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CONTEÚDO LOCAL AVANÇA, MAS AINDA É UM DESAFIO PARA A INDÚSTRIA BRASILEIRA

Por Daniel Fraiha (daniel@petronoticias.com.br) – 

Graça Foster, presidente da Petrobrás.

Graça Foster, presidente da Petrobrás.

A política de conteúdo local é alvo de debates no Brasil desde a sua criação, com defensores e críticos, mas o fato é que gerou muitos negócios e muitos investimentos para a indústria brasileira. Em geral, a visão é de que a lei é positiva para as empresas nacionais e para o desenvolvimento industrial do país, mas quando se trata do caminho que estamos trilhando neste rumo, as divergências aparecem com mais clareza. Depois que o presidente da Abenav, Augusto Mendonça, disse, em entrevista ao Petronotícias, que o desafio de atender aos índices de conteúdo local estava superado, fomos procurados por empresários do setor questionando a afirmação, e resolvemos ouvir outras vozes sobre o tema.

Para a ANP e as entidades de classe que fornecem bens e serviços, o quadro é de que houve avanços, mas ainda há um longo caminho pela frente. Outros, em nome dos estaleiros, seguem numa linha mais próxima de Mendonça, de que os índices já são atendidos sem problemas maiores e que o novo foco é a competitividade.

A conversão dos cascos das plataformas no exterior é um fato que também tem entrado no meio da discussão. Os estaleiros apontam que é um serviço com baixo valor agregado e que representa no máximo 20% do preço total de uma unidade, além de atentarem para a escassez de diques secos no Brasil para a realização da atividade. No entanto, fontes do mercado offshore alegam que a conversão é sim uma parte relevante do processo. Nas contas de um alto executivo do setor, os preços de FPSOs variam de US$ 1 bilhão a US$ 2 bilhões, sendo que o casco fica entre US$ 300 milhões e US$ 400 milhões, o que leva a um mínimo de 15% e máximo de 40% do total da plataforma. “Se você tira isso tudo de uma vez e tem que atingir 65% de conteúdo local no total, o resto terá que ser feito com um percentual muito alto, o que complica bastante”, afirma a fonte, que pediu para não ser identificada.

Além disso, outro ponto questionado é sobre os detalhes de exigência de conteúdo local. Apesar de haver um percentual sobre o total, a análise é muito mais milimétrica, com taxas diferentes para cada família de itens e subitens, como para válvulas, vasos de pressão, separadores, entre outros equipamentos. Desta maneira, apontar o desafio como superado, para alguns executivos, seria uma maneira “muito simplista” de ver o panorama geral.

A questão, no entanto, vai muito além disso. A relação das empresas com a Petrobrás vem se deteriorando bastante desde que as ordens mudaram dentro da petroleira. Quando entrou, em 2012, a presidente Graça Foster quis transformar a imagem da estatal e a forma de lidar com suas contratadas. A aprovação de aditivos e claims nos contratos passou a ser uma via crúcis interminável, baseada na ideia de que os “extras” não eram devidos e de que os contratos deviam seguir sempre os valores de base. De um lado, ela tinha razão, mas de outro, a responsabilidade por parte dos acréscimos era e é muitas vezes fruto de problemas nos projetos básicos. Na tentativa de fortalecer a Petrobrás como uma empresa ética e sem corrupção, a nova postura inflexível acabou fragilizando significativamente a engenharia nacional. Na luta contra a gigante estatal, caso continue assim o relacionamento, restarão apenas algumas empresas, dentre as que tiverem mais musculatura e estrutura para aguentar a queda de braço. Pelo caminho, vão ficando os cacos. Empresas tradicionais, como Jaraguá, Multitek, Galvão, TKK, Alusa, GDK, Tenace, Conduto, Ecman, Iesa, Fidens, entre outras, tentam se equilibrar com o baque, algumas acabando em recuperação judicial. Essas fazem parte do topo de uma longa lista e mesmo para elas o futuro é incerto.

