FALTA DE COORDENAÇÃO, ESCASSEZ DE DINHEIRO E PRECONCEITO CONTRA ESTRANGEIROS ATRASAM NOSSO PROGRAMA NUCLEAR | Petronotícias




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FALTA DE COORDENAÇÃO, ESCASSEZ DE DINHEIRO E PRECONCEITO CONTRA ESTRANGEIROS ATRASAM NOSSO PROGRAMA NUCLEAR

angra-3A Eletronuclear anunciou que garantiu um empréstimo-ponte de R$ 800 milhões para financiar os investimentos necessários para a prorrogação da licença de operação da usina nuclear Angra 1. A medida é parte de uma estratégia da empresa para estender a vida útil da usina por mais 20 anos. Mas, na verdade, o principal foco da companhia e de toda cadeia envolvida com o Programa Nuclear  Brasileiro é garantir a conclusão da Usina Nuclear Angra 3. Além disso, o setor quer começar o desenvolvimento de um programa de construção de novas usinas, usando os projetos vitoriosos em todo mundo dos Pequenos Reatores Nucleares (SMRs). Esses reatores possibilitam construções mais rápidas, possuem custos reduzidos e oferecem geração de energia limpa e firme, até mesmo em regiões remotas do Brasil. Mas a realidade econômica do nosso país parece não poder garantir esses investimentos. A grande alternativa seria a possibilidade de participação de empresas estrangeiras reconhecidas internacionalmente, com ações responsáveis. Mas será que o governo brasileiro estaria disposto a fazer isso? Será que esta política daria certo?

Submarino Humaitá

Submarino Humaitá- PROSUB

A resposta é simples: basta olhar o PROSUB e ver o sucesso alcançado nas construções dos quatro novos submarinos com propulsão diesel-elétrica da Marinha brasileira, em conjunto com empresas privadas francesas, sob o guarda chuva e a garantia do governo francês. Esse programa inclui ainda o desenvolvimento do primeiro submarino de propulsão nuclear do Brasil. O protótipo do reator da unidade (chamado de Bloco 40 do Labgene), inclusive, já em desenvolvimento na NUCLEP.

RADIOFARMACOSA negativa constitucional da participação de empresas brasileiras no nosso programa nuclear é um misto de preconceito e falácia. Afinal, todos os reatores em operação no Brasil são estrangeiros. Com venda e participação de companhias estrangeiras privadas que operam sob licença no nosso país. Algumas delas ainda fornecem combustíveis e até mesmo os radiofármacos (foto à esquerda). Qual seria a dificuldade de se aceitar que esse modelo ganhe mais musculatura, abrindo a possibilidade de empresas estrangeiras financiarem o projeto e venderem a energia dentro do país? Essa já é uma realidade na construção de usinas hidrelétricas, térmicas a gás, na geração, transmissão e distribuição de energia em nosso país. Por que essas empresas não podem fazer o mesmo na construção de usinas nucleares? O mundo está cheio de exemplos de sucesso. É um modelo que poderia ser empregado até mesmo na construção do Reator Multipropósito Brasileiro (RMB), que será estratégico e de extrema importância para fabricação de radiofármacos para uso da medicina nuclear.

alexandre-silveiraO Petronotícias ouviu algumas personalidades importantes que estão lutando há anos pela derrubada deste preconceito, que acaba colocando o Brasil num patamar inferior internacionalmente do ponto de vista estratégico e de desenvolvimento técnico e profissional. A falta de coordenação dentro do governo é  uma realidade cristalina. Só não vê quem não quer ver. Procuramos ouvir o Ministro Alexandre Silveira (foto à direita), de Minas e Energia, que seria importante para todo o mercado. Até agora, no entanto, não recebemos a sua resposta. Ouvimos em primeiro lugar a Associação Brasileira para Desenvolvimento de Atividades Nucleares (ABDAN), que vem há anos batalhando por essa mudança constitucional do Brasil. A ABDAN reúne as maiores e as principais empresas do segmento em nosso país, participa e até organiza os eventos internacionais dentro do Brasil.

