MESMO COM VOLUME DE PETRÓLEO INDEFINIDO, LIBRA VAI MARCAR NOVO MOMENTO DA INDÚSTRIA BRASILEIRA | Petronotícias




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MESMO COM VOLUME DE PETRÓLEO INDEFINIDO, LIBRA VAI MARCAR NOVO MOMENTO DA INDÚSTRIA BRASILEIRA

Por Daniel Fraiha (daniel@petronoticias.com.br) – 

Ricardo Savini, diretor do centro de excelência em óleo e gás da Deloitte.

Os números soam imponentes quando anunciados pela Agência Nacional do Petróleo (ANP) ou pelo governo em entrevistas coletivas e discursos para grandes audiências: há de oito a 12 bilhões de barris de óleo recuperável na área de Libra, no pré-sal. Na melhor das hipóteses, são quase todas as reservas de petróleo provadas do Brasil hoje (cerca de 15,3 bilhões de barris nas contas da agência), passando de 78,4% do enorme volume. No entanto, um detalhe chama a atenção de muitos executivos do mercado: entre o volume mínimo e o máximo estimados, há quatro bilhões de barris recuperáveis – o que equivale a mais de 26% de todas as reservas provadas do país. Para quem atua diretamente com este tipo de estimativas e perspectivas, os componentes de risco e as variações anunciadas fazem parte do jogo, mas para muitos executivos do setor esses dados ainda são pouco claros. Apesar da discrepância, as previsões não são mera numerologia. Elas passam por uma série de etapas de análises e acabam divididas em classificações variadas, com diferentes graus de incerteza. O primeiro leilão do pré-sal, marcado para segunda-feira (21), terá cobertura completa do Petronotícias desde as primeiras horas do dia, e a abordagem das estimativas de petróleo na área de Libra é o começo desse acompanhamento.

Para entender melhor essas previsões, é preciso saber como são tratadas as diferentes classificações de estimativas de petróleo contido em determinada área. Uma das categorias é chamada de “recursos prospectivos”, quando há dados de sísmica, análises e informações sobre poços de áreas próximas, mas ainda sem perfuração de um poço próprio. Outra, com um grau um pouco menor de incerteza, refere-se a “recursos contingentes”, quando já houve a perfuração de um poço, foi descoberto petróleo e cálculos foram realizados para estimar aquele volume. Dentro de “contingentes”, há ainda três subdivisões – 3C, 2C e 1C, sendo esta última a com melhores condições de recuperação.

Ainda assim, quando há a certificação de “recursos”, as empresas que fazem esse tipo de serviço não calculam percentuais mínimos de recuperação do óleo. Já em relação às “reservas”, há três tipos de taxas mínimas de recuperação estimadas, atendendo às classificações “reservas possíveis”, “reservas prováveis” e “reservas provadas”. O diretor do centro de excelência em óleo de gás da Deloitte, Ricardo Savini, explica como são divididas as previsões:

“Reservas provadas são aquelas que têm pelo menos 90% de probabilidade de que as quantidades de hidrocarboneto recuperado será igual ou maior à estimativa (90% de acerto). Prováveis, pelo menos 50%, e Possíveis, pelo menos 10% de probabilidade de acerto da estimativa”.

Magda Chambriard, diretora-geral da ANP

As petroleiras envolvidas no leilão já avançaram nos estudos da área, com aquisição de dados sísmicos, 2D e 3D, mas não falam sobre seus modelos. A ANP divulga as estimativas com muita segurança no discurso, e todos no país torcem para que esteja certa, mas as contas são um pouco mais complexas. Inicialmente, a agência falava apenas na estimativa de barris recuperáveis, mas não detalhava. Questionado pelo Petronotícias, o órgão regulador confirmou que as previsões envolvem recursos, mas não define se são contingentes ou prospectivos.

“Nas estimativas da ANP, o prospecto Libra possui recursos recuperáveis estimados entre 8 e 12 bilhões de barris de petróleo. Não se tratam, portanto, de reservas, sim de recursos”, afirmou em nota a agência.

Savini destaca que os dados de sísmicas e o resultado satisfatório com o poço devem garantir uma boa quantidade de informações para embasar os números, mas reconhece que não dá para saber qual é o volume de reservas da área.

O documento Petroleum Resources Management System [Sistema de Gerenciamento de Recursos de Petróleo, em tradução livre], espécie de diretriz mundial para classificações e estimativas de volumes de petróleo, deixa claro em seu conteúdo o alerta em relação a “recursos”. Organizado por SPE (Society of Petroleum Engineers – Sociedade dos Engenheiros de Petróleo), AAPG (American Association of Petroleum Geologists – Associação Americana de Geologistas de Petróleo), WPC (World Petroleum Council – Conselho Mundial de Petróleo) e SPEE (Society of Petroleum Evaluation Engineers – Sociedade de Engenheiros de Avaliação de Petróleo), o texto é bem claro sobre as incertezas envolvidas no processo:

“Pode haver risco significativo de que acumulações contendo Recursos Contingentes e/ou Recursos Prospectivos não alcancem a produção comercial”.