A relativização do atendimento aos índices de conteúdo local já é uma consequência disso. Ancorada nessa luta de extremos, a Petrobrás considera que a indústria nacional não tem capacidade para atendê-la como o exigido. O caso dos FPSOs de Tartaruga Verde, que o Petronotícias revelou em abril, é um exemplo disso. Mesmo com a tabela de cobranças da ANP apontando percentuais específicos de conteúdo local, a estatal criou uma tabela própria, com taxas diferentes das previstas em contrato, de acordo com seu bem entender. A ANP já alertou que irá fiscalizar com rigor e multará de forma pesada quem não cumprir com o acordado, mas até agora a posição da estatal parece ser a mesma. Num cenário de complexidade extrema, com peso político de um lado, exigências de acionistas de outro e toda a indústria numa terceira via, a truculência não será a melhor saída. Se assim for, o conteúdo local corre o risco de virar mais um caco despedaçado no meio do caminho.

Para saber em que passo está esse quadro e traçar um panorama geral da situação, o Petronotícias ouviu algumas opiniões sobre o avanço da indústria nacional e sobre os desafios que ainda existem pela frente em relação ao estabelecimento do conteúdo local. Veja a seguir:

Marco Túlio Rodrigues – Coordenador de Conteúdo Local da ANP

Marco Tulio Rodrigues, coordenador de conteúdo local da ANP.

Marco Tulio Rodrigues, coordenador de conteúdo local da ANP.

“Não há duvida de que desafios existem. Você não recupera uma plataforma industrial de uma hora para outra. Mas o que temos visto são avanços importantes e respostas importantes por parte da base produtiva. Toda estrutura produtiva tem suas peculiaridades, seus movimentos, e isso exige certa paciência para que o processo ocorra. Não tenho dúvidas de que ainda existem desafios, mas se não tivéssemos uma política como essa, não teríamos uma linha, um drive, que pautasse essa direção.

A indústria, na medida do possível, vai se adequando e se aperfeiçoando. Naturalmente, tem grupos e empresas mais competitivas, que adotam práticas internacionais, e outras que ainda não entenderam o espectro. É um processo natural.

Nos estaleiros, a mão de obra menos qualificada está indo bem, mas nos patamares de mais exigência há dificuldade. Vamos receber 29 sondas, assim como muitos FPSOs e barcos de apoio, que vão gerar uma demanda monstruosa por mão de obra qualificada. E a política de conteúdo local está de olho. Muitas vezes, apenas a operação é suficiente para cumprir os índices de conteúdo local, mas muitas vezes nem a operação nós temos.

Em relação à engenharia básica, é um fato que trabalhamos muito com projetos não desenvolvidos aqui, e assim as especificações não contemplam fornecedores locais. Já existem estudos voltados a isso, mas vemos também agentes do setor fazendo esforços para treinar engenheiros fora para que tenhamos essa estrutura de engenharia localmente.

Apesar dos desafios, considero que avançamos muito. Temos aí um conjunto de estaleiros importantes, que estão produzindo, mão de obra sendo qualificada, gente sendo treinada em várias partes do mundo, trazemos estrangeiros para cá, temos entregas de navios e sondas com percentuais altos de conteúdo local, como as da Sete Brasil, que vão começar com 55% e chegar a 65%.

Então nós vemos os avanços. Se você vai para offshore, vê empresas de equipamentos subsea com percentuais altos. É animador ver isso. Até algumas empresas exportando, utilizando a ociosidade industrial para exportar, com competitividade internacional, mas é claro que é um processo. Isso não se constrói de um dia pro outro.

Na medida em que a política assume uma posição decisiva na dinâmica produtiva, que já é conhecida como elemento real, ela começa a repercutir nas decisões empresariais de todos os elos da cadeia. Hoje as empresas têm uma equipe ou pelo menos um responsável pelo conteúdo local. É o reconhecimento de que a política existe e veio pra ficar.

Existem as multas, mas elas são um elemento pedagógico. No trânsito tem multa, na receita federal também. E vai continuar ocorrendo, para mostrar direções. Tem sempre alguns que insistem em testar o sistema. Mas claro que a gente também percebe que nessa fase de transição houve uma certa descrença e até um certo ceticismo de que a política iria em frente. Isso vai gerar um conjunto de penalidades pesadas. As operadoras têm transferido muitos desses compromissos para a indústria, mas, mesmo com os desafios ainda existentes, estou muito animado e convicto que o nosso país tomou o caminho correto”.

Antonio Müller – Presidente da Associação Brasileira de Engenharia e Montagem Industrial (Abemi)

Antonio Müller, presidente da Abemi.

