ASSOCIAÇÕES DIVERGEM SOBRE CONTRATAÇÃO DE TÉRMICAS NA MP DA ELETROBRAS, QUE DEVE SER VOTADA HOJE
Por Davi de Souza (davi@petronoticias.com.br) –
O dia começa com todos os olhos do setor elétrico brasileiro voltados para Brasília. É de lá que pode sair uma das decisões mais importantes do segmento de energia do país nesse ano de 2021. O Senado deve colocar em votação a MP da Eletrobras, que trata do projeto de capitalização da estatal. Desde a aprovação do texto pela Câmara dos Deputados, diversas entidades do setor começaram a debater os pontos positivos e negativos da proposta. Um dos temas mais sensíveis da MP é, sem dúvida, a contratação de 6 GW em termelétricas. Hoje (16), o Petronotícias abre o noticiário ouvindo diferentes associações representativas do setor de energia do país, com considerações, elogios ou críticas ao texto que deve ser apreciado logo mais pelos senadores.
A Associação Brasileira para Desenvolvimento das Atividades Nucleares (ABDAN), por exemplo, é totalmente contra a ideia de contratação de termelétricas a gás e avalia que a medida está indo na contramão do resto do planeta – que busca diminuir o uso de fontes fósseis. A Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia (Abraceel) também se mostrou contrária às mudanças no teor na MP que foram feitas pelos deputados e pediu uma maior abertura no setor de energia elétrica. Já a Associação Brasileira das Empresas Distribuidoras de Gás Canalizado, (Abegás), abriu a divergência. A entidade acha que o Brasil só tende a ganhar com o texto aprovado na Câmara e prevê ainda uma economia com a implementação das térmicas na casa dos R$ 8 bilhões anuais. Enquanto isso, a Associação dos Grandes Consumidores Industriais de Energia (Abrace) diz que o texto original da MP feito pelo governo é muito mais positivo para o consumidor do que a versão que saiu da Câmara. Por fim, representando o setor hidrelétrico, a Associação Brasileira de Pequenas Centrais Hidrelétricas (Abrapch), defendeu o mecanismo da MP que garante a contratação desse tipo de usina e pediu que o governo priorize novamente a contratação da fonte hídrica no país.
Vamos começar essa reportagem especial com as considerações do presidente da ABDAN, Celso Cunha:
Qual sua avaliação geral sobre o que foi proposto pela MP da Eletrobras?
A medida provisória, do jeito que está, é totalmente inadequada. Ela vai trazer um aumento nas tarifas de energia elétrica para o consumidor de uma forma geral. Isso está amplamente comprovado através do Fórum das Associações do Setor Elétrico (FASE), por meio de diversos estudos que fizemos em conjunto.
Além disso, abriremos um precedente inigualável. Ao invés de, cada vez mais, realizar o planejamento do sistema elétrico, passaremos a ter um planejamento através de lei. Ou seja, algo que abre uma porteira imensa para que cada estado ou município pleiteie geração a partir das mais diferentes fontes de geração. Isto é, não vai mais existir planejamento. Isso é um precedente muito ruim e inaceitável.
Vale ressaltar que aquilo que é proposto pela MP, em termos de geração a gás, vai na contramão de todo o resto do planeta. O mundo clama pela redução de gases do efeito estufa. O Brasil precisa de geração de base, que é feita através de hidrelétricas ou térmicas. No caso das térmicas, temos óleo, carvão, gás natural e nuclear. Mas lembrando que a nuclear é a única efetivamente limpa. Em suma, eu acho muito ruim a forma com que esse processo está sendo conduzido.
Se fosse consultado, quais melhorias ou comentários ao texto da MP gostaria de sugerir aos senadores?
O primeiro ponto, sem dúvida, é que devemos voltar ao texto original [feito pelo governo]. Os jabutis colocados pelos deputados são inaceitáveis e muito pouco republicanos. Essa são as palavras que podemos usar para classificar o texto. A privatização da Eletrobras, que é algo que pode ser benéfico, está sendo transformado em algo muito ruim para o sistema elétrico. A ABDAN é totalmente contra o texto que está sendo colocado em pauta no Senado nesse momento.
Ouvimos também a opinião do diretor de estratégia e mercado da Abegás, Marcelo Mendonça:
Qual sua avaliação geral sobre o que foi proposto pela MP da Eletrobrás?
O Brasil só tem a ganhar com a aprovação da MP da Eletrobras. É um medida de longo prazo, que combina soluções com benefícios conjunturais que atendem ao interesse de todos os brasileiros. A Abegás reitera sua esperança de que os avanços promovidos pela Câmara possam ser mantidos nas próximas etapas da tramitação, o que irá garantir benefícios reais para Estados e municípios.
