ARGUS VÊ POTENCIAL NA DEMANDA DE COMBUSTÍVEL MARÍTIMO COM CONTEÚDO RENOVÁVEL, MAS PREÇO AINDA É DESAFIO
A Petrobrás obteve recentemente uma autorização para comercializar combustível marítimo com conteúdo renovável no Brasil. Será a primeira empresa no país que entregará ao mercado um bunker (combustível usado em navios) com 24% de biodiesel. Isso abre um precedente importante no mercado e outras companhias tendem a buscar a mesma autorização. É o que avalia o especialista em combustíveis da consultoria Argus, Amance Boutin, nosso entrevistado desta quarta-feira (4). Ele enxerga uma oportunidade para crescimento da demanda por bunker com conteúdo renovável, tendo em vista as metas de redução de emissões da indústria marítima mundial. Especificamente no Brasil, há um mercado potencial de 4 milhões de toneladas por ano para o biocombustível com a mistura de até 24% de biodiesel no bunker. Boutin pondera que a mistura efetiva deve ser apenas uma fração disso, mas ainda assim isso representa uma oportunidade significativa para a indústria nacional. “A demanda pode vir de empresas com metas de ESG (governança, ecológica e social) elevadas que precisam comprovar uma redução significativa da pegada de carbono de suas atividades a cada elo da cadeia de produção e transporte. Dado o papel do Brasil como exportador de commodities, este potencial de crescimento existe, mas ainda é difícil ser mensurado”, afirmou. No entanto, o entrevistado também mencionou que, embora haja interesse em combustíveis mais sustentáveis, o prêmio do bio bunker em relação à alternativa fóssil ainda tem desestimulado as compras.
Para começar nossa entrevista, poderia comentar como enxerga o potencial de crescimento da demanda por bunker com a adição de biodiesel no Brasil e no mundo nos próximos anos?
O arcabouço regulatório já existe, falta ver agora se empresas vão aderir a essa proposta, lembrando que se trata de um mercado voluntário. Ou seja, não existe hoje nenhuma obrigação de mistura no Brasil.
A demanda pode vir de empresas com metas de ESG (governança, ecológica e social) elevadas que precisam comprovar uma redução significativa da pegada de carbono de suas atividades a cada elo da cadeia de produção e transporte. Dado o papel do Brasil como exportador de commodities, este potencial de crescimento existe, mas ainda é difícil ser mensurado.
Já é possível dimensionar ou prever as oportunidades que este mercado pode abrir para os produtores de biocombustíveis no Brasil?
A mistura de até 24% de biodiesel no bunker abre para o biocombustível um mercado de 4 milhões de toneladas por ano, de acordo com a Associação Brasileira de Bunker, a Abrabunker. Ou seja, o potencial de mistura é próximo a 1 milhão de m³ por ano, comparado com um consumo de 6,5 milhões de m³ para o biodiesel misturado com diesel rodoviário no ano passado.
É claro que a mistura efetiva no bunker deve alcançar apenas uma fração disso, mas representa um potencial interessante de complemento para a indústria nacional.
O setor marítimo busca alternativas para descarbonização, mas a mistura de biodiesel tende a elevar o preço do bunker. Como você avalia a viabilidade econômica da adição de biodiesel ao bunker?
Como empresa especializada no levantamento de preços de commodities, a Argus acompanha tanto o preço do biodiesel nas usinas quanto o valor do bunker nos portos. No final de agosto, fizemos um levantamento em que o valor do bunker com 500ppm de enxofre em Santos ficou em $611/t, o que corresponde a R$3.355/m³. Em comparação, o custo do biodiesel vendido a partir das usinas do estado do Rio Grande do Sul ficou em R$4.752/m³. Se for considerar um frete médio de R$280/m³ entre estas usinas e o porto, chegamos a um preço de produto entregue no porto a R$5.032/m³.
Neste nível de preço, um produto com 24% de conteúdo renovável tem um preço 12% maior em relação ao produto com conteúdo de origem 100% fóssil.
Agora, você perguntou da viabilidade econômica. Para avaliar isso, precisamos ter uma noção do preço de opções de descarbonização parecidas para os portos brasileiros, como bio-GNL, amônia renovável, metanol sintético ou hidrogênio verde ou azul. Diferente do bio-bunker, nenhum desses produtos são produzidos numa escala comercial no Brasil hoje, além de requerer algum tipo de customização dos navios.
Portanto, a comparação com alternativas de baixo carbono só será possível quando essas opções forem desenvolvidas em grande escala e comercializadas.
Quais são as projeções da Argus em relação à precificação do bunker com biodiesel no médio e longo prazo?
Na parcela fóssil, a precificação deve acompanhar as cotações internacionais, com um fator local importante que é o superávit estrutural que o Brasil tem na produção de destilados médios com alto teor de enxofre, categoria que inclui o diesel S500, o óleo combustível e o bunker.
No caso da parcela renovável, o preço vai ter uma correlação muito grande com o mercado de óleos vegetais, em particular o óleo de soja, já que a maioria do volume de biodiesel hoje é precificado com base na paridade de exportação do óleo de soja para exportação.
A Argus tem observado um aumento no interesse de grandes multinacionais por essa solução de combustível mais sustentável?
Conversamos com fornecedores de bunker, que nos disseram que têm interesse sim, mas que até o momento o prêmio do bio bunker em relação à alternativa fóssil tem desencorajado as compras.
Após a autorização da ANP para a Petrobrás misturar até 24% de biodiesel no bunker, outras empresas devem seguir esse mesmo caminho no Brasil? Poderia comentar essa tendência?
A Petrobrás criou esse precedente e abriu esse caminho, então a expectativa é de que outros participantes busquem também essa autorização, caso sintam um interesse firme de seus clientes.
Deixe seu comentário