celsoA associação se expandiu e ganhou prestígio no restrito mundo nuclear, tornando-se em uma entidade reconhecida pela Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA); pela Agência Internacional de Energia (AIE) e pela Associação Mundial de Energia Atômica (WNA). Celso Cunha (foto à esquerda), que preside a ABDAN, tem uma visão particular deste momento em que o Programa Nuclear brasileiro parece patinar, com todos esperando a decisão de retomar as obras de Angra 3, que será estratégica para o Brasil. A sua posição parece representar com fidelidade a real opinião do mercado:

“Eu colocaria um ponto nevrálgico, que é a coordenação do setor nuclear. Se o governo não consegue fazer uma coordenação do setor nuclear, isso se tona um problema  problema sério. Cada entidade do governo pensa de maneira diferente, de acordo com a torcida do seu time. Cada um com a sua convicção própria e não com a convicção do todo. Existe uma dificuldade enorme de coordenação dentro do governo com esta pauta. Nós temos trabalhado isso fortemente. Além da questão mística que existe em torno do tema, além de outros interesses econômicos, nós ressaltamos este problema de coordenação, que é muito sério.

Veja por si só, o Brasil tem a maior reserva de urânio do mundo. O mundo está precisando de urânio e nós sabemos disso, mas não estamos fazendo coisa nenhuma para produzir urânio e combustível internamente e exportar para o mundo. Uma dificuldade enorme neste sentido. O mundo não tem HALEU (urânio enriquecido entre 5% e 20%). Então, daqui a pouco, os SMRs vão entrar em operação e não tem HALEU. E nós poderíamos estar avançando com esta questão de produção. Mas o que temos são projetos isolados. Projetos de ministérios ou de pessoas. E ainda por cima, temos resistências de outros ministérios do mesmo governo, sob a ótica e a influência de outros países que não querem o avanço da energia nuclear. Então, eu acho extremamente importante falar sobre este problema de coordenação que já existe. Precisamos desta coordenação”.

A Eletronuclear, que hoje é presidida por Raul Lycurgo, precisa também estar focada na conclusão das obras de Angra 3. A empresa estima que serão necessários mais de R$ 20 bilhões para finalizar a planta, sendo que a maior parte desse montante deverá ser financiada por um consórcio de bancos, em uma operação com prazo entre 16 e 20 anos. Todos dizem que desistir de Angra 3 não é uma opção, pois os investimentos já realizados na usina somam R$ 14 bilhões, e a conclusão do projeto é considerada crucial para o setor energético brasileiro.

O Petronotícias ouviu também o ex-presidente da Eletronuclear, Leonam Guimarães (foto à direita), que é o atual Diretor Técnico da Abdan e representante da Agência Internacionalleonam de Energia Atômica no Brasil. Ele disse que:

“A entrada de empresas privadas no programa nuclear brasileiro e na conclusão de Angra 3 pode trazer benefícios como novos investimentos, tecnologia avançada e expertise internacional. Isso pode acelerar a conclusão de Angra 3, melhorar a eficiência e segurança dos projetos e ter um impacto econômico positivo. No entanto, é essencial que haja uma regulamentação rigorosa para garantir a segurança das operações, bem como uma gestão transparente e uma definição clara de responsabilidades entre os setores público e privado. Além disso, é necessário abordar questões políticas e sociais para obter apoio da população e dos legisladores.

