EM SUA PRIMEIRA ENTREVISTA, DIRETOR DA ANSN FALA DE PLANOS PARA AMPLIAR QUADRO DE SERVIDORES E ATUAÇÃO EM PROJETOS DE SMRs
Uma espera de três décadas chegou ao fim. O setor nuclear brasileiro passa a contar com uma autarquia totalmente dedicada às tarefas de fiscalização, licenciamento e controle. Como noticiamos nesta semana, o Senado Federal aprovou o nome de Alessandro Facure para o cargo de diretor-presidente da Autoridade Nacional de Segurança Nuclear (ANSN). Em sua primeira entrevista à frente do órgão regulador, ele revelou com exclusividade à reportagem do Petronotícias que um dos seus primeiros passos no comando da instituição será o fortalecimento do quadro de servidores da autarquia. “Hoje, em termos de servidores que atuam diretamente na fiscalização, somos cerca de 150 fiscais. Para cumprir plenamente todas as atribuições da ANSN, precisaríamos, no mínimo, triplicar esse número”, frisou. Além disso, o diretor-presidente pretende definir o local da sede da autoridade e receber os 50 servidores que virão por meio do concurso atualmente realizado pela Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) até o final do ano. Facure também acredita que a criação da ANSN contribuirá para viabilizar o desenvolvimento de novos projetos nucleares no Brasil, incluindo os pequenos reatores modulares (SMRs, na sigla em inglês). Além de Facure, o Senado também aprovou Lorena Pozzo e Ailton Fernando Dias para as duas outras vagas na diretoria da ANSN.
O setor nuclear alcançou um marco histórico com a aprovação da diretoria da nova Autoridade Nacional de Segurança Nuclear, após décadas de discussão para tirá-la do papel. Gostaria que o senhor falasse sobre a importância desse momento para o segmento.
Eu me sinto muito honrado por estar assumindo esse posto neste momento. Sou o atual diretor de Radioproteção e Segurança Nuclear da CNEN e, como você mencionou, a criação da ANSN é um tema discutido há pelo menos 30 anos. Podemos dizer que são pelo menos duas ou três gerações de servidores que trabalharam em regulação, que lutaram por isso, e agora finalmente tivemos essa vitória. Eu considero um marco histórico, mas não para os servidores e nem como vitória pessoal. Na verdade, é um grande avanço para o país, que era um dos últimos a dar esse passo entre aqueles que possuem um programa nuclear robusto como o nosso.
Para complementar, gostaria que o senhor explicasse aos nossos leitores a importância de ter uma autoridade independente, como é o caso da ANSN, para o setor nuclear. Qual é o papel dessa autarquia?
Com a criação da ANSN, passamos a ter um órgão totalmente dedicado às tarefas de fiscalização, licenciamento e controle, tanto de fontes radioativas quanto de instalações nucleares e depósitos de rejeitos. Antes, tínhamos a CNEN, que ao mesmo tempo em que operava reatores, produzia radiofármacos e prestava serviços à sociedade, também era responsável por fiscalizar. Isso comprometia a credibilidade internacional do país.
O Brasil é signatário de diversas convenções internacionais, como a Convenção Conjunta e a Convenção de Segurança Nuclear, que exigem a existência de uma autoridade regulatória independente na área nuclear. Muitos países já haviam avançado nessa direção, inclusive a Argentina, que criou sua autoridade em 1997. O Brasil está entre os últimos a concluir esse processo.
Com a ANSN, poderemos discutir o programa nuclear sob outra perspectiva.
De que forma a ANSN transforma a discussão sobre o programa nuclear brasileiro?
No cenário internacional, fala-se hoje em expansão da mineração com investimento privado e no desenvolvimento de pequenos reatores modulares (SMRs). Isso traz a necessidade de rediscutirmos, no Brasil, aspectos legais do uso da energia nuclear, como o monopólio da União na geração nucleoelétrica.
Para que iniciativas como a entrada de SMRs operados por empresas privadas, ou mesmo em parceria com a Eletronuclear, possam se concretizar, é condição indispensável termos um órgão regulador independente e robusto. Ele será responsável por garantir a segurança da utilização dessas tecnologias, proteger a população e aplicar os instrumentos regulatórios necessários, sempre alinhados aos parâmetros internacionais mais relevantes.
É importante também falar em previsibilidade e segurança jurídica. A criação desse órgão confere exatamente isso. Para investidores internacionais, por exemplo, a existência de uma autoridade reguladora independente traz a segurança jurídica necessária para investimentos de capital intensivo, como é o caso do setor nuclear.
