CRESCE A PROCURA POR ENGENHARIA NUCLEAR NA UFRJ E RETOMADA DE ANGRA 3 DARÁ MAIS VISIBILIDADE AO CURSO
Por Davi de Souza (davi@petronoticias.com.br) –
Com pouco mais de dez anos de existência, o curso de Engenharia Nuclear da Escola Politécnica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) viu a procura por suas vagas crescer ao longo da última década. A primeira turma começou com 22 estudantes. Agora, a quantidade de vagas disponibilizadas é duas vezes maior. Com a perspectiva de retomada das obras de Angra 3, o projeto de construção do primeiro Submarino Nuclear Brasileiro e até mesmo a indicação de novas usinas no Plano Nacional de Energia (PNE) 2050, a projeção é que a visibilidade da disciplina deve crescer. É o que prevê a coordenadora do curso de Engenharia Nuclear na UFRJ, Andressa Nicolau. A pesquisadora afirma que boa parte dos estudantes que se formaram conseguiram ocupação, sendo a maior parte absorvida pela Marinha. No entanto, ela faz uma ressalva de que a falta de concursos públicos no setor limita a criação de novos postos de trabalho para os alunos formados. Andressa também contou que as atividades de pesquisa e extensão da unidade não foram paralisadas durante a pandemia e que as aulas da graduação devem recomeçar, de forma remota, até o mês de agosto.
O curso de engenharia nuclear da UFRJ completou 10 anos desde o início de sua primeira turma, em março de 2010. Poderia nos fazer um balanço sobre os números/resultados obtidos até aqui?
O curso teve a aprovação de sua criação em agosto de 2009 e a primeira turma começou em março de 2010. Naquele ano, tivemos a entrada de 22 alunos, com a permanência de 20 deles. Desde então, a procura pelo curso foi só crescendo. Em 2019, tivemos 46 alunos ingressantes.
Neste ano, foram 36 novos alunos de um total de 44 vagas oferecidas. Esperamos que as demais vagas sejam preenchidas em breve, já que houve a paralisação das chamadas por causa da pandemia. Mas acreditamos que assim que tudo voltar ao normal, a lista de chamada andará e conseguiremos preencher todas as vagas.
Hoje, temos 142 alunos ativos, entre calouros e formandos.
Como tem sido a colocação dos formandos no mercado de trabalho?
Ainda temos poucos formandos – são 52 no total até agora. A absorção maior dos nossos alunos tem sido na Marinha. Seja como Oficial, onde estão 13% dos nossos alunos na área nuclear ou para a Amazul, onde estão 25% dos alunos. A Amazul é uma estatal brasileira criada com o objetivo de promover, desenvolver, transferir e manter tecnologias sensíveis às atividades do Programa Nuclear da Marinha (PNM) e do Programa de Desenvolvimento de Submarinos (PROSUB).
Outra parcela dos alunos está na linha de pesquisa. A área nuclear tem essa vantagem de poder proporcionar a atuação em pesquisa e existe bastante mercado para isso. E temos ainda dois alunos atuando na Westinghouse, uma aluna na NASA e outros em bancos de investimentos.
Uma preocupação do setor nuclear é o envelhecimento dos seus profissionais. Gostaria que falasse um pouco com tem sido a transferência de conhecimento e como o curso colabora com esse processo.
Essa é uma preocupação do setor nuclear, ao meu ver, em relação às nossas empresas, pois alguns setores [destas companhias] praticamente acabaram quando ocorreu a última aposentadoria voluntária. Não houve transferência de conhecimento porque não houve concurso.
Em relação ao nosso curso, ele é diferenciado pois é oriundo do curso de engenharia nuclear da COPPE, que atua desde 1968. Temos muita sorte pois mais da metade dos professores que atuam na graduação são professores titulares da COPPE. Nossos alunos têm a oportunidade de trabalhar diretamente com eles nos laboratórios.
Eu mesma sou fruto dessa transferência de conhecimento. Eu fiz mestrado e doutorado na COPPE e passei no concurso em 2017. Eu entrei no lugar de um professor que se aposentou, mas que continua atuando como colaborador. Fui muito bem acolhida por todos os professores. Inclusive, a maioria deles foram meus professores no mestrado e no doutorado. A cooperação dos professores mais antigos e até dos aposentados que são colaboradores é bem forte. Trabalhamos juntos nas pesquisas.
