BRASIL DEVE USAR A ESCOLHA DE NOVOS SÍTIOS NUCLEARES PARA DESENVOLVIMENTO REGIONAL, AFIRMA PRESIDENTE DA ABEN
Por Davi de Souza (davi@petronoticias.com.br) –
A escolha de sítios nucleares é uma pauta que vem ganhando força e espaço nos debates desse setor em 2021. Como o Plano Nacional de Energia (PNE) 2050 prevê a instalação de um volume entre 8 GW e 10 GW de nova geração nuclear ao longo dos próximos 30 anos, a indústria vê a necessidade de uma definição célere sobre os futuros sítios – como foi destacado recentemente durante o evento Nuclear Trade Technolgy & Exchange (NT2E). Só assim será possível atingir a meta que foi indicada pelo PNE, tendo em vista que a construção de plantas nucleares exige um prazo de cerca de 10 anos. Para conversar sobre o tema, o nosso entrevistado desta segunda-feira (9) será o presidente da Associação Brasileira de Energia Nuclear (ABEN), Carlos Mariz. Ele destacou que a definição de novos sítios nucleares no Brasil pode ser usada como um programa de desenvolvimento socioeconômico em regiões mais carentes do país. Mariz lembrou do município de Itacuruba (PE), que já foi apontado no passado como um possível destino de uma nova central nuclear brasileira. “Itacuruba é uma região extremamente carente. Ali quase não existem oportunidades. Então, seria um empreendimento que agregaria, sem sombra de dúvida, uma atividade que seria fundamental para o engajamento das populações”, analisou o presidente da ABEN. Mariz, que também é membro do Conselho Curador da Associação Brasileira para Desenvolvimento das Atividades Nucleares (ABDAN), frisou ainda que muitas das informações dos estudos já existentes sobre novos sítios ainda são válidas, sendo apenas necessária a atualização de alguns dados e metodologias. Por fim, ele contou ainda que ABEN está agora se concentrando na realização da conferência INAC 2021, que será realizada no final de novembro e terá como tema “Energia Nuclear: menos impacto de carbono e mais qualidade de vida”.
Para começar, gostaria de ouvi-lo sobre a importância de o Brasil discutir nesse momento a retomada das escolhas de novos sítios nucleares.
No final do ano passado foi aprovado o PNE 2050, que é o plano estratégico do setor energético do Brasil. Nele, foi colocada uma indicação de 8 GW a 10 GW de novas usinas nucleares no Brasil até o ano de 2050. Quando você faz uma análise desse número, imaginando que cada usina terá entre 1 GW e 1,2 GW de potência, isso representaria algo em torno de 6 a 10 usinas. De certa forma, estamos bastante apertados em relação ao tempo. Para atingir essa meta, temos que imaginar que uma usina leva cerca de 10 anos para entrar em operação. Teremos um espaço pequeno para atingir a meta de 8 GW a 10 GW. Para já termos usinas em operação em 2031 ou 2032, precisamos ter novos sítios nucleares disponíveis. É uma questão fundamental.
O Brasil já fez, há 10 anos, um estudo que gerou o atlas dos sítios nucleares brasileiros. Ao todo, 40 sítios foram detectados inicialmente. Depois, as possibilidades ficaram concentradas entre seis e oito sítios, dos quais alguns no Nordeste e outros no Sudeste.
Sem sítios, não teremos programa nuclear. O Ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, que é um grande conhecedor do tema, está incentivando o início desses estudos. É urgente que o Brasil defina esses sítios mais especificamente. Nós já temos alguns sítios já estudados, mas que estão em um nível que precisa ser aprofundado.
As informações e dados gerados nos estudos anteriores poderão ser reaproveitadas, dando assim mais agilidade ao processo de escolha de sítios?
Esses estudos anteriores estão perfeitamente atualizados. As características desses sítios, como disponibilidade de água e estabilidade tectônica, não mudam com o tempo. Claro que algumas variáveis socioambientais podem mudar. Isso seria detectado durante a etapa de detalhamento. Mas, de modo geral, os dados de engenharia já estão lá. A metodologia do EPRI [Electric Power Research Institute] que foi usada no passado pode evoluir um pouco mais e exigir, talvez, alguns dados a mais.
