FUTURO DAS CONTRATAÇÕES DA PETROBRÁS DEVE SER MODELO HÍBRIDO ENTRE O ATUAL E A LEI DE LICITAÇÕES
Por Daniel Fraiha (daniel@petronoticias.com.br) –
A enxurrada de denúncias envolvendo a Petrobrás, com novas páginas de uma novela policial sendo escritas a cada dia, trouxe diversos temas para o centro das discussões nacionais, e um deles, que deve ganhar bastante atenção nas próximas semanas, é a avaliação dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre um decreto, editado em 1998, que permite à Petrobrás contratar sem atender às regras da Lei das Licitações, a famosa Lei 8.666. O texto foi produzido na época da abertura do setor de petróleo brasileiro, junto com a passagem da Petrobrás de capital estatal para capital misto. Apesar de ainda ser controlada pelo governo, a empresa mudou de patamar na época, e usou isso para se livrar das amarras da lei de licitações. Após a oficialização do decreto, o Tribunal de Contas da União (TCU) avaliou, em uma decisão formal, que a Petrobrás deveria seguir a lei 8.666. A empresa levou o caso ao Supremo, que não chegou a apreciar o mérito da questão em decisão colegiada, mas escolheu a ex-ministra Ellen Gracie como relatora. Ela então concedeu uma liminar, que se seguiu a outras em casos similares posteriores, e desde então a estatal não teve mais conflitos com a lei. Agora, com todos os problemas que surgem, o assunto voltou ao centro das atenções. O advogado José Eduardo Junqueira Ferraz, sócio do escritório Junqueira Ferraz advogados, e também professor de direito do Ibmec e da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro, acredita que a Petrobrás realmente precisa ter uma maleabilidade maior do que a prevista na lei das licitações para contratar, mas reconhece que o modelo atual se mostrou falho. Agora, ele entende que o TCU e o STF devem unir esforços para encontrar um modelo intermediário, que poderia servir de base para o legislativo criar uma nova lei, voltada especificamente ao caso da Petrobrás.
O que diz a decisão judicial que permite à Petrobrás contratar sem atender aos requisitos da Lei de Licitações?
Foi instituído um decreto, ainda no governo Fernando Henrique, que não isenta a obrigatoriedade da licitação, mas estabelece procedimentos mais simplificados do que os da lei 8.666, que é a Lei de Licitações. Quando foi publicado o decreto, começou a ser discutida a questão, que chegou ao STF. Lá, a ministra Ellen Gracie concedeu uma liminar garantindo a validade dele até que o mérito fosse apreciado pelo colegiado do Supremo. Então, o procedimento simplificado é que pretensamente é objeto dessa discussão sobre até que ponto ele coloca em risco as contratações da Petrobrás.
Até que ponto coloca em risco, na sua visão?
No meu entendimento pessoal, ele dá muita margem de manejo ao administrador na hora das contratações. Essa justificativa técnica sempre se deu com base no fato de a Petrobrás ser uma empresa de economia mista. Porque o governo editou o decreto? A Petrobrás é de economia mista e tem concorrência com empresas eminentemente privadas. Entendeu-se que submetê-la aos regimes formais resultaria num forte prejuízo para sua atividade, já que é um mercado muito dinâmico e as amarras de contratação da lei 8.666 são muito firmes. Então levaria a procedimentos muito lentos, formais e onerosos para as contratações da Petrobrás. Isso poderia inviabilizar o dinamismo necessário para ela concorrer – esse foi o fundamento jurídico que balizou o decreto.
Na minha opinião, essa fundamentação é absolutamente correta. O que talvez fosse interessante nesse momento seria buscar um regime intermediário entre a lei 8.666 e o decreto. Nem tão simplificado, nem tão complexo e moroso como a 8.666. Tendo um controle mais rígido, sem que isso implicasse na estagnação contratual da empresa.
Em que casos a Petrobrás pode contratar seguindo o decreto?
Para contratações em que ela seja a contratante, incluindo obras, serviços, compras e alienações.
A decisão que permitiu isso já foi contestada?
Já, pelo Ministério Público. Mas a ex-ministra Ellen Gracie, depois de ser escolhida como relatora do primeiro caso, passou a receber as contestações do TCU sobre esta questão, e concedeu liminares a favor da Petrobrás. O TCU é absolutamente contrário à legalidade desse decreto. Ele entende que todos os procedimentos de contratação da Petrobrás deveriam ser submetidos à Lei 8.666. Com base em uma decisão do TCU, que obrigou a Petrobrás a seguir a lei 8.666, a empresa entrou com um mandado de segurança no STF e obteve a liminar para suspender os efeitos da decisão do Tribunal de Contas que a obrigava a adotar esse regime.
Depois da aposentadoria dela teve algum caso similar?
Na verdade, o que está sendo discutido agora é a análise do mérito do caso no colegiado do STF. Ainda não tem data marcada, mas a tendência é que será no primeiro semestre de 2015.
Como o meio jurídico se posiciona em relação ao caso?
Sempre houve uma dualidade de entendimentos, entre o TCU e o STF. Os ministros, liderados pela liminar da ministra Ellen Gracie, entenderam que a atividade típica da Petrobrás necessitaria dessa maleabilidade para contratar. O TCU nunca concordou, achando que as amarras de controle eram falhas, permitindo que fraudes eventualmente fossem perpetradas. Mas, em contrapartida, o Supremo sempre entendeu que a atividade típica da Petrobrás, por ser de economia mista, justificava essa menor formalidade nas suas contratações. Então sempre houve um choque frontal no entendimento. O que ficou comprovado agora é que o sistema é um sistema falho. Acho que a tendência agora seria uma convergência entre o STF e o TCU, chegando a um modelo hibrido entre os dois.
Como poderia ser esse modelo híbrido?
Talvez estabelecer alçadas de contratação em relação a valores. Colocando uma distribuição qualitativa de formalidades, mais acentuadas para contratações mais onerosas e de maior risco, e um modelo mais simplificado para as menos complexas e de menores valores envolvidos.
Já houve alguma negociação neste sentido?
Não. É difícil achar uma posição de convergência entre os entendimentos, mas toda essa polêmica criada agora forçará o TCU e o Supremo a unirem esforços para aproximar suas contribuições. Se o modelo simplificado possibilita a realização de fraudes, a rigidez da lei 8.666 reduz a competitividade da empresa. Na fotografia atual, teríamos duas certezas bastante firmes, o que sugere a necessidade de um regime intermediário entre as duas tendências.
Como seria isso em termos práticos no dia a dia da Petrobrás?
Não se pode mais cogitar um modelo que vai gerir todas as contratações. Elas devem ser divididas qualitativamente, e, de acordo com o objeto da licitação, cria-se um modelo de regras para cada caso.
Essa formula não deveria ser uma lei?
Sim. Tem que ser editada uma lei. Seria um papel do legislativo. Mas, se o supremo entender que a via é essa, o parlamento pode editar uma lei neste sentido. O colegiado pode precipitar a discussão de uma nova lei. Ele vai se posicionar acerca de prestigiar ou não a lei 8.666. Se ele derrubar a liminar da Ellen Gracie, vai obrigar a Petrobrás a contratar por ela.
Interessante notar que o mundo trabalha com a matriz complexidade de mercado x criticidade do item.
Melhor seria separar por categorias, ao invés de valores? Comprar 100 mi caixas de papel tem valor alto, mas complexidade de mercado e criticidade baixa. Também, o TCO, a compra pelo custo total, quando envolve custos de projeto, manutenção, partes e peças, operação, etc para decisão. Apenas uma opinião.