BRASIL BUSCA LIÇÕES DA NORUEGA PARA IMPLANTAR BOAS PRÁTICAS NO ACESSO DE TERCEIROS A INFRAESTRUTURAS DE GÁS NATURAL
O Brasil tem buscado no exterior algumas das lições aprendidas por outros países quando o assunto é a regulação do mercado de gás natural. Na esteira desse movimento, a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) publicou nesta semana uma nota técnica sobre a regulação de gás natural na Noruega e sua aplicação no Brasil. O documento (disponível aqui), produzido com coordenação da diretora de petróleo, gás e biocombustíveis da EPE, Heloisa Borges, apresenta o modelo regulatório norueguês de acesso de terceiros a infraestruturas de escoamento e processamento, sendo a promoção do acesso um dos mecanismos importantes para a criação de um mercado competitivo de gás natural. A EPE lembra que a Noruega se destaca em função de diversos fatores, principalmente sua semelhança com o Brasil no que diz respeito ao ambiente exploratório de produção de gás natural. Os ambientes de produção na Noruega e no Brasil são predominantemente offshore, com participação de 100% e 86% da produção, respectivamente. Além disso, ambos os países necessitam de uma extensa malha de gasodutos para escoamento do gás natural produzido até o continente.
O setor de óleo e gás natural é o de maior importância para a balança comercial da Noruega uma vez que, em 2022, 73% do valor total de exportação de bens foi oriundo desse setor. Nesse ano, o valor das exportações de gás natural superou o das exportações de óleo, com cerca de 98% da sua produção de 339 milhões de m³/d sendo exportada. Vale ressaltar que, ainda em 2022, o país se tornou o principal exportador de gás natural por gasoduto para a UE, através de um acordo entre Noruega e Alemanha, avaliado em US$ 55 milhões. “Uma vez que a Noruega abastece aproximadamente um quarto da demanda europeia de gás, através de gasodutos offshore, de maneira eficiente e estruturada, sem deixar de promover a redução da emissão dos gases de efeito estufa, sua estrutura organizacional e modelo regulatório são importantes fontes de lições para a realidade do setor de gás natural, mais especificamente no que se refere ao acesso de terceiros”, aponta a EPE.
O relatório da EPE ressalta que a Noruega possui uma estrutura regulatória madura no que se refere à garantia de acesso de terceiros ao seu Sistema Integrado de Escoamento e Processamento (SIEP). Como lições trazidas para a realidade brasileira, destacam-se: publicação periódica das capacidades disponíveis nas infraestruturas de escoamento e processamento em plataformas eletrônicas; o funcionamento do mercado norueguês apresenta características de acesso regulado, no caso do mercado primário, e características de acesso negociado, no caso do mercado secundário. No último caso, os órgãos de regulação possuem poder para coibir a aplicação de preços abusivos; extinção de oligopólio que impedia o acesso de terceiros através da prática de preços abusivos e aplicação de termos contratuais desiguais; entre outras.
A nota mostra também um novo enfoque sobre a importância da atividade de operação de infraestruturas na Noruega, executada de maneira independente pela estatal Gassco. Foi criada em 2001 para ser o operador independente do SIEP norueguês, considerado monopólio natural pelo governo do país. No desenvolvimento do Sistema, o operador independente seria responsável pelo planejamento, pela construção e pelo comissionamento da nova infraestrutura, no entanto, ele não seria o detentor dos ativos. O proprietário seria responsável por financiar os investimentos definidos pelo operador.
“O Brasil vive uma situação similar àquela vivida pela Noruega na década de 90, no que refere à existência de uma grande empresa produtora de gás natural e, ao mesmo tempo, proprietária e operadora da maior parte da infraestrutura de escoamento e das plantas de processamento (no caso brasileiro, essa empresa é a Petrobrás, e no Norueguês, a Equinor). A grande diferença entre os dois casos é o destino dado ao gás escoado – enquanto no Brasil a totalidade do gás produzido é consumido internamente ou reinjetado, na Noruega a maior parte do gás é exportado para o Reino Unido e a União Europeia, com pouca relevância para o consumo nacional”, explicou a EPE.
Na Noruega, o desenvolvimento da regulamentação do acesso às instalações de escoamento e processamento de gás natural partiu da premissa de que essas infraestruturas são consideradas monopólios naturais. Sendo assim, essas normas previram a aplicação de tarifas reguladas para escoamento e processamento, extinção da preferência de capacidade aos proprietários e criação da figura do operador independente para administração das capacidades e expansão da infraestrutura.
Por fim, a EPE aponta que a principal diferença entre o arcabouço regulatório brasileiro e norueguês seria o fato de o modelo brasileiro de acesso a infraestruturas de escoamento e processamento ser negociado e o norueguês ser acesso regulado.
“É importante frisar que, para as condições de acesso negociado, alguns dos papeis da Agência Reguladora são arbitrar conflitos quando não há consenso entre as partes interessadas; garantir que as remunerações de acesso sejam valores que remunerem o investimento de forma justa, mas que não inviabilize o acesso de terceiros, e garantir que o acesso seja realizado de forma não discriminatória e transparente. No caso do acesso regulado, a Agência Reguladora deve monitorar e fiscalizar as partes interessadas para que as normas previstas em regulamentação sejam cumpridas, levando-se em consideração que as tarifas e condições contratuais são publicadas segundo regras predefinidas, o que evita a cobrança de taxas abusivas que visam impedir o acesso competitivo”, finaliza o estudo.
Deixe seu comentário