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GESEL-UFRJ AFIRMA QUE BRASIL PRECISA ADOTAR NOVOS CUIDADOS EM ESTADOS TERMINAIS APÓS O APAGÃO DE AMAPÁ

Por Davi de Souza (davi@petronoticias.com.br) –

nivaldeO pesadelo do apagão no Amapá chegou ao fim na manhã de hoje, 22 dias após o início da crise energética no estado. A retomada da totalidade do fornecimento aconteceu após a energização de um segundo transformador na subestação Macapá, na madrugada desta terça-feira (24). Agora, o setor elétrico brasileiro olha para dentro de si e avalia como evitar que episódios como esse se repitam no futuro. Por isso, vamos conversar hoje com o coordenador-geral do Grupo de Estudos do Setor Elétrico da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Gesel-UFRJ), Nivalde de Castro. Ele aponta alguns aprendizados extraídos a partir deste triste incidente, como a necessidade de investimentos mais robustos em pontos terminais (como o Amapá) e fiscalização mais rigorosa nesses locais mais afastados. “Um ponto fundamental é a característica desses mercados terminais. Então, possivelmente, nos próximos leilões, teremos que ter cuidado especial com Belém, Manaus e outras cidades onde a linha de transmissão acaba”, defendeu. Castro sugere ainda que a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) “revise um pouco a sua metodologia de fiscalização para esses mercados [terminais], de forma que essa fiscalização seja mais próxima em relação à que se estava fazendo anteriormente”. Apesar do apagão do Amapá, o entrevistado defende que o sistema elétrico brasileiro é robusto e que este incidente foi um caso isolado. “O Brasil tem o maior sistema interligado do mundo, com dimensões continentais. Nenhum país do mundo tem 150 mil km de linhas de alta tensão operando de forma integrada. É um sistema muito consistente. Nos últimos 20 anos, apagões e problemas desse tipo foram muito raros”, afirmou.

Como o senhor avalia a estrutura do sistema elétrico brasileiro e a ocorrência deste incidente no Amapá?

Em primeiro lugar, é importante frisar que um acontecimento deste nunca aconteceu antes. O sistema e o setor elétrico têm uma certa robustez e consistência. O Brasil tem o maior sistema interligado do mundo, com dimensões continentais. Nenhum país do mundo tem 150 mil km de linhas de alta tensão operando de forma integrada, como é o caso do Brasil. É um sistema muito consistente. Nos últimos 20 anos, apagões e problemas desse tipo foram muito raros. São problemas graves, porque afetam a população brasileira, as famílias e as atividades produtivas. Mas o sistema está funcionando de maneira bem adequada.

O setor elétrico brasileiro, como agentes, investidores e marco regulatório, tem um modelo construído desde o início do processo de liberalização. Esse processo se deu por uma questão econômica. Houve uma mudança, em todo o mundo, no padrão de financiamento na expansão dos setores elétricos, principalmente em geração e transmissão. Esse modelo não pressupunha mais empréstimos para grandes empresas estatais. Foi um processo de liberalização que não teve nada de ideológico, foi uma mudança de padrão de financiamento. O setor elétrico montou um modelo absolutamente de sucesso e consistente. Desde o primeiro leilão de transmissão até hoje, 20 anos depois, o Sistema Interligado Nacional (SIN) chegou a 150 mil km de linhas de transmissão de alta tensão, o que equivale a quatro voltas completas em torno da Terra.

Importante frisar que o problema [do Amapá] é grave, a população sofre e tem que ser ressarcida de alguma maneira.

O que o Brasil pode extrair de aprendizados a partir deste incidente no Amapá para evitar novos episódios?

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Transformador na subestação de Macapá

Em mercados terminais, em que a linha de transmissão não tem conexão, certamente agora os investimentos serão muito mais robustos. Porque quando ocorre um problema nessas localidades, não há como remanejar o fluxo de energia de outros mercados. Se esse problema acontecesse em uma subestação no meio do Rio de Janeiro, por exemplo, você rapidamente faria um remanejamento. Esse foi um aprendizado muito importante e que talvez não tenha sido considerado pelos padrões de funcionamento do ONS, notadamente com relação ao adiamento sucessivo da manutenção do terceiro transformador da subestação de Macapá.

Outra lição é que a Aneel não pode fazer uma fiscalização tão à distância. A Aneel vai ter uma aprendizagem e o sistema ficará um pouco mais rigoroso, justamente para evitar isso.

