DOIS MILHÕES DE PACIENTES COM CÂNCER SOFREM COM FALTA DE RADIOFÁRMACOS, MAS CONGRESSO ESTÁ OCUPADO DISCUTINDO RÓTULOS DE REFRIGERANTES
Isolados no conforto de Brasília e cercados das benesses inerentes ao cargo, os parlamentares estão dando nesta semana uma demonstração de que seu interesse pelo povo se restringe aos meses eleitorais. No período de campanha vale tudo – de abraços nas ruas até pastel na feira. No dia a dia, porém, quando a população precisa de decisões rápidas e soluções práticas, deputados e senadores se escondem em meio a um cipoal de burocracia e lentidão. É exatamente o que acontece desde a última segunda-feira (20), quando o Brasil parou de produzir radioisótopos e radiofármacos usados no diagnóstico e tratamento do câncer e de outras doenças, conforme o Petronotícias vem alertando ao longo dos últimos dias. Existem outras esferas com suas responsabilidades nesse caso, é verdade. Mas agora a bomba está nas mãos do Congresso Nacional. Cabe a ele liberar o orçamento extra que irá permitir ao país voltar a produzir esses medicamentos. No entanto, parlamentares parecem mais preocupados com outras questões. Na Câmara, por exemplo, uma comissão iria realizar ontem um debate sobre “a criação do Dia Nacional do Guia de Turismo” – que acabou sendo adiado depois. No Senado, o absurdo foi um grau muito além – a Comissão de Fiscalização e Controle tornou obrigatória ontem a “advertência sobre o malefício do consumo abusivo em rótulos dos refrigerantes”. Enquanto isso, cerca de dois milhões de brasileiros que dependem dos radiofármacos continuam aguardando a boa vontade e o fim da preguiça do Congresso Nacional, que precisa resolver urgentemente essa questão.
De fato, o tema dos radiofármacos foi mencionado ontem durante alguns discursos no Congresso. O senador Álvaro Dias (Podemos-PR), por exemplo, chegou a defender a aprovação de um projeto de sua autoria que quebra o monopólio estatal da produção de radioisótopos e radiofármacos. Para ele, o fim do monopólio evitaria situações como a atual. Mas o tema ficou só nisso: discursos. Pelo menos até agora, não houve decisão de colocar o orçamento do IPEN em votação.
O Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (IPEN) é o responsável por produzir geradores de 99Mo/99mTc e os radiofármacos provenientes de iodo-131, gálio-67, tálio-201 e lutécio-177, dentre outros. Esses produtos são usados, por exemplo, em pacientes com câncer de tireoide que precisam de tratamento com radioiodo e em pacientes com tumores neuroendócrinos que dependem de lutécio. Porém, a produção desses medicamentos está suspensa desde a última segunda-feira (20) por falta de orçamento do IPEN. O instituto precisa receber uma verba de R$ 89,7 milhões para retomar sua atividade.
Esses créditos suplementares estão programados na forma de um projeto de lei (PL), que está parado na Comissão Mista de Planos, Orçamentos Públicos e Fiscalização do Congresso Nacional. O texto foi enviado para apreciação dos parlamentares no dia 28 de agosto, mas até agora não foi aprovado. A matéria abre ao Orçamento Fiscal da União, em favor do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), um crédito suplementar no valor de R$ 690 milhões. Parte desse valor será repassado ao IPEN, que é vinculado ao MCTI. O PL ainda precisa da definição de um relator.
REAÇÃO NO SETOR DE MEDICINA NUCLEAR E O APELO AOS SENADORES
Conforme noticiamos aqui no Petronotícias, há uma preocupação na esfera médica com as consequências de uma paralisação prolongada na distribuição de radioisótopos e radiofármacos no Brasil. O presidente da Sociedade Brasileira de Medicina Nuclear (SBMN), George Coura Filho, lembra que o país possui 400 serviços da especialidade, que realizam mais de 8000 procedimentos por dia em pacientes com doenças cardiovasculares, neurológicas, câncer e pediátricas. “Estudos de cintilografia de perfusão pulmonar para pesquisa de tromboembolia pulmonar em pacientes de covid-19 também deixam de ser realizados [em virtude da paralisação da produção do IPEN]”, afirmou Coura.
A SBMN e a Associação Brasileira para Desenvolvimento das Atividades Nucleares (ABDAN) já haviam enviado uma correspondência sobre o tema ao Gabinete de Segurança Institucional (GSI) e aos ministérios da Saúde; da Economia; e da Ciência, Tecnologia e Inovações. Agora, as entidades também escreveram um apelo aos senadores da República.
Na carta endereçada ao Senado, a ABDAN e a SBMN lembram que mais de 470 laboratórios de medicina nuclear espalhados pelo Brasil estarão impossibilitados de realizar exames cintilográficos e terapias oncológicas por conta da paralisação da produção de radiofármacos. As instituições calculam ainda que cerca de 10.000 pacientes por dia, da rede pública e privada, deixarão de ser atendidos pela exclusiva falta de material radioativo.
Leia abaixo a íntegra da carta enviada aos senadores:
A Associação Brasileira para o Desenvolvimento de Atividades Nucleares (ABDAN) e a Sociedade Brasileira de Medicina Nuclear (SBMN), na condição de representantes do setor regulado da Medicina Nuclear, vem diante a situação de extrema gravidade que o ofício 97/2021 relata ao mercado, comunicar e solicitar providencias com relação a aprovação e repasse dos créditos suplementares programados em projeto de lei.
A crise no fornecimento de molibdênio-99 que será gerada pela falta de aprovação deste orçamento, trará consequências diretas a todos os laboratórios de medicina nuclear do Brasil, sendo responsável pela imensa maioria dos exames, incluindo exames e terapias oncológicas e cardiológicos dentre outros.
São enormes os desafios na cadeia de suprimento dos radiofármacos. O Tecnécio-99m, por exemplo, é o radiofármaco utilizado para realização de todos os exames de Cintilografia. No Brasil, sua produção é feita exclusivamente pelo IPEN – Instituto de Pesquisa ligado à CNEN – em virtude de impedimentos constitucionais para que o setor privado possa fazê-lo.
Isto, em inúmeras ocasiões, causa e causaram desabastecimento, insegurança econômica e assistencial aos serviços de Medicina Nuclear.
Ressalta-se que apenas 3% da produção mundial de Geradores de Tecnécio é feita, em virtude de barreiras legais, por laboratórios estatais.
Caso não haja uma solução imediata, os mais de 470 laboratórios de medicina nuclear espalhados pelo território nacional estarão impossibilitados de realizar exames cintilográficos, que utilizam tecnécio-99m, e terapias oncológicas com utilização de iodo-131, lutécio-177 a partir de vinte de setembro de 2021.
Consequentemente, cerca de mais de 10000 pacientes/dia, da rede pública e privada, deixarão de ser atendidos por exclusiva falta de material radiativo.
As instituições preocupadas com as consequências desta crise, já se manifestaram diretamente com o IPEN/CNEN e vem mantendo seus parceiros informados sobre possíveis mudanças neste cenário. Desta forma e assim exposto, aguardamos que as autoridades possam se posicionar na tentativa de minimizar os efeitos desta crise que afetará principalmente quem mais precisa deles, os pacientes.
Deixe seu comentário