Um caso recente traz à tona o perigo de euforia com os números: a ascensão e queda da OGX. A empresa cresceu velozmente após a abertura de capital na bolsa, gabando-se de ter cerca de 10,8 bilhões de barris de óleo equivalente em recursos prospectivos e contingentes, mas passou – e ainda vem passando – por sucessivos apertos depois que as perfurações não consolidaram as previsões iniciais. Recentemente, declarou que três de seus campos não eram comercialmente viáveis e fechou agosto e setembro sem produzir uma gota de petróleo, alegando problemas nas operações em Tubarão Azul.

Joao Guilherme Clark, presidente da Ecopetrol no Brasil.

Para Libra, os estudos e as avaliações envolvem muito mais gente, com altíssima qualificação, mas nem por isso os riscos são baixos. O presidente da Ecopetrol, João Guilherme Clark, um dos poucos habilitados para participar do leilão, explica que há tanto recursos contingentes quanto prospectivos na área de Libra. Ele lembra que houve a perfuração do poço, a descoberta do petróleo, a análise do volume, mas ressalva que o prospecto é dividido em dois.

“Tem uma parte da área total que pode ser confirmada pelo poço, essa parte envolve recursos contingentes. Toda a outra parte da estrutura, que é bastante considerável, pode ou não estar preenchida. Então Libra comporta tanto recursos contingentes quanto recursos prospectivos. A ANP está englobando tudo em um volume só. É claro que se acredita que está tudo cheio, mas não se pode afirmar enquanto não furar”, disse.

A própria ANP, em portaria que define os critérios para apropriação e estimativas de reservas, publicada em 21 janeiro de 2000 no Diário Oficial da União, afirma que esse tipo de cálculo sempre envolve incertezas quanto às informações geológicas, de engenharia e às condições econômicas. Em função disso, a agência estabelece que as reservas de petróleo e gás natural de um campo somente estarão formalmente reconhecidas após a aprovação de seu Plano de Desenvolvimento. Quando se tratam de empresas que atuam na bolsa, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) exige que elas divulguem as informações, mas reconhece que não tem nenhuma avaliação técnica para esse tipo de dado, deixando a cargo da ANP fiscalizar esses critérios.

Procurados para comentar as estimativas da ANP, os executivos da Repsol Sinopec estavam na China em reunião do conselho e a assessoria informou que só voltariam no domingo (20). A Shell afirmou apenas que está avaliando a oportunidade que se apresenta com o leilão de Libra, completando: “a companhia prefere não se manifestar sobre reservas estimadas”.

A presidente da Petrobrás, Graça Foster, em entrevista coletiva dada em setembro, disse que se baseava nas estimativas da ANP nas conversas com potenciais parceiros, incluindo os chineses. No entanto, deixou claro que suas informações vão além das fornecidas pela agência:

Graça Foster, presidente da Petrobrás.

“A gente sempre fala nos números da ANP: de 8 a 12 bilhões de barris de óleo equivalente recuperável. Agora, quem perfurou esse poço, centímetro a centímetro, que definiu a locação dele, que conhece cada suspiro desse poço, se chama Petrobrás. Então nós temos mais segurança para crer num número, não como uma religião, mas como uma documentação que é muito mais do que dados. Nós conhecemos muito mais. Então aqueles números que nós compramos da agência para nós são dados”, disse.

Apesar da segurança de Graça em relação ao potencial de Libra, a postura da empresa é bem diferente em relação a outras áreas. No bloco SEAL-11, na bacia de Sergipe-Alagoas, por exemplo, a Petrobrás já perfurou 16 poços, incluindo áreas adjacentes, mas evita falar em números e estimativas de óleo recuperável. A executiva confirmou a descoberta de uma nova província petrolífera na região, mas ainda assim evitou dar detalhes: “Não falamos desses números, porque a Petrobrás é muito zelosa”, disse, em 27 de setembro, explicando que ainda seria necessário finalizar os testes de formação para detalhar as perspectivas.

Mesmo com os grandes riscos e as grandes somas envolvidas, 11 empresas – incluindo a Petrobrás – se inscreveram para o leilão. Na segunda-feira (21), todas elas estarão montadas em suas cadeiras à espera da abertura dos envelopes. Cada uma com um pacote próprio de informações adquiridas, um modelo próprio de avaliação de Libra e as mãos suando enquanto o locutor não anunciar os vencedores. Será um marco para a indústria de petróleo brasileira e mundial. Os números podem variar bastante, assim como a percepção de valor das empresas que saírem vencedoras, mas há uma sensação comum entre os executivos das petroleiras:

“Quaisquer que sejam as avaliações de cada companhia, uma coisa é certa: todas acreditam que há muito petróleo em Libra”, afirma João Clark.

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