Para a  participação de empresas privadas no programa nuclear brasileiro e na conclusão de Angra 3, há alguns pontos a considerar:

  1. Experiência e Investimento: Empresas privadas podem trazer experiência técnica e financeira para o projeto, o que é crucial para a conclusão de Angra 3, dado o histórico de atrasos e desafios financeiros enfrentados.
  2. Eficiência e Inovação: A presença de empresas privadas pode introduzir novas tecnologias e métodos mais eficientes, potencialmente acelerando o projeto e reduzindo custos.
  3. Riscos e Regulação: A entrada de empresas privadas pode levantar questões sobre regulação e segurança. É essencial que haja um controle rigoroso para garantir que os padrões de segurança e proteção ambiental sejam mantidos.
  4. Diversificação de Recursos: O envolvimento do setor privado pode ajudar a diversificar as fontes de financiamento e reduzir a dependência de recursos estatais, o que pode ser benéfico em termos de gestão financeira e continuidade do projeto. Esses são alguns aspectos importantes a serem considerados na análise da participação de empresas privadas no setor nuclear brasileiro.

bentoO Petronoticias ouvir ainda a posição do ex-ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque (foto à esquerda), um estudioso e profundo conhecedor do Programa Nuclear Brasileiro:

Primeiro é importante mencionar que nos últimos 50 anos houve uma expansão extraordinária na geração e participação das energias renováveis e limpas na matriz energética brasileira, em particular na matriz elétrica, onde essas fontes representam, hoje, quase 90% do total.

O Brasil é uma referência mundial. Nessa avaliação ampla, destaco em especial, a garantia da atração de investimentos com segurança jurídica e regulatória, além de governança e coordenação para que o setor de energia possa garantir a segurança do suprimento com sustentabilidade ambiental e a capacidade de pagamento dos consumidores.

Novas tecnologias possivelmente afetarão tanto a oferta quanto o consumo de energia no Brasil nos próximos anos.  O avanço tecnológico em fontes de energia renovável e limpa será cada vez maior, com a utilização de equipamentos mais eficientes, de menores custos e com característica de recursos descentralizados. Há ainda o desenvolvimento de tecnologias que poderão ser viáveis no médio e longo prazo como pequenos e minis reatores nucleares;  os principais obstáculos que o Brasil precisa superar para garantir um futuro energético  está no conceito de sustentabilidade energética  que pode ser apresentado pela capacidade de atender à demanda, resiliência para adaptação a situações adversas e redução de dependência de recursos importados.

É preciso, de forma mais urgente, modernizar o marco regulatório do setor elétrico brasileiro. O modelo atual data de 20 anos atrás e o setor se transformou significativamente nesse período. Precisamos rever as regras, principalmente comerciais, para tratarmos de forma adequada o cenário atual de novas tecnologias, abertura do mercado, novas necessidades e exigências dos consumidores. A rota que estamos é absolutamente insustentável. Precisamos melhorar os processos de licenciamento ambiental de projetos de infraestrutura. A complexidade, a imprevisibilidade e a demora dos processos atuais são barreiras significativas para novos investimentos.

Deputado Julio Lopes

Deputado Julio Lopes

O Deputado Júlio Lopes (foto à direita), que é o Presidente da Frente Parlamentar Nuclear na Câmara, em Brasília, diz que “acredito que esse é o caminho e que temos de trabalhar firme e duro para que a participação privada aconteça o quanto antes.” Nós ouvimos também o presidente da Rosatom para a América do Sul, Ivan Dybov. A Rosatom é uma empresa grande estatal russa, mas que participa em diversos negócios pelo mundo em ações ativas do setor nuclear. Seja fazendo projetos, vendendo reatores, construindo centrais com usinas nucleares, produzindo combustível ou fabricando Radiofármacos para a medicina nuclear. Aliás, o Brasil importa da Rosatom a maior parte dos radiofármacos usados no país. Ivan Dybov (foto abaixo, à esquerda) diz que:

 

ivan“A oferta abrangente da Corporação Estatal de Energia Atômica Rosatom inclui uma ampla gama de soluções flexíveis que permitem a implementação mais eficiente de projetos na área de energia nuclear, de acordo com as necessidades de cada cliente. Nossa experiência de implementação bem sucedida em grandes projetos internacionais demonstra que estamos dispostos a considerar diferentes modelos de implementação de projetos de construção de usinas nucleares de design russo.

Confiamos na segurança e na eficiência econômica de nossas tecnologias, por isso estamos dispostos a participar ativamente na implementação de projetos conjuntos com empresas públicas e privadas no Brasil.