O texto da MP aprovado na Câmara, e que agora tramita no Senado, viabiliza a integração entre o setores elétrico e de gás natural, com a abertura de contratação de capacidade de geração a gás natural a partir de 2026, com período de suprimento de 15 anos (conforme art. 19). A implantação das térmicas a gás natural inflexíveis, ou seja, com uso contínuo (geração mínima de 70% ou em operação na base), vai requerer um investimento inicial com uma série de benefícios a médio e longo prazo. Entre eles:
1) Corte de custos – Redução das elevadas despesas com usinas térmicas a óleo e diesel, que vêm sendo sistematicamente despachadas nos últimos anos para garantia energética;
2) Mais água – Recuperação dos níveis de água dos reservatórios da hidrelétricas, aumentando significativamente a garantia do suprimento de energia elétrica;
3) Queda no PLD – Maior estabilização e queda nos preços da energia no mercado de curto prazo;
4) Alívio em sistema sobrecarregado – Diminuição da necessidade de geração hidrelétrica para suprir a demanda, com redução do GSF (fator que mede o risco hidrológico), com maior equilíbrio no mercado, e mais segurança para a expansão das novas fontes renováveis (eólica e solar fotovoltaica);
5) Segurança e qualidade de fornecimento – Aumento da segurança elétrica, ao implementar uma geração térmica próxima aos centros de consumo em regiões pouco atendidas.
Estimamos que a economia anual com a implementação da proposta possa chegar a R$ 8 bilhões anuais.
Se fosse consultado, quais melhorias ou comentários ao texto da MP gostaria de sugerir aos senadores?
Entendemos que, diante da gravidade do quadro de crise hídrica, que ameaça o suprimento de energia elétrica, o mais assertivo, agora, seja a aprovação da MP com o texto aprovado na Câmara dos Deputados. A aprovação do Senado será um grande passo para garantir segurança energética de forma sustentável para o país e possibilitar o aumento da arrecadação com a monetização do gás do pré-sal.
Chegou a vez de conhecer a opinião do presidente da Abraceel, Reginaldo Medeiros:
Qual sua avaliação geral sobre o que foi proposto pela MP da Eletrobrás?
O texto original da Medida Provisória me pareceu bastante equilibrado, porque trazia um caminho já traçado pelo Ministério [de Minas e Energia], que é a capitalização da Eletrobrás como um passo importante no sentido da reforma do setor. Lá estava previsto, por exemplo, a descotização da energia das usinas, o que é positivo para o consumidor e o setor. O texto também previa diretrizes para uso do recurso proveniente da capitalização, com uma destinação com princípios que foram discutidos com bastante antecedência por todos.
No entanto, na Câmara dos Deputados, fomos surpreendidos pela introdução de diversos dispositivos que, para além dos números, será ruim para o consumidor. Além disso, ferem princípios que norteiam o planejamento e a operação do sistema. Quando você define que a geração térmica será feita em um sítio longe do gasoduto e da carga, será preciso construir novas infraestruturas. Além disso, a construção de centrais de pequeno porte em determinadas localidades reduz a competição. O que nós defendemos é que o consumidor seja atendido pela energia mais barata, que é obtida por leilões ou mecanismos competitivos do mercado livre. Esses são pontos fundamentais que devem ser revistos pelo Senado.
A nossa visão é que o texto original que foi enviado pelo governo à Câmara dos Deputados é muito mais positivo para o consumidor do que a versão que saiu da Câmara. A aprovação do processo de capitalização da Eletrobrás será um marco do processo de reforma do modelo comercial do setor de energia.
Se fosse consultado, quais melhorias ou comentários ao texto da MP gostaria de sugerir aos senadores?
Eu retiraria as matérias que foram introduzidas na Câmara dos Deputados e também inseriria um cronograma de abertura do mercado para os próximos quatro anos, dando mais liberdade para o consumidor. Assim, iríamos impedir que prevalecesse as iniciativas que direcionam a energia elétrica para sítios e empreendimentos que nem sempre são os mais baratos.
É preciso abrir o mercado de energia elétrica e estabelecer a competição no suprimento de energia, para que o consumidor não fique dependente de projetos que são definidos pelo governo ou pelos legisladores e nem sempre são mais baratos.
O presidente da Abrace, Paulo Pedrosa, também fez suas considerações sobre o tema:
Qual sua avaliação geral sobre o que foi proposto pela MP da Eletrobrás?
Dez associações do setor elétrico e mais de 40 associações da indústria analisaram tecnicamente o texto enviado ao Senado, focando nos chamados “jabutis” embutidos na proposta original do governo. Esse cálculo foi feito no intuito de isolar os efeitos das alterações realizadas pela Câmara no Projeto de Lei de Conversão (PLV) e entender como elas impactam o setor considerando não apenas o cenário atual, mas o que pode vir a acontecer nos próximos anos.
A avaliação não combina os efeitos positivos de outros dispositivos do projeto que podem diluir e amortecer os custos adicionais com as inclusões do PLV, até porque entende que estes benefícios poderiam ser trazidos ao projeto desassociados deles. E foi a partir dessa avaliação que chegamos à conclusão de que as mudanças propostas aumentam os custos da energia, além de comprometer a governança, tornar menos relevantes pilares importantes do setor elétrico, como o planejamento e a regulação e aumentar a insegurança no seu ambiente de investimentos.
