EMPRESAS REMODELAM ESTRATÉGIAS PARA FUTURO COM PETROBRÁS MAIS ENXUTA NO MERCADO BRASILEIRO
Por Daniel Fraiha (daniel@petronoticias.com.br) –
As principais mudanças esperadas pela indústria com a alternância de governo ainda não vieram e as expectativas continuam altas. Enquanto fala-se em fim da operação única no pré-sal, em reforma tributária e na revisão do conteúdo local, outro tema relacionado já começa a pautar o redesenho das estratégias empresariais no setor: a redução de tamanho da Petrobrás. O reconhecimento dessa transformação e o preparo para enfrentar essa nova realidade são questões fundamentais para quem quer garantir seu espaço no mercado de óleo e gás brasileiro dos próximos anos, na visão de Anderson Dutra, sócio da área de óleo e gás da KPMG, que vem ajudando muitas companhias nesse processo. “Aquele volume de investimentos gigantesco não vai mais acontecer e para muitas empresas será difícil se manter forte sem ter mais ‘aquela Petrobrás’ operando. O grande pulo do gato é saber olhar para o mercado e ver que ele vai se reconfigurar dessa forma”, afirma Dutra.
Outra mudança que tem se dado é na atuação dos auditores em relação aos balanços das empresas que se viram envolvidas em escândalos recentes, como os desvendados pela Operação Lava Jato. Apesar de as diretrizes para a auditoria de casos como esses já existirem anteriormente, nos últimos tempos elas têm sido mais utilizadas e o trabalho se tornou mais detalhista, assim como o interesse por orientações em termos de governança tem aumentado bastante no mercado nacional. “A Petrobrás começou a exigir isso dos parceiros, e diversas empresas têm nos procurado em função disso”, diz.
Como avalia o impacto das mudanças políticas no setor de óleo e gás brasileiro?
É difícil de falar do impacto de mudanças políticas, porque a grande promessa que se tinha era que determinadas medidas de austeridade entrassem em vigor o mais rápido possível. A principal ação é o fim da operação única da Petrobrás e a segunda é a questão do conteúdo local, mas nenhuma entrou em vigor ainda. Existe uma grande expectativa em relação a isso, até porque o presidente Michel Temer tem muitos aliados no Congresso. Mas, como não foram definidas ainda, é difícil mensurar o impacto. Ainda assim, existe uma previsão de coisas positivas que podem fazer o setor começar a mudar de rumo.
Esses são os dois pontos prioritários para a indústria?
São os dois principais no momento, além de toda a questão da reforma tributaria. Muitas empresas fecharam as portas no Brasil e é difícil atrair novos entrantes sem essas duas questões estabelecidas. Até porque o preço do pré-sal hoje não esta favorável a investimentos de alto risco. Trazer alguém para o Brasil deveria ser para fomentar o investimento no pré-sal, que já está provado e validado. Para áreas de alto grau de risco, os preços do óleo não estão favoráveis e a situação política ainda não se estabilizou. Quando essas medidas começarem a passar no congresso, começaremos a ter um novo rumo. Quanto ao conteúdo local, não digo nem a flexibilização, mas uma revisão seria importante.
A KPMG tem sido procurada por empresas de fora interessadas no mercado brasileiro?
Temos recebido muitos questionamentos de fundos de investimentos e privaty equities interessados em determinadas áreas do Brasil. Muito sobre o que a Petrobrás vai desinvestir e se aqueles ativos estão sendo colocados à venda por valores atrativos. De empresas em si, não. O que vemos muito é o movimento dos chineses comprando alguns ativos. Eles estão se movimentando para comprar ativos de gás, assim como os japoneses, que estão interessados em ativos de distribuição. Mas, enquanto tudo não se concretizar, é difícil de mensurar impactos políticos.
Quais são as maiores questões que têm sido trazidas pelas empresas?