“Na visão da Abemi, o desafio não foi superado. Tem muita coisa a fazer ainda. A nossa posição é ter conteúdo local estratégico, que crie mercado e sustentabilidade. Ainda não está totalmente resolvido. O grande desafio é realmente ter um conteúdo local focado e estratégico, e definir o que nós queremos estrategicamente. Ficar mais preocupado com coisas que agreguem valor à indústria. As operadoras estão todas preocupadas, porque está muito difícil atender ao conteúdo local.

Se analisarmos a área de engenharia, por exemplo, os recursos humanos estão sendo reduzidos. Engenharia para plataformas no Brasil caiu tremendamente. Muito pouco disso está sendo feito aqui. Muito mais deveria estar sendo feito, até porque a engenharia básica poderia agregar muita coisa em termos estratégicos”.

Fernando Barbosa – Diretor Executivo do Estaleiro Enseada do Paraguaçu

Fernando Barbosa, Diretor Executivo do Estaleiro Enseada do Paraguaçu.

“Tem muitos desafios sim. É uma questão complexa. Algumas coisas têm que ser definidas e melhor estruturadas. Precisa haver uma discussão maior sobre equipamentos que não têm escala para serem fabricados aqui, por exemplo. Não adianta exigir conteúdo local de um equipamento que não tem escala de produção.

Tem sempre alguns ajustes a fazer. E a competitividade, claro, é um desafio muito grande, porque nos últimos anos houve uma perda de produtividade. Para sermos competitivos, temos desafios na indústria que ainda precisam ser superados.

O grande desafio que a gente tem é que precisamos ter uma visualização, por parte dos clientes, principalmente da Petrobrás, de como os investimentos serão feitos e como o mercado vai ser chamado para atender a isso. Nosso estaleiro é um investimento altíssimo, que não se paga em um ou dois projetos. E estamos atacando fortemente a questão da produtividade, com nosso sócio japonês, a Kawasaki, que está transferindo as tecnologias mais modernas. Mas ainda tem um caminho a ser seguido.

As plataformas não estão sendo feitas fora. Apenas parte delas. No nosso caso, mais especificamente, para diminuir os riscos inerentes a começar a construir o navio simultaneamente à construção do estaleiro. Então estamos atuando em duas frentes. Algumas coisas começando fora e outras em São Roque, onde já foram feitas várias plataformas. Os índices de conteúdo local estão no contrato, então todos serão atendidos, assim como os cronogramas”.

Alberto Machado – Diretor de Petróleo e Gás da Associação Brasileira de Máquinas e Equipamentos (Abimaq)

Alberto Machado, Diretor de Petróleo e Gás da Abimaq.

Alberto Machado, Diretor de Petróleo e Gás da Abimaq.

“Para os estaleiros, pode se dizer que não é um desafio atender aos índices percentuais, mas na hora que entra no detalhe do conteúdo local, não está atendido ainda. Temos problemas de competitividade, então as indústrias de navipeças não tem conseguido vender para os estaleiros. A navipeças representa pouco, menos da metade do custo da embarcação, então, do ponto de vista do estaleiro, o índice é cumprido, mas tem muitos equipamentos que poderiam ser comprados aqui, mas não são, porque não são competitivos, não têm escala, ou não têm preço”.

Paulo Massa – Diretor da Empresa Brasileira de Engenharia (EBE)

Paulo Massa, diretor da EBE.

Paulo Massa, diretor da EBE.

“Estamos numa fase da curva de aprendizado. O Brasil voltou a fazer recentemente esses projetos. A EBE, por exemplo, está no terceiro projeto seguido, e é visível a melhora a cada projeto. Não é muito ao mar nem muito à terra. A indústria tem muito o que melhorar ainda, mas já avançamos. Tem serviços no Brasil que levam 12 meses, enquanto na China se faz em seis meses, mas a questão é ir evoluindo e aprendendo com os erros. Esse é um trabalho que a própria Petrobrás tem feito, mostrando entre as empresas o que uma tem feito bem, o que outra fez melhor, e divulgando as experiências e as boas práticas entre todas.

Tem muito a desenvolver ainda e muito a melhorar, mas acho que as empresas estão empenhadas nisso. A necessidade faz isso. Por mais que a concorrência com o exterior ainda seja complicada, por questões daqui, como a legislação de segurança e meio ambiente, a carga tributária, as discussões com os sindicatos, que impactam muito o dia a dia, é preciso ter repetição, investimento em melhorias de equipamentos, tecnologias, para que essa evolução continue sendo positiva.

