CRISE NO SETOR DE O&G DEVE ACELERAR DESATIVAÇÃO E VENDA DE CAMPOS MADUROS, AVALIA KPMG

Por Davi de Souza (davi@petronoticias.com.br) –

dutraSão inegáveis os efeitos devastadores que a pandemia do coronavírus trouxe para a indústria mundial de óleo e gás. Dourar essa pílula é tarefa difícil. Contudo, mesmo no cenário desafiador que vivemos hoje, novas oportunidades podem surgir a partir dos desdobramentos da crise atual. Para o sócio da KPMG, Anderson Dutra, a desativação de plataformas deve aquecer o mercado de petróleo, ainda que diante do cenário difícil. O entrevistado avalia que, apesar de as petroleiras estarem preservando caixa, para muitas delas será melhor descomissionar ativos maduros. “Para aquelas que estão com muita dificuldade de caixa é mais fácil descomissionar do que continuar com aquele ativo tendo um custo de operação e de produção muito alto”, analisou. Além disso, Dutra também projeta que algumas operadoras maiores também devem vender seus ativos mais antigos para empresas de menor porte. “Com uso de muita tecnologia, experiência e baixo custo operacional, essas companhias [menores] fazem com que o fator de recuperação, hoje na média entre 25% e 27% aqui no Brasil, suba para algo em torno de 35% e 40%”, disse. A notícia é positiva especialmente para a cadeia de prestadores de serviços, que podem ter no segmento de descomissionamento uma fonte de novos contratos neste momento complicado da indústria. Ontem, conforme noticiamos, a Agência Nacional do Petróleo (ANP) projetou um investimento de R$ 5,5 bilhões neste nicho de negócios durante o ano de 2020.

Quais novos serviços podem surgir na indústria de óleo e gás a partir do descomissionamento?

O primeiro deles é algo que não está muito enraizado dentro da nossa indústria, que são os trabalhos de engenharia ambiental. Até porque, somos uma indústria nova e iniciamos há pouco o processo de descomissionamento. Mas agora, começamos a entrar em um grau de maturidade comparado a outros países. E, com isso, começam a surgir esses trabalhos de engenharia ambiental, onde são feitas análises específicas de como trabalhar dentro desse processo. Além disso, existe um serviço que é muito conhecido, mas a forma como é prestado hoje é diferente. Estou me referindo ao uso de sondas, que são necessárias para remover todos os equipamentos submarinos instalados no campo.

Hoje, existem profissionais especializados em perfuração e montagem de poços. Mas agora, estamos falando do contrário: estamos precisando trazer profissionais que têm a especialização em desativar o poço e, junto com isso, trazer toda uma análise ambiental para garantir que o novo ecossistema que se formou a partir da atividade petroleira não sofra um impacto.

Outra coisa interessante é que quando o país começa a iniciar um processo de desativação de poços e reservatórios, surge outra indústria que caminha explorando esse tipo de oportunidade. Estou falando do setor que trabalha com recuperação e revitalização de poços. São empresas extremamente especializadas em tirar o máximo de proveito destes ativos. Com uso de muita tecnologia, experiência e baixo custo operacional, essas companhias fazem com que o fator de recuperação, hoje na média entre 25% e 27% aqui no Brasil, suba para algo em torno de 35% e 40%.

Os mercados de descomissionamento e revitalização competem entre si ou são complementares?

Eles são complementares. É engraçada essa observação, porque a maioria das pessoas acham que são mercados que competem. Mas eles não competem porque as mesmas empresas que prestam serviço de descomissionamento também têm a linha de trabalho de revitalização. Então, são mercados complementares, onde são geradas muitas receitas e novas oportunidades trabalhando nas duas linhas de frente.

As atividades de descomissionamento no Brasil vão ajudar a reaquecer a contratação de profissionais no país?