Especificamente em relação ao acidente em si, a Aneel está fazendo uma análise técnica sobre o ocorrido. Outras instâncias de poder vão analisar o relatório. A Aneel pode ter contribuído, possivelmente de maneira passiva, com relação ao acidente em si, de não ter buscado mais detalhes com relação a decisão da ONS [sobre o adiamento da manutenção do terceiro transformador]. 

O Tribunal de Contas da União (TCU), o Congresso, o Ministério de Minas e Energia estão acompanhando. O TCU vai analisar o relatório e vai buscar os devidos responsáveis. Tudo indica que o maior responsável é a empresa concessionária, que é um fundo de investimento que adquire empresas em processo de recuperação judicial. Talvez isso seja uma lição: não é qualquer um que pode entrar e assumir uma responsabilidade no setor elétrico.

Esse então é um outro ponto de aprendizado a partir desse acidente?

Sim. Porque não é qualquer um que entra no leilão do setor elétrico. Então, depois de realizado o leilão, com o empreendimento já funcionando, como um fundo desse ganha uma concessão, sem possuir expertise? Além disso, fazendo o possível para reduzir custos e garantir uma diferença em relação à Receita Anual Permitida (RAP). Talvez isso até explique o motivo dessa empresa no Amapá ter postergado tanto a conclusão da manutenção do terceiro transformador, que é uma manutenção muito cara – ainda mais em Macapá. Então, aí está um outro elemento de aprendizagem.

O que o senhor achou daquela decisão – já revogada – que suspendeu os diretores da Aneel e do ONS?

Eu achei uma decisão reprovável. Não possuía nenhuma fundamentação legal e não resolveria o problema. E ainda, no caso do ONS, colocaria em risco o equilíbrio entre a oferta e demanda do Brasil inteiro. É de um non sense de tal ordem que nos leva a fazer a suposição de que existe algum interesse político nisso. Não faz o menor sentido. Foi uma decisão esdrúxula. Nunca aconteceu isso na história do setor elétrico brasileiro.

Um acidente desse tipo não se resolve estalando os dedos. É uma operação de uma complexidade muito grande. Esses equipamentos não estão no “supermercado”. É um transporte logístico quase que militar e demorado. Existem protocolos técnicos para logística e instalação. Dada a importância que a energia elétrica tem para a sociedade moderna, notadamente para o Amapá, que é um estado pobre, acaba existindo uma interferência política muito grande.

Isso cria uma instabilidade no mercado?

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Geradores foram enviados por aviões da FAB para o Amapá para produzir energia de forma emergencial no estado

O setor elétrico exige capital intensivo de longo prazo. Os investidores podem pensar que qualquer juiz vai se sentir no direito de tomar medidas nesse sentido. Isso coloca em risco a estabilidade do setor elétrico brasileiro, que precisa de investimentos maciços, todos feitos por leilão e com concorrência, com contratos de longo prazo. Uma decisão judicial dessa é um absurdo. Por isso, nossa suposição é que essa foi uma decisão de caráter político. Nada explica uma decisão dessa – que não resolveria o problema.

Se o Gesel fosse eventualmente consultado sobre o tema, que sugestões apresentariam para evitar novos problemas do tipo?

O primeiro ponto é que esse foi um acidente raro. Um ponto fundamental é a característica desses mercados terminais. Então, possivelmente, nos próximos leilões, teremos que ter cuidado especial com Belém, Manaus e outras cidades onde a linha de transmissão acaba. É muito importante que sejam feitas análises e leilões para investimentos, dando uma segurança N-3 ou N-4 para que isso não ocorra.

Não vejo problemas no planejamento do setor elétrico e nem no processo de privatização. Tivemos um problema muito grave, mas foi a primeira vez que aconteceu.

Então, onde existir transmissão em linha terminal, o projeto e o rigor técnico podem apontar níveis de segurança, com mais de um transformador e com uma distância maior entre eles. Além disso, determinar que uma subestação não pode ficar sem nenhum transformador disponível.

Isso certamente vai mudar o critério de segurança para esses mercados terminais. Essa é sugestão que nosso grupo pode fazer. Além disso, que a Aneel revise um pouco a sua metodologia de fiscalização para esses mercados [terminais], de forma que essa fiscalização seja mais próxima em relação à que se estava fazendo anteriormente.

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