E ela está acontecendo, mas precisa ter uma continuidade. Estamos muito aquém do que podemos estar e devemos estar, em comparação à concorrência do exterior. Principalmente da Ásia. O prazo que eles fazem e o custo que eles têm mostram que as empresas brasileiras, em geral, os trabalhadores, os sindicatos, todos precisam se unir, chegar a um meio termo, para levar essa evolução adiante. A produtividade é uma questão fundamental e essa sintonização entre todas as partes pode melhorar bastante o quadro”.

Aldo Henrique Botelho – Diretor de Engenharia do Grupo Synergy (Estaleiro Mauá e Estaleiro Ilha)

“No que se refere a estaleiro, já estamos atendendo ao conteúdo local na construção de plataformas e FPSOs há anos. Em 2000, mesmo antes da política, a gente já chegou a uns 50%. A P-50, fizemos com quase 60%. A P-54, também nessa faixa. Em construção de plataformas, a gente atende isso. Na fase de exploração e produção, o desafio é maior, mas os estaleiros não se envolvem nessa parte.

Em relação à competitividade, o Brasil ainda não chega nem perto do pessoal de Cingapura e da Coreia, porque nosso custo é muito alto. Os encargos sociais são enormes, tem muita intervenção sindical, então a produtividade também cai muito, com muitas greves. Todos os estaleiros, não só o Mauá, mas também Atlântico Sul, Paraguaçu, Brasfels, têm um nível parecido de produtividade. Tanto que quando teve concorrência de FPSOs os preços estavam quase todos iguais. Todo mundo sabe fazer preço para o mercado nacional, mas não chega perto ainda do preço internacional. Isso não é de hoje.

A gente não atinge 90% de conteúdo local, porque há também grandes equipamentos que não são fabricados aqui. Mas em engenharia e construção, o Brasil é extremamente capaz.

Todas as plataformas feitas no Brasil são para a Petrobrás e os projetos básicos são feitos no Cenpes. Todas as empresas tem que ter pessoal para checar a engenharia básica. Estou falando de topside. Casco a gente tem comprado convertido, porque não tinham grandes diques secos aqui. Nós fizemos conversão do casco em Cingapura porque não tinha dique seco, mas estamos começando a ter isso. Existem empresas nacionais que fazem a engenharia aqui. Os projetos de conversão que fizemos das unidades P-43, P-48, P-50 e P-54, foram feitos no Brasil, só a conversão que foi feita lá fora. Esses são FPSOs. Também tivemos P-36, P-37 e P-40 com o projeto naval feito aqui. Para a plataforma fixa de Mexilhão, que ficou pronta em 2010, o projeto foi todo nacional, sendo o projeto básico do Cenpes.

Então, em termos de projeto básico, detalhamento e conteúdo local, todos os estaleiros brasileiros têm atingido e capacidade de fazer. Agora, competitividade com o exterior é outra história”.

Após a publicação desta reportagem, o presidente da Abenav, Augusto Mendonça, entrou em contato com o Petronotícias e pediu para esclarecer alguns pontos do que havia dito. Segue abaixo a nota enviada:

“O casco convertido representa 20% do valor total da Plataforma. A parte que é crítica para o Brasil por conta da falta de diques secos é, principalmente, a troca de chapas do fundo, e isso representa de 10% a 15% do valor da conversão, ou seja, 10% dos 20% que a conversão representa no valor total de uma plataforma. Então representa tão somente 2% do valor da plataforma. De fato, muito pouco.

Outra observação é que não podemos tratar os setores de construção de navios, embarcações de apoio e construção de plataformas de produção e de perfuração da mesma maneira. Quando falamos de atingimento de índices de conteúdo local, falamos de modo geral, pois acontece na construção de diversas plataformas de produção e em uma série de embarcações de apoio, porém precisa ficar claro que para se atingir esses itens não estamos conseguindo fazer com competitividade, pois alguns materiais e equipamentos que são produzidos no Brasil e necessários para se atingir os índices de Conteúdo Local, custam mais caro que no mercado internacional, fazendo com que se perca competitividade em relação a outros mercados”.

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