Campo de Mexilhão, na Bacia de Santos, já teve seu Plano de Descomissionamento de Instalações aprovado

Campo de Mexilhão, na Bacia de Santos, já teve seu Plano de Descomissionamento de Instalações aprovado

Estamos em um momento difícil de explicar quando as coisas vão acontecer. É uma nova realidade, onde não sabemos se a quantidade que se tinha de trabalhadores a bordo ou em campos terrestres é necessariamente a mesma. Estamos começando a aprender que não precisávamos trabalhar com tanta gente a bordo, como também estamos aprendendo que conseguimos fazer remotamente os trabalhos que antes eram feitos a bordo. O processo de automação desses ativos tem ocorrido de maneira bem acelerada.

Já está acontecendo o processo de descomissionamento, como também já existem empresas trabalhando em grandes revitalizações. Se você olhar, isoladamente, só a parte do descomissionamento associado à entrada de novas empresas, é esperado um crescimento entre 15% e 20% na mão de obra. Mas, como eu disse, estamos em uma nova realidade. Talvez, a indústria simplesmente se acomode. Os profissionais vão começar a se reinventar e se direcionar para outras atividades, tentando adquirir novas capacidades de operações de ferramentas tecnológicas de inteligência artificial, análise apurada de dados e controle de bordo de forma remota. É bem provável que outras capacidades surjam e, assim, não há como apresentar um número de quanto seria o aumento na indústria como um todo. 

As petroleiras estão falando muito em preservar caixa neste momento desafiador que a indústria vive. Essa postura pode afetar os planos para descomissionamento? Ou esses projetos vão seguir adiante mesmo assim?

Em teoria, esses projetos de descomissionamento até aceleram neste momento. A maioria das empresas já tem o processo de descomissionamento provisionado em seus balanços e também tem garantias financeiras reais. Para aquelas que estão com muita dificuldade de caixa é mais fácil descomissionar do que continuar com aquele ativo tendo um custo de operação e de produção muito alto. Como o preço do óleo caiu, o custo de operação começa a trazer uma margem que não é economicamente viável. Assim, algumas empresas preferem desinvestir.

Enquanto isso, outras empresas conseguem provar que novas tecnologias de revitalização podem trazer oportunidades para outros players. Então, temos de um lado empresas com problemas de caixa vendendo ativos para terceiros e, do outro, companhias menores adquirindo esses ativos.

A minha visão é que as empresas que estão com dificuldade de caixa tendem a seguir na linha de descomissionar ou vender ativos para empresas dispostas a operarem nesse mercado de revitalização.

E olhando para as empresas prestadoras? Que oportunidades surgirão a partir dos descomissionamentos no Brasil?

ANPEu acho que vem aí uma potencial nova onda com grandes empresas prestadoras de serviços adquirindo empresas especializadas no processo de descomissionamento, trazendo assim novos serviços para seus portfólios. Esse, para mim, seria um caminho muito natural. Com o cancelamentos de muitos projetos, o caminho natural para essas empresas sobreviverem seria buscar essas novas alternativas.

Em abril, a Agência Nacional do Petróleo divulgou uma nova resolução sobre a atividade de descomissionamento. Qual sua avaliação acerca do teor do texto?

No passado tínhamos um grande imbróglio  quando você falava da questão regulatória da Marinha, do Ibama e da ANP. Mas recentemente, a ANP conseguiu soltar essa regulação, que é muito interessante.

Muitos vão dizer que a resolução não chegou ao ponto ideal. Mas é o caminho. Já existe um alinhamento para validação deste processo de descomissionamento de uma maneira mais consolidada e estruturada envolvendo essas três instituições.

A agência reguladora está fazendo um trabalho excelente desde a gestão do Décio Oddone [ex-diretor-geral da ANP], trabalhando bastante para fomentar a indústria no país. Eles fizeram um trabalho muito bacana e rápido e soltaram essa resolução durante a pandemia.

Todo o caminho que você dá numa direção de unificar ou alinhar o entendimento entre Ibama, ANP e Marinha é válido. As pessoas tendem a enxergar o lado negativo, apontando que alguns aspectos não foram abordados. Mas este foi o primeiro passo. Hoje, essa resolução traz um alinhamento.

A resolução também favorece as empresas que, ao invés de descomissionar, podem passar esses campos maduros para companhias dispostas a operá-los e revitalizá-los. A resolução já vem, inclusive, nessa direção.

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