O setor nuclear tem recebido mais atenção na atual gestão federal. Acredita que esse processo pode favorecer a criação de novos postos de trabalho e a abertura de novas vagas no curso?
A retomada da construção de Angra 3 e o desenvolvimento do submarino nuclear da Marinha têm trazido muita visibilidade para a área nuclear. Acredito que isso exigirá mais profissionais do setor nuclear, o que na minha opinião trará uma visibilidade maior para o nosso curso e, principalmente, será um grande incentivo para os alunos que já estão hoje no curso.
Eu acredito que isso [retomada de Angra 3] será mais importante do que abrir novas vagas no curso, até para dar um novo horizonte aos nossos alunos. Ainda temos poucos alunos formados e praticamente todos estão empregados. Então, se comparamos com outras engenharias, estamos em uma situação melhor.
Mas podemos dizer que a área nuclear é limitada porque depende de concurso público. Sabemos que temos um horizonte de dois anos com os concursos suspensos. Isso é muito ruim. Parece que haverá um curso novo de engenharia nuclear na USP. Então, vejo que existe bastante interesse na área, mas ainda cabe muito trabalho do setor para mostrar que a engenharia nuclear é do bem e é voltada não só para geração de energia, mas também para salvar vidas.
Temos ainda um trabalho muito grande de desmistificação do setor. Se essas novas usinas saírem, isso traria mercado de trabalho para nossos alunos e a garantiria a manutenção deles no curso.
A UFRJ declarou que não retomará aulas presenciais enquanto não houver vacina contra a Covid-19. Como fica o curso de Engenheira Nuclear nesse contexto? As atividades serão remotas?
Sobre esse assunto, é importante ressaltar que só as aulas presenciais estão suspensas. Como a universidade é composta por ensino (aulas), pesquisa e extensão, essas duas últimas não pararam durante a pandemia. Meus alunos da graduação, que trabalham diretamente comigo e estão em trabalho final de curso, continuam com suas pesquisas. Também tivemos alunos que se formaram durante a pandemia – foram quatro entre janeiro e junho. E ainda houve uma defesa remota de graduação, porque a aluna foi chamada para a Amazul.
A Escola Politécnica não parou. Então, os alunos continuaram tendo demandas, podendo fazer suas solicitações junto à secretaria. Como eu falei, a pesquisa não parou. Na parte da coordenação, toda a semana teve reunião remota. Ficamos em casa com um trabalho produtivo.
Logo no início da pandemia, eu reuni os alunos da graduação para criar vídeos e disponibilizá-los para nossos alunos, em especial para os calouros. Criamos um canal no YouTube e é uma forma de manter o conhecimento dos outros alunos que não estão fazendo TCC e divulgar a área nuclear para os novos alunos e a sociedade.
Agora, o Ministério da Educação reconheceu a aula remota para os cursos de graduação. Eu acredito que até agosto as aulas na UFRJ irão recomeçar. Na Engenharia Nuclear, na parte teórica, todos os professores concordaram em dar aula remota.
Como enxerga o futuro do setor nuclear no Brasil?
O Brasil é muito promissor no setor nuclear. Não só pela demanda de profissionais na área devido à retomada da usina de Angra 3 e pelo projeto do submarino nuclear da Marinha, mas também pela demanda de profissionais qualificados para as universidades, pois mais de 50% dos pesquisadores vão se aposentar em um pequeno intervalo de tempo.
A energia nuclear corresponde a apenas 2,5% do total, mas é super importante para manter a estabilidade do setor elétrico nacional. Além disso, o Brasil ocupa a sétima posição no mundo em reservas de urânio, espalhadas em diversos Estados, e conta ainda com reservas não exploradas. Brasil, Estados Unidos e Rússia têm o privilégio de dominar recursos tecnológicos, reserva de urânio e experiência operacional.
Temos tudo para expandir nosso segmento nuclear. Sem contar a grande contribuição do setor na área da medicina e na preservação de alimentos, o que amplia ainda mais a importância do setor.
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