Muitos desses sítios já mapeados possuem recursos com folga. Quando estudamos esses locais, ficou pré-definido que o sítio teria que comportar seis usinas nucleares, o que demandaria uma quantidade de água específica. Para isso, você teria que estar situado próximo a mananciais de água que pudessem suportar essa demanda.
Essas e outras informações foram levantadas na época. Depois desse trabalho de escritório, com base no banco de dados disponível, partimos para uma visita de inspeção local, de modo a confirmar as informações. Por exemplo, no caso do sítio de Itacuruba, as equipes da Coppe/UFRJ e da Eletronuclear tiveram uma surpresa agradável. Uma série de dados foi confirmada durante a inspeção do sítio. Encontramos algo bem melhor do que estávamos esperando. Como eu disse, muitos sítios apontados possuem abundância de requisitos – solo, água, topografia, entre outros. Tudo isso facilita para que a escolha do sítio seja feita com segurança.
Quais os sítios deveriam ser priorizados?
Vou fazer uma analogia com as usinas hidrelétricas, embora que esse exemplo não se aplique totalmente ao caso das usinas nucleares. Então, falando de hidrelétricas, normalmente você faz um grande estudo inicial em determinada região – isso inclusive já foi feito no Brasil. Depois, são realizados estudos de detalhes, que indicam os locais onde poderiam ser construídas usinas hidrelétricas. Em uma fase seguinte, será necessário fazer estudos mais aprofundados. Analogamente, eu acho que deveríamos ter coisa parecida na questão nuclear. Isto é, o Brasil deveria ter alguns sítios disponíveis para plantas nucleares por regiões. É claro que um sítio como o de Itacuruba, depois de todas as avaliações já feitas, tem uma boa chance de dar certo. Como temos pressa, acho que devemos priorizar aqueles sítios onde há a certeza de que vão dar certo.
Durante a Nuclear Trade & Technology Exchange (NT2E), especialistas do exterior destacaram a importância dos projetos nucleares como forma de desenvolvimento econômico regional. Ao seu ver, esse deveria ser um aspecto a ser levado em conta aqui em nosso país?
Eu achei bem interessante esse enfoque. Eu acompanhei essa mesa redonda da NT2E. A diretora sênior da EPRI, Tina Taylor, e o presidente da Rosatom na América Latina, Ivan Dybov, falaram sobre isso. Alguns países dão um peso muito grande ao desenvolvimento socioeconômico. Um sítio nuclear construído em determinada região promove o desenvolvimento regional. Existem experiências nesse sentido nos EUA e em outros países.
Você imagine em uma região como a do Sertão de Pernambuco… Itacuruba é uma região extremamente carente. Ali quase não existem oportunidades. Então, seria um empreendimento que iria agregar, sem sombra de dúvida, uma atividade que seria fundamental para o engajamento das populações.
Além do desenvolvimento socioeconômico, você teria também a questão do desenvolvimento de recursos humanos. Isso é muito importante. Com certeza, um projeto em uma região como essa irá trazer um grande desenvolvimento regional socioeconômico, como disseram a representante do EPRI e o presidente da Rosatom durante a NT2E. Até mesmo o governo federal do Brasil, dentro dessa linha de escolha de sítios, pode pensar em um programa de desenvolvimento, além da produção de energia.
Por fim, poderia falar brevemente também sobre os próximos planos e projetos da ABEN?
Estamos em plena atividade para a realização do INAC 2021, que será realizado do dia 29 de novembro a 2 de dezembro. Estamos a pleno vapor. Vamos fazer um grande evento, considerado o maior da América Latina por conta de sua abrangência – que vai desde a física de reatores até às aplicações nucleares. O tema do evento deste ano será muito atual: “Energia Nuclear: menos impacto de carbono e mais qualidade de vida”. O evento também já tem seu site oficial. A ABEN está concentrada no INAC 2021, que sempre tem muitos trabalhos publicados.
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