ESPECIALISTA BRASILEIRA DEFENDE MAIOR HARMONIZAÇÃO NAS NORMAS INTERNACIONAIS DO SETOR NUCLEAR

Por Davi de Souza (davi@petronoticias.com.br) –

patricia-wielandUma voz brasileira em Viena, capital da Áustria. A conselheira da Associação Brasileira para Desenvolvimento das Atividades Nucleares (ABDAN), Patricia Wieland, representou o setor nuclear nacional recentemente durante a conferência internacional sobre os aprendizados com o acidente de Fukushima, ocorrido há 10 anos. O evento foi organizado pela Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA). Durante sua apresentação na conferência, Patricia destacou as lições internalizadas após uma década do incidente no Japão. As usinas de todo o mundo ganharam mais redundâncias, para garantir a segurança e a confiabilidade dessas unidades em casos de emergência. Apesar dos avanços, a conselheira da ABDAN chamou atenção para o fato de que organismos internacionais do setor nuclear devem avançar na harmonização de padrões e procedimentos de segurança. “É preciso ter um conjunto de recomendações que sejam coerentes, de modo que não entrem em contradição umas com as outras”, avaliou. Patricia também defendeu durante a conferência que é necessário um debate sobre as doses mínimas de exposição à radiação. “A grande oportunidade de rever esses níveis de intervenção e o limite de dose acontecerá na elaboração das novas recomendações da ICRP (Comissão Internacional de Proteção Radiológica), que serão publicadas ainda nessa década. Estamos em um momento de discutir esse ponto”, concluiu.

Poderia falar sobre alguns dos avanços, em termos de segurança, após o acidente de Fukushima que foram discutidos no evento?

Durante a conferência foram discutidos alguns aprendizados. Ao todo, o evento reuniu quase 800 pessoas – algumas presencialmente e outras por videoconferência. Em Fukushima, os operadores da usina não conseguiram resfriar o núcleo do reator porque não havia eletricidade na planta. O gerador de emergência não funcionou e todas as redundâncias possíveis também não entraram em ação. É interessante notar e frisar que a probabilidade de um gerador diesel falhar era de 5,5 vezes 10-4 por demanda. Então, é preciso deixar claro que esse foi um evento raríssimo, mas que acabou acontecendo.

Esse incidente levou os países a verificarem os seus geradores de emergência. Inclusive, várias plantas adicionaram até uma redundância a mais depois do acidente de Fukushima. No Brasil, por exemplo, um novo gerador foi instalado para entrar em ação no caso de uma eventual emergência. Vários países também adicionaram mais uma redundância em suas plantas, para garantir que os reatores sejam resfriados no caso de um acidente. Esse foi o aprendizado mais emblemático de todos.

E quais são os pontos relacionados às respostas de emergências que ainda precisam ser mais debatidos e aprofundados?

Um dos pontos principais da minha fala durante a conferência foi a questão do nível de intervenção. Todo o plano de emergência de uma usina nuclear define qual é o nível de intervenção. Quando esse patamar é alcançado, um governo pode, por exemplo, decidir evacuar uma cidade ou determinar que a água seja consumida. 

O que aconteceu em Fukushima, no entanto, é que foi usado o limite para público, de 1 mSv por ano. Com isso, muitas pessoas tiveram de deixar suas casas sem necessidade. Inclusive, pessoas com outros riscos também tiveram que se deslocar, como as que estavam em hospitais.  Eu acho que um dos pontos que precisa ser melhor pensado e definido é sobre como utilizar os níveis de intervenção e o limite de dose para público. Isso ainda não está muito compreendido.

Não há danos para uma pessoa que for exposta a 2 mSv, por exemplo. Existem evidências científicas que indicam que uma exposição de até 100 mSv por ano não traz danos à saúde. Isso é uma coisa bastante profunda que precisa ser discutida.

Existem perspectivas de revisão desses limites?

A grande oportunidade de rever esses níveis de intervenção e limite de dose acontecerá na elaboração das novas recomendações da ICRP (Comissão Internacional de Proteção Radiológica), que serão publicadas ainda nessa década. Estamos em um momento de discutir esse ponto.

No final de sua fala na conferência, você mencionou a necessidade de uma maior colaboração entre as diferentes instituições e órgãos reguladores em todo o mundo. Seria interessante se detalhasse mais esse ponto.

Um órgão ambiental segue as orientações de outras organizações internacionais que tratam do meio ambiente. Já as agências de vigilância sanitária e de saúde seguem as publicações da Organização Mundial da Saúde e órgãos de vigilância sanitária de outros países. Quem é da área nuclear segue a Agência Internacional de Energia Atômica.

Se as organizações internacionais não estiverem com seus padrões harmonizados, também não haverá padrões harmonizados nos órgãos de cada país. 

Então, a colaboração entre as organizações internacionais precisa chegar ao ponto de harmonização das recomendações. É um debate mais profundo. A padronização terá um efeito muito grande dentro dos países. É preciso ter um conjunto de recomendações que sejam coerentes, de modo que não entrem em contradição umas com as outras.

Por fim, como tem visto o debate sobre o papel da energia nuclear no combate às mudanças climáticas? E sobre as ações da indústria para tentar desmistificar o tema nuclear?

O interessante é que essa conferência da AIEA aconteceu logo após a COP26. O diretor geral da agência, Rafael Grossi, esteve na COP26, em Glasgow, antes de participar da conferência da AIEA em Viena. Em suas falas, ele sempre frisou a questão do climate change. A energia nuclear é a solução para as mudanças climáticas. Precisamos fazer o que for necessário para que tenhamos mais usinas nucleares em operação. A questão do clima é muito grave.

Sobre a questão da comunicação com o público, as pessoas do setor precisam estar preparadas para desmistificar a fonte nuclear. Acho que o segmento nuclear ainda é muito fechado e não alcança o público em geral. Nas redes sociais, quem curte e dá um “like” nas postagens sobre o tema vai ficar vendo as mesmas coisas de sempre. Sendo que esse conteúdo não vai chegar àquele público que não tem contato com esse conteúdo. Não será apenas usando as mídias sociais que vamos desmistificar a radiação. Será preciso trabalhar muito mais para chegar realmente ao grande público.

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