Gostaríamos de sublinhar que, na nossa experiência, a implementação de um projeto de construção de uma usina nuclear é impossível sem a participação e apoio do projeto ao mais alto nível por parte do governo do país cliente. Essas medidas de apoio também incluem garantias do estado para todos os participantes do projeto.”

Outra empresa com forte atuação no setor nuclear é a estatal francesa Framatome. A companhia é proprietária de usinas nucleares da França, que dispõe de 85% de sua energia gerada com basealex nuclear, e também participa no mundo de diversos empreendimentos neste setor. A empresa já atua no Brasil há vários anos. O diretor para a América do Sul da Framatome, Alexandre Honaiser, disse que:

“ Somos os projetistas de Angra 3 e estaremos apoiando a Eletronuclear sempre. Temos contratos ativos de serviços, fornecimento de material e garantias e nosso compromisso é completá-los. Quanto ao processo de seleção do EPCista para completar a obra, estaremos alinhados com empresas brasileiras de grande porte visando gerar empregos e qualificar mão de obra especializada local.”

amazulA AMAZUL, que acaba de comemorar 11 anos, traz também muitas atividades na área nuclear. A empresa tem o reconhecimento como Instituição de Ciência, Tecnologia e Inovação (ICT) da Marinha do Brasil, um marco que permitirá à companhia receber receitas diretamente dos contratos de serviços prestados, promovendo maior autonomia financeira e colaboração com outras ICTs. Ao completar 11 anos, a AMAZUL reafirmou seu compromisso com a inovação, a sustentabilidade e o fortalecimento da Defesa Nacional, de acordo com os objetivos sublinhado pelo seu presidente Newton Costa (foto à esquerda), que também participa desta reportagem trazendo a sua opinião:

“Entendo que a participação de empresas e de investimento privado no setor nuclear é uma tendência e se trata de uma transformação importante para acompanharmos o desenvolvimento das novas tecnologias e inovações. O Estado não tem capacidade de investimento e não dispõe de mão de obra qualificada em quantidade suficiente para atender às demandas do setor. Entendo também que o Estado deve ser forte e ter o monopólio da normatização e da fiscalização, a fim de garantir a segurança, sem travar o desenvolvimento e o crescimento do setor.”

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Dráusio Lima AtallaRedação PetronotíciasBernardino Nilton do Nascimento Recent comment authors
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Bernardino Nilton do Nascimento
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Bernardino Nilton do Nascimento

Trabalhei na Montagem da Usina de Angra 1 e 2 com uma diferença de uma para outra em torno de 20 anos e já passa dos 20 para montagem de Angra 3. Nesse ritmo não tem como passar as experiências que dar agilidade e produtividade na montagem eletromecânica que são extremamente diferentes de qualquer outra obra. Com a entrada da iniciativa privada haverá uma sequência da mão de obra não só na construção e montagem como incentivo para futuros técnicos e engenheiros de operação e manutenção. Mais dois ou três anos sem iniciar Angra 3 praticamente não teríamos mais ninguém… Read more »

Dráusio Lima Atalla
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Dráusio Lima Atalla

Ontem fiz um comentário sobre este artigo. Será publicado?

Dráusio Lima Atalla
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Dráusio Lima Atalla

Angra 3 é um projeto alemão da década de 1970. Carrega virtudes e fragilidades. Essencialmente buscou-se a excelência através da complexidade. Como um típico produto alemão a usina apresenta forte dose de sobre engenharia. Sua complexidade não tem paralelo na indústria nuclear. Adicionalmente é de grande porte, 1400 MWe, elevando excessivamente o capital inicial, que vem a ser a maior fragilidade nuclear. Riscos de engenharia, licenciamento, localização,aquisição, construção, todos são intensificado pelo binômio complexidade excessiva e desnecessária e imensa potência. Atrasos no EPC e licenciamento concorrem para o aumento de juros durante a construção, eventualmente colapsando o fluxo de caixa… Read more »