Quando falamos do setor de petróleo e gás, a principal questão é que elas vão conviver num futuro próximo com uma nova Petrobrás, menor e mais enxuta, que está tentando respirar e ganhar velocidade na tomada de decisões. Aquele volume de investimentos gigantesco não vai mais acontecer e para muitas empresas será difícil se manter forte sem ter mais “aquela Petrobrás” operando. O grande pulo do gato é saber olhar para o mercado e ver que ele vai se reconfigurar dessa forma, tentando enxergar a Petrobrás apenas como mais um player do setor. É claro que ela ainda tem praticamente o monopólio da maioria das áreas, mas ela está mudando. Está em transformação e já anunciou que vai se desfazer de alguns grandes ativos para focar no pré-sal. Então estamos debatendo muito com as empresas sobre isso, sobre a importância de saberem operar no Brasil sem aquela Petrobrás dos tempos anteriores.
Como a KPMG tem buscado auxiliar as empresas neste processo?
De várias maneiras. Fazemos trabalhos que partem do desenho da estratégia operacional e financeira das empresas; avaliação de ativos que seriam importantes para o portfólio delas; redesenho do modelo econômico-financeiro; auxiliamos na estrutura de governança e compliance – e a Petrobrás está exigindo um melhor enquadramento em termos de conformidade nos quesitos de governança e compliance –; fazemos auditorias pontuais, diligências em determinados ativos, etc. O que hoje mais chama atenção é a questão da estratégia, da reestruturação dos custos e a visão de uma nova modelagem econômico-financeira.
Com as mudanças internas na Petrobrás, essa demanda por serviços relacionados a quesitos de compliance tem crescido muito?
A grande verdade é que já temos essas exigências a partir da lei anticorrupção, em vigor há mais de um ano, mas ninguém estava dando a atenção devida ao que ela exige. E com todos esses escândalos, as empresas começaram a olhar mais e dar mais valor aos aspectos de governança. Então falamos de melhorias nos processos de compras; de segregação de funções – algo extremamente relevante -, de modo que não seja a mesma pessoa responsável pelos pedidos e pelos pagamentos; a formação de conselhos – tirar o proprietário do posto de executivo e colocá-lo no nível de conselho –; passando pelo organizacional até os aspectos financeiros. A Petrobrás começou a exigir isso dos parceiros, e diversas empresas têm nos procurado em função disso.
Após as descobertas da Lava Jato e os problemas da Petrobrás e da Eletrobrás com seus balanços, houve mudanças nos processos de auditoria da KPMG?
Nos processos, não. O que acontece é que as normas de auditoria, quando temos esse tipo de indício de fraude ou de ato ilegal, exigem que cumpramos determinados procedimentos específicos. Em princípio, não é necessário ir tão a fundo nas análises quando não se têm esses indícios, mas agora estamos efetuando procedimentos dessa forma mais detalhada.
Quais são os maiores desafios dos auditores em balanços do setor de óleo e gás?
O maior desafio é fazer uma análise bem criteriosa da recuperação de ativos, vis-à-vis o preço do petróleo e do gás. Olhar para um investimento feito localmente hoje pensando na capacidade de recuperação dele no longo prazo.
Como estão as operações da KPMG no setor nacional atualmente?
Estamos com um centro de excelência de óleo e gás no Rio, que cobre o Brasil todo. Temos um time focado no setor, dentro dos três pilares da KPMG, que são auditoria, consultoria e consultoria tributária, com pessoas 100% dedicadas à indústria. Temos também um time de desenvolvimento de pessoas com treinamentos específicos, desde a área operacional até a financeira. O nosso setor interno tem crescido, hoje na casa dos 10% ao ano. E, se pensarmos em como vem sofrendo o segmento, não é uma realidade ruim.
Qual a expectativa para este ano?
Vemos empresas saindo do Brasil, diminuindo de tamanho, mas nossa expectativa para o setor é positiva. Acreditamos que o País terá uma retomada, com o início das melhoras no final desse ano. Alguns especialistas já apontam preços do petróleo superiores a 60 dólares em 2017, podendo chegar a 80 dólares em 2018, e o que mais motiva a gente a olhar para a indústria brasileira de forma positiva é ver que nossos ativos, os reservatórios, são muito bons, com óleo relativamente leve, reservas provadas, uma área muito extensa, um volume enorme de recursos e o risco já bastante reduzido. Então de fato acreditamos que melhorando as condições do preço do barril e da política, com o reenquadramento da estrutura de custo, esse conjunto de fatores tende a trazer de volta os investimentos ao País.
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