Este é um momento de celebração por um marco importante, mas imagino que também existam desafios daqui em diante para a efetiva criação da autoridade. Quais são os principais pontos que o senhor enxerga como desafios nos próximos meses?
Os principais desafios imediatos decorrem justamente da criação da Autoridade. Todos sabem que a ANSN nasce a custo zero, a partir da cisão da Comissão Nacional de Energia Nuclear, e com um quadro de funcionários muito aquém do necessário para o pleno cumprimento de suas atribuições.
Neste momento, estamos discutindo aspectos administrativos, como a sede — que por enquanto ficará na estrutura da CNEN, mas de forma temporária. De acordo com a lei, a sede da ANSN será necessariamente no Rio de Janeiro. Mas entendemos que é importante desocupar o espaço que hoje dividimos com a CNEN o quanto antes.
Também já avançamos em conversas com o MGI sobre a necessidade de fortalecer a ANSN. Quando olhamos para as agências reguladoras existentes, todas contam com cinco diretorias. A Autoridade Nacional de Segurança Nuclear nasce com três: a Presidência, a Diretoria de Instalações Radioativas e a Diretoria da Área Nuclear. Acreditamos que, para exercer de maneira plena e efetiva nossas atribuições, será necessário caminhar para o modelo de cinco diretorias.
Outro ponto fundamental é a realização de concurso público. Estamos há 12 anos sem concurso e a curva etária do quadro regulatório está bastante avançada. É importante lembrar que o conhecimento em regulação não se constrói apenas na academia, por meio de teses ou estudos convencionais. Ele envolve também conhecimento tácito, adquirido na prática e transmitido na convivência diária entre inspetores mais experientes e os profissionais mais jovens.
Em relação ao quadro de pessoal, com quantas pessoas a autoridade contará inicialmente? E qual seria, na sua avaliação, o tamanho ideal para que a ANSN consiga exercer plenamente suas funções?
Hoje, em termos de servidores que atuam diretamente na fiscalização, somos cerca de 150 fiscais. Para cumprir plenamente todas as atribuições da ANSN, precisaríamos, no mínimo, triplicar esse número.
Falando sobre cronograma e próximos passos imediatos, o que vem a seguir após a aprovação da diretoria no Senado?
Os próximos passos incluem receber os 50 servidores que virão por meio do concurso atualmente realizado pela Comissão Nacional de Energia Nuclear. As provas já ocorreram, e esses servidores devem se integrar à ANSN provavelmente no fim do ano. Queremos recebê-los adequadamente.
Neste momento, estamos trabalhando junto à divisão de pessoal da CNEN, principalmente na área administrativa, de gestão e governança. Paralelamente, seguimos dedicando muitos esforços à definição da sede da autoridade.
Todo esse processo envolve bastante trabalho administrativo, diálogo e discussões. Espero que, até o fim deste ano, essas questões estejam resolvidas, permitindo que possamos avançar para os próximos desafios da ANSN.
Para encerrar, gostaria de saber se o senhor poderia comentar sobre a vinculação da autoridade ao Ministério de Minas e Energia. Alguns questionamentos surgem no setor a esse respeito.
Na verdade, esse aspecto foi discutido na última Convenção de Segurança Nuclear em Viena, e o Brasil conseguiu responder de forma satisfatória. Primeiramente, é importante observar que, em diversos países — como França, Suécia e Finlândia — a vinculação das autoridades reguladoras varia bastante. Existem diferentes modelos, e todos funcionam adequadamente de acordo com as peculiaridades de cada país.
Outro ponto relevante é que a independência da Autoridade Nacional de Segurança Nuclear é conferida pelo mandato de seus diretores. Esse mandato garante autonomia para que eles tomem decisões técnicas de forma independente, além de passarem por sabatina no Senado Federal. Esses dois fatores, juntos, eliminam qualquer possibilidade de conflito de interesse.
Por exemplo, meu mandato terá duração de quatro anos. Isso significa que, independentemente das eleições presidenciais no próximo ano, continuarei no cargo, sem depender de qualquer indicação do presidente da República. Essa estrutura reforça fortemente a independência da autoridade reguladora.
O que a Convenção de Segurança Nuclear preconiza é que a autoridade reguladora deve ser totalmente independente de instituições que promovem ou utilizam energia nuclear. Nosso modelo atende a esse princípio.
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