GÁS NÃO CONVENCIONAL PODE MARCAR NOVO MOMENTO DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
Por Daniel Fraiha / Petronotícias
Depois que o gás não convencional começou a ser explorado nos Estados Unidos, o mundo abriu mais os olhos para essa nova forma de explorar hidrocarbonetos e os próximos anos prometem uma corrida internacional em direção a este mercado. A ANP já começa a fazer cálculos de reservas recuperáveis no Brasil, e os números espantam. Enquanto as reservas atuais do Brasil estão em 16 trilhões de pés cúbicos (TCF), podendo chegar a 30 TCF com o pré-sal, apenas em três bacias (Parecis, Recôncavo e Parnaíba) o volume de gás não convencional pode chegar a 200 TCF. O presidente do conselho administrativo da consultoria Gás Energy, Marco Aurélio Tavares, explicou todos os detalhes sobre o gás não convencional, suas perspectivas no Brasil e as consequências que podem ter as novas descobertas no país. Tavares acredita, inclusive, que pode ser a oportunidade para a criação de uma grande indústria de gás brasileira e de uma forte impulsão no desenvolvimento do Brasil.
O que é o gás não convencional?
Existem três tipos de gás não convencional. O mais conhecido é o gás de xisto (shale gas), que ficou famoso pelo boom recente de produção nos Estados Unidos. Além dele, existem o Coal Bed Methane (CBM) e o tight gas. O tight também existe em grande quantidade nos EUA. Mas o que define esses três tipos como não convencionais é a baixa taxa de recuperação, que fica em cerca de 20%, enquanto o gás convencional tem uma taxa de recuperação de 70%.
Quando começou a exploração?
No inicio dos anos 2000, depois de muita pesquisa, os EUA começaram a introduzir novas tecnologias, que tiveram uma inflexão em 2005, e dai em diante começaram a aumentar a taxa de recuperação. Com o mesmo investimento num poço, áreas muito maiores podiam ser exploradas, o que se transformou numa febre nos EUA e levou a um preço de gás muito baixo lá, porque há um excesso de produção. Como eles já tinham a infraestrutura organizada, o problema era produzir de forma econômica.
A produção do gás não convencional é mais barata do que a produção do convencional?
Geralmente ele fica em terra, então é mais econômico (do que a produção offshore), mas precisa de investimentos altos para recuperar. Normalmente, um poço offshore tem 10, 12 anos de vida, enquanto os poços de gás não convencional têm dois anos de vida e começam a decrescer. Então tem que continuar investindo bastante.
Quais são as perspectivas de exploração do gás não convencional no Brasil?
Não temos ainda um modelo para desenvolvimento deste gás no Brasil. É preciso fazer algumas alterações para regular este mercado. No entanto, já temos alguns dados prévios, referentes a uma estimativa feita pela ANP. Eles compararam rochas e dados sísmicos com os EUA, e fizeram um cálculo para o volume recuperável das bacias do Parnaíba, do Recôncavo (Bahia) e de Parecis (Mato Grosso), chegando a um total de 200 trilhões de pés cúbicos (TCF). Além disso, a ANP sabe que também existe gás não convencional nas bacias do Solimões, de São Francisco e do Paraná, mas não fez uma estimativa ainda. A estimativa não oficial da Agência Internacional de Energia (AIE) calculou que nossas reservas tenham mais de 600 TCF.
Qual a reserva de gás convencional recuperável no Brasil hoje?
Temos reservas provadas de cerca de 16 trilhões de pés cúbicos hoje (TCF), devendo chegar a 30 TCF com o pré-sal, então podemos ver que os números do gás não convencional chamam bastante atenção. Para se ter uma ideia, um TCF é o equivalente ao consumo de 4 milhões de metros cúbicos de gás por dia ao longo de 20 anos. O Brasil hoje importa, por exemplo, cerca de 30 milhões de metros cúbicos por dia da Bolívia, o que equivale a 8 TCF ao longo de 20 anos. Então quando se diz que o Brasil tem 200 TCF só nessas três bacias, é um volume enorme de gás.
Já existem empresas explorando esse gás aqui?
No Brasil, ainda não temos produção de gás não convencional, mas já houve licitação de blocos exploratórios – na 7ª e na 10ª rodadas da ANP – em que se encontrou este tipo de gás. Encontraram-se indícios dele em perfurações na bacia do Parnaíba, no Maranhão, e na bacia de São Francisco, em Minas Gerais, então existem empresas caminhando para essa exploração.
Quais são elas?
