EX-SUPERINTENDENTE DE GÁS DO RIO APONTA FALHAS NOS PLANOS DO GOVERNO PARA DIMINUIR O PREÇO DO PRODUTO
Por Davi de Souza (davi@petronoticias.com.br) –
Um dos assuntos que mais movimentaram o mercado nas últimas semanas foi o plano do governo federal para ampliar a concorrência do setor de gás natural. Além disso, nas palavras do ministro da Economia, Paulo Guedes, a ideia é promover um “choque de energia barata” e diminuir o custo do gás no país. A intenção é boa e válida, mas os meios para alcançar o objetivo não são unanimidade. Para o engenheiro Antonio Gerson de Carvalho (foto), ex-superintendente de Gás do Estado do Rio de Janeiro, a conta não está fechando. “A Petrobrás já foi obrigada a vender suas transportadoras de gás natural, que controlam os gasodutos e transportam cerca de 40% do gás usado no país. Vendeu ainda os gasodutos e passou a pagar para usá-los”, lembrou. “E aí, o governo ainda diz que o preço do gás vai cair 40%. Como? Se a Petrobrás vai ter que pagar para transportar esse gás”, completou Carvalho. O especialista ainda lembra que o Brasil é um país com dimensão continental, mas que conta com uma malha muito pequena de dutos. “É necessário investir. E, quem sabe, mais a frente, quando o país tiver muitos quilômetros de rede possa haver esse tipo de concorrência. Mas hoje, o que nós precisamos é de crescimento e aumentar o volume de gás consumido com segurança”, opinou.
Como avalia as mudanças propostas pelo governo?
O governo federal baixou uma resolução [sobre a abertura do mercado de gás] e o Ministro da Economia, Paulo Guedes, fez a propaganda dessa medida, que ele está chamando de “Novo Mercado de Gás”. Segundo o ministro, os monopólios vão acabar; teremos livre concorrência, com novos agentes atuando no setor; os preços vão cair; o consumo de gás vai crescer; os usuários vão receber um serviço de melhor qualidade; etc. O que impressiona é que já assistimos este filme no passado e não teve sucesso. No meu entendimento, é até uma falta de originalidade usar esses argumentos.
Poderia falar mais sobre estas tentativas anteriores de abertura do mercado?
Embora os atores sejam outros, o enredo e os discursos são os mesmos no final da década de 1990. Já faz 21 anos do que foi chamado de abertura do mercado de gás, feito com as privatizações das empresas de gás canalizado de Rio de Janeiro e São Paulo, que são ainda o filé mignon, isto é, os dois maiores mercados do país.
Passado todo este tempo, os monopólios ainda não acabaram. Isso porque não tem como acabar. Ninguém vai construir outra rede de gás para alguém optar entre uma ou outra. As empresas privadas internacionais entraram no mercado e o monopólio do Estado passou a ser um monopólio privado. As tarifas não reduziram. Elas foram majoradas para cima no momento das privatizações e estão sendo reajustadas desde então. Hoje, o gás canalizado é uma energia cara. O consumo não cresceu como o esperado. A evolução do consumo durante esses anos foi pífia. E qualidade dos serviços também não melhorou. Ou seja, já vimos esse filme no passado.
Existe também a proposta para a Petrobrás vender as suas ações nas distribuidoras estaduais. Como enxerga isso?
São argumentos do passado. Dizem que os resultados serão diferentes e que não haverá “toma lá da cá”. Mas, ao mesmo tempo, o governo acena com incentivos para aqueles que privatizarem. Os Estados que aderirem ficariam qualificados para receber recursos da União que virão da venda dos campos maduros da Petrobrás e os da Cessão Onerosa. É terrível ouvir este tipo de falácia sem poder contestar.
A Petrobrás já foi obrigada a vender suas transportadoras de gás natural, que controlam os gasodutos e transportam cerca de 40% do gás usado no país. Vendeu ainda os gasodutos e passou a pagar para usá-los. É um negócio da China para os novos donos desses ativos, que não investiram nada para construir os dutos. E aí, o governo ainda diz que o preço do gás vai cair 40%. Como? Se a Petrobrás vai ter que pagar para transportar esse gás… Não sei que mágica será feita.
Se a Petrobrás terá que pagar pelo transporte de gás e, ao mesmo tempo, o governo quer reduzir o preço do combustível, não seria o caso de uma “conta que não fecha”?
Não fecha mesmo. O Termo de Compromisso de Cessação que a Petrobrás foi obrigada a assinar com o CADE amarra isso tudo. Ele obriga que a Petrobrás faça a venda dessas transportadoras, inclusive da TBG – que é a controladora do Gasoduto Bolívia-Brasil (Gasbol). O contrato com a Bolívia encerra agora em 2019. Estão apostando que vão tirar a Petrobrás desse negócio para outros concorrentes entrarem. Seria outra operação criminosa. Eu não acredito que haverá redução nos preços do gás. A Petrobrás terá que vender ainda os terminais de gás natural liquefeito.
O Brasil passou a ter necessidade de importar, além do gás da Bolívia, gás natural na forma liquefeita por conta da crise de energia de 2001. Então, foram construídas usinas termelétricas – que fizeram a conta de energia do Brasil ser uma das mais caras do mundo. As termelétricas são grandes consumidoras de gás e consomem cerca de 20 milhões de metros cúbicos (m³) por dia dos 60 milhões de m³ diários que são distribuídos no país.
Que outras medidas o governo poderia adotar para reduzir o preço do gás?
Uma alternativa é dar um passo atrás nesse processo. Somos um país continental e a rede de gasodutos é pífia no Brasil. Aqui no Rio de Janeiro existem muitos lugares que sem natural canalizado. Há tanto o que crescer e isso deve ser uma obrigação de empresas de Estado e não da iniciativa privada. Não é a hora de procurar somente o lucro. É necessário investir. E, quem sabe, mais a frente, quando o país tiver muitos quilômetros de rede possa haver esse tipo de concorrência. Mas hoje, o que nós precisamos é de crescimento e aumentar o volume de gás consumido com segurança.
Uma das principais preocupações com o Novo Mercado de Gás é a criação de monopólios privados?
A criação de monopólios privados seria o mais grave dos problemas, porque vai onerar. No passado, foram criadas agências reguladoras para fiscalizar esses serviços. Mas essas agências são inoperantes. Não temos órgão fiscalizador. Ficaremos à mercê do monopólio privado e sem nenhuma fiscalização eficaz para ajudar os consumidores. Isso será bastante complicado, além do fato de que são investimentos necessários que o Estado precisa fazer, mas a iniciativa privada não fará porque são de retorno muito lento. Ficaremos estagnados. Não vai crescer o uso, a não ser nesses grandes consumidores, como termelétricas. Isso vai onerar nossas contas de energia elétrica mais tarde.
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Finalmente alguém falando o óbvio. O mercado do gás foi alterado para beneficiar firmas mas não para reduzir preço.