As alterações do PLV com as reservas de mercado introduzidas interferem diretamente na competição e na transparência, que deveriam ser as bases para a modernização do setor.
Se fosse consultado, quais melhorias ou comentários ao texto da MP gostaria de sugerir aos senadores?
O melhor para a sociedade brasileira, os consumidores e o setor industrial é retirar, no Senado, os jabutis e votar o texto original enviado pelo governo à Câmara.
O presidente da ABRAPCH, Paulo Arbex, nos trará agora a visão do setor de geradores de energia hidrelétrica:
Qual sua avaliação geral sobre o que foi proposto pela MP da Eletrobrás?
Em primeiro lugar, sobre a contratação de térmicas, temos um volume total de 37 mil MW de térmicas no Brasil, incluindo as fósseis, nuclear e biomassa. A nossa carga está na faixa entre 70 mil e 75 mil MW. Se as térmicas, efetivamente, têm uma disponibilidade de 97%, essas plantas que temos hoje poderiam atender metade da nossa demanda. O problema é que o seu custo é proibitivo.
As hidrelétricas ainda estão carregando o piano. Até segunda-feira (14), com toda a seca, as hidrelétricas entregaram 71,1% de todos os MWs consumidos no Brasil. Todas as outras fontes juntas entregaram 28,9% do total da carga. Então, mais do que crise hídrica, o Brasil parou de fazer reservatórios no final da década de 90, sem que houvesse nenhuma lei para isso. Simplesmente, houve uma demonização descabida e sem justificativa dos reservatórios. Isso é uma maluquice. Água é vida, saúde e dignidade humana.
Só as hidrelétricas resolvem essa situação. Essa fonte tem 60% da capacidade instalada da matriz e está entregando 71% da carga em um ano extremamente seco. Isso vem ocorrendo há mais de 20 anos. Precisamos repensar essa redução da participação das hidrelétricas no setor elétrico brasileiro. Isso foi um erro monumental. Precisamos repensar essa demonização dos reservatórios. A nossa disponibilidade hídrica é o nosso diferencial. O Brasil tem 12% da água superficial do planeta e está passando por falta d’água. É inconcebível isso.
Se fosse consultado, quais melhorias ou comentários ao texto da MP gostaria de sugerir aos senadores?
A energia limpa, barata e renovável das hidrelétricas que será retirada do mercado cativo e dividida pelo mercado livre é algo injusto com o pequeno consumidor do ambiente regulado. Hoje, o mercado regulado paga, sozinho, os R$ 10 bilhões fixos por ano que as termelétricas cobram para ficarem disponíveis. Já o mercado livre, que deveria repassar R$ 3,5 bilhões por ano, há 23 anos não paga nada. Não é justo passar a energia barata das hidrelétricas da Eletrobrás do mercado regulado para o livre. Isso poderia ser melhorado.
A contratação dos 6 mil MW de térmicas não é necessária. Temos dúvidas também se a localização dessas plantas está correta. O Brasil já contratou térmicas suficientes para substituir as usinas mais caras. Ainda assim, a hidrelétrica é mais barata. A térmica mais barata do país é mais cara do que as PCHs e CGHs. O Brasil já tem 37 mil MW de termelétricas. Se elas têm 97% de disponibilidade, como alegam, não é necessário contratar mais essas usinas.
Já a contratação de 2 mil MW de CGHs é absolutamente justa e favorável para o consumidor. Elas serão contratadas através de leilões, sendo negociada por volta de R$ 280/MWh. É uma fonte que não tem intermitência e inconstância de outras fontes. O custo real dessas usinas é muito menor, porque não demanda nenhum investimento adicional.
A contratação de PCH e CGH, desde 2005, foi de 2,2% do total. Ou seja, a contratação prevista na MP irá corrigir um erro histórico. O país está há 30 anos contratando térmicas caras a R$ 800 ou R$ 1600 e não pode contratar PCH a R$ 280? Qual a lógica disso?
A soma de todos os reservatórios do Brasil corresponde a 0,38% do território nacional, incluindo as grandes usinas. Elas correspondem a 71% da necessidade de energia do Brasil. No passado, esse índice chegou a 95%. A coisa é óbvia, só não enxerga quem não quer.
Com relação a renovação do Proinfa, a Abrapch não fez essa reivindicação. Isso não é necessário. Só beneficia usinas que já tiveram uma tarifa muito acima do mercado – eólicas, principalmente. Dependendo da tarifa que for renovada, ainda assim é válido. A MP, nesse sentido, reduz bem a tarifa de renovação do Proinfa.
Portanto, a Abrapch defende o mecanismo previsto na MP que defende a contratação de PCHs e CGHs e pede também que o país pense em um programa visando a contratação da geração hidrelétrica.
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