As principais são a Petra Energia, que tem muitos blocos na bacia de São Francisco, onde perfurou e encontrou gás não convencional – mais do tipo tight gas, mas aparentemente tem shale também. A OGX, que já está produzindo gás convencional, mas no futuro deve aumentar a produção com gás não convencional. Além da Shell, da Petrobrás, da Orteng, da Cemig e da Imetame, que estão se organizando para começar a produzir, mas ainda devem levar de três a cinco anos para isso. A Petra falou semana passada em um seminário que pretende começar a produzir em 2015.
Qual a relação de custo de produção entre o gás natural convencional e o não convencional?
Vai depender da área, se estamos falando de produção em terra ou em mar, mas a AIE fez uma avalição chegando à conclusão de que a produção de gás convencional fica entre 3 e 5 dólares por milhão de BTU (unidade de medida do gás) em terra, enquanto o não convencional vai de 4 a 7 dólares por milhão de BTU. Hoje a Petrobrás vende o gás por 9 dólares o milhão de BTU, e pagamos 10 dólares à Bolívia pela mesma quantidade. A distribuidora põe mais 4 dólares no preço e a indústria acaba pagando 13, 14 dólares por milhão de BTU, enquanto nos EUA, considerando todos os custos, eles pagam cerca de 5 dólares. A falta de competição no Brasil é muito danosa para a indústria.
A técnica de fraturamento hidráulico (utilizada na extração do gás não convencional) está gerando polêmica. Falam-se em riscos de afetar os lençóis freáticos e em risco de terremotos. Como vê a questão?
Na verdade, existem estudos sérios sobre isso. Um deles, feito pela AIE, mostra claramente que a tecnologia de produção hoje é mais do que suficiente para fazer essa produção de forma segura. O lençol freático está a 100 metros de profundidade e a perfuração é a 3 mil, 4 mil metros de profundidade. Pode ser que no início, com a produção de empresas pequenas, tenham ocorrido casos em que se fez de forma errada, causando alguma contaminação, mas a indústria desenvolvida contornou todos esses problemas. Outro estudo, do MIT (Massachusetts Institute of Technology), mostrou que em 20 mil poços, em que fizeram levantamento, tiveram apenas 40 problemas ambientais, sendo que desses 40 problemas, todos foram de má operação, erro de completação dos poços, mais para trás no tempo, logo no início dessa exploração, há 15 anos atrás.
Então por que há tanta movimentação contra?
Porque o preço de gás hoje nos EUA caiu muito, e ficou muito mais competitivo do que as energias alternativas. O Al gore, por exemplo, incentiva uma série de órgãos que são contra, sendo que ele tem mais de US$ 1 bilhão investidos em energias alternativas, o que foi afetado pelo boom do shale gas. Então as ONGs que estão fazendo mais pressão nisso estão sendo financiadas por quem está perdendo dinheiro com as fontes alternativas.
Existe inclusive um filme (Promised Land, com Matt Damon) contra a técnica…
O filme do Matt Damon está sendo financiado pelos árabes, um fundo de Dubai, porque, com esse boom de shale gas e do shale oil, a produção dos EUA está subindo muitíssimo, reduzindo a dependência deles em relação aos árabes. Com o aumento da exploração nos Estados Unidos, o país vai reduzir drasticamente a importação de petróleo do Oriente Médio.
E em relação à possiblidade de terremotos?
É outro problema criado. Não tem nenhuma evidência prática disso. As explosões utilizadas nessa produção são as mesmas utilizadas em todos os poços de petróleo ou de gás, não é uma novidade. É obrigado a fazer em qualquer poço para fazer o petróleo fluir.
Algum órgão de defesa ambiental brasileiro já se posicionou em relação a isso?
A ANP está fazendo um trabalho bastante sério sobre isso, e deve gerar uma discussão e uma evolução nesse sentido. Esse agenciamento onshore é feito pelas agências estaduais, com normas específicas para isso, e a ANP está fazendo um estudo para capturar diretrizes para esses tipos de cuidados ambientais, que não têm nada demais, a não ser com o uso da água e o seu aproveitamento.
O que as novas reservas podem representar para o Brasil?
Elas representam a grande possibilidade de o Brasil atingir uma distribuição de gás competitiva, para gerar uma descentralização da produção no país, saindo só da costa. Mas vamos precisar de um plano de longo prazo, que crie condições para esses novos produtores poderem vir. Outro fator são as rodadas da ANP, que precisam ser retomadas. Também devem ser criadas rodadas específicas para esse gás não convencional, para trazer novas produtoras. Temos uma excelente oportunidade para criar uma grande indústria de gás e gerar um grande desenvolvimento no brasil.
Existe um documentário americano, GasLand (Terra do Gás) exibido pelo HBO. Os problemas lá acontecem em operações novas também. Em alguns casos, o gás sai pela tubulação de água.