para as Indústrias Nucleares do Brasil (INB).
O que vocês fornecem para o INB?
Em 2012, fornecemos alguns equipamentos específicos para soldagem, além de termos um contrato de conversão de urânio na França com eles. Recebemos o urânio, fazemos a conversão e mandamos de volta para o INB. São alguns exemplos. Para a Eletronuclear, fizemos alguns serviços de manutenção para os reatores, além do contrato recente para Angra 3.
Pode detalhar o contrato com a Eletronuclear? Quanto o sistema digital de instrumentação e controle representa no valor total?
É difícil dizer quanto o sistema representa e quanto os fornecimentos significam. O que podemos dizer é que é um grande contrato, dividido em duas partes. A primeira delas é referente aos suprimentos, como tubos, motores, válvulas etc, alguns deles para a parte eletromecânica, e outros para a parte de instrumentação e controle. E a outra parte é voltada a serviços, que serão realizados por especialistas da Areva.
Haverá produção local de componentes para o contrato?
Esse projeto começou há 25 anos. Na época, a Siemens era a fornecedora e ela entregou a maior parte dos grandes equipamentos, que foram preservados e estão lá até hoje. Para o resto, precisamos considerar todo o projeto. Ele representa cerca de R$ 13 bilhões para a Eletronuclear, dos quais cerca de 75% são aplicados no país. A maior parte do projeto é realizada no Brasil. Nosso contrato representa cerca de 25% do projeto total em termos de valor. Nessa parte, provavelmente a maior parte das aquisições virá da Europa, principalmente da Alemanha e da França, mas, para o resto, faremos contratações variadas e poderá haver fornecimentos brasileiros.
Há fornecedores locais capacitados para isso?
Depende das especificações. Ainda estamos elaborando essas especificações e, dependendo da qualidade, do preço e do prazo, faremos as seleções. Algumas delas podem ser feitas no Brasil.
Em que tipo de cenário pode haver a criação de uma indústria local ligada ao setor nuclear?
Se recebermos uma encomenda para construir quatro unidades nucleares no futuro, por exemplo, isso certamente aconteceria. Para a primeira delas, provavelmente precisaríamos importar alguns equipamentos, mas, para as outras três, com certeza iríamos criar uma cadeia de suprimentos local. É a melhor forma de treinar pessoas e de ter os melhores produtos.
A Areva teria interesse em investir em usinas no Brasil, caso o governo aprove a participação privada no setor nuclear?
Hoje, a Areva não é um investidor, apenas um fornecedor. Normalmente não investimos nos projetos, mas não posso dizer que não investiríamos, porque as estratégias podem mudar no futuro. Mas, se continuar como hoje, a Areva não investe, apenas fornece.
O que a aprovação da participação privada na produção de energia nuclear pode gerar para o Brasil, na sua opinião?
Se o governo decidir por esse caminho, há vários modelos possíveis e diferentes condições que podem ser apresentadas, mas com certeza vai atrair muitos investimentos.
Como vê o setor energético brasileiro atualmente e como vê a energia nuclear incluída neste cenário?
O Brasil é um país abençoado, com todas as possiblidades de geração de energia. Todos sabem que é um país “verde” em termos energéticos, já que cerca de 80% da eletricidade vem de hidrelétricas. Mas essa situação está mudando, como pudemos ver no último ano, com a necessidade de muitas térmicas em operação para compensar o baixo nível dos reservatórios. Então mesmo um país verde como o Brasil precisou de energia térmica para produzir eletricidade e consequentemente produziu CO², que é um gás causador de efeito estufa. Ou seja, para o futuro, uma das soluções é balancear a hidroeletricidade com térmicas, o que deixa a nuclear como uma das melhores opções, já que ela não produz CO².
E acha que o país está se preparando para isso?
Isso está na mente do governo, porque no atual plano de energia do país existe a previsão de serem construídas de quatro a oito usinas nucleares no Brasil até 2030. É uma decisão lógica e o projeto Angra 3 é um ponto de partida muito importante para esse processo.
Quais são os maiores desafios da indústria nuclear hoje?
No mundo, o maior desafio é superar o efeito Fukushima. Superar todas as consequências do acidente e integrar as soluções na nova geração de reatores nucleares, além de garantir que este tipo de acidente nunca mais possa ocorrer.
E no Brasil?
Aqui o maior desafio é a decisão de seguir adiante. Sabemos que ano que vem tem eleição e entendemos que esse tipo de decisão nesta situação é algo bem difícil.
No início da nossa conversa, você mencionou a atuação na área de biomassa. Quais são os principais projetos no setor?
Estava me referindo à Areva Renewable Brasil, que hoje conta com cerca de 200 pessoas trabalhando. A principal atividade dela é desenhar e fornecer unidades de produção de energia baseadas em biomassa. Podem ser à base de bagaço de cana, eucalipto, entre outras fontes, dependendo da viabilidade comercial.
Em que casos vocês estão focados?
Qualquer um deles e estamos capacitados para fornecer qualquer tipo de unidades para estes fins. Temos um histórico muito importante nessa área. Já construímos 100 unidades de biomassa no país, somando mais de 2 GW aqui em mais de 20 anos, então somos uma das principais empresas neste mercado. Estamos tentando vender projetos da empresa não só no Brasil, mas em outros países da América Latina, como Chile e Colômbia, entre outros.
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