GOVERNO AVALIA CENÁRIOS COM NOVAS USINAS NUCLEARES NO PAÍS, MAS VÊ DIFICULDADES PARA EXPANDIR FONTE HIDRELÉTRICA
Por Davi de Souza (davi@petronoticias.com.br) –
Na segunda parte da nossa entrevista com o presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Thiago Barral, vamos abordar sobre o futuro de dois tipos de empreendimentos de geração firme de energia. O primeiro deles é o nuclear. Para Barral, existe o desafio de curto prazo que é a conclusão de Angra 3. E o sucesso da estratégia para a conclusão da planta trará à tona a discussão da ampliação do desenvolvimento de novas usinas do tipo no Brasil. “Estamos fazendo estudos de oferta de eletricidade no horizonte de 2050. Em alguns cenários, estamos trabalhando com novas usinas nucleares, para avaliar qual o custo dessa solução em comparação com outras e seu impacto nas emissões”, detalhou. Se o cenário para a geração termonuclear é animador, o mesmo não se pode dizer para as fontes hidrelétricas. “Para você ter ideia, 75% do potencial hidrelétrico mapeado hoje (52 GW) afeta diretamente unidades de conservação ou terras indígenas e quilombolas – áreas legalmente protegidas”, revelou Barral. O gestor ainda acrescenta que o país dificilmente terá condições de contar com usinas de grandes reservatórios em seu planejamento. “Se algumas delas se viabilizarem, serão muito bem-vindas. No entanto, estamos buscando estratégias para contornar essa carência de novos reservatórios”, conclui.
Sobre a energia nuclear, o senhor acredita que a fonte tende a ganhar mais importância daqui para frente?
Existe hoje um desafio de curto prazo que é a viabilização da conclusão das obras de Angra 3. Esse é um desafio grande. Cerca de 60% das obras já foram realizadas. Existe uma discussão sobre o modelo de participação privada na conclusão de Angra 3, para viabilizar a conclusão dessa obra. Angra 3 trará segurança energética e uma geração não emissora de gases do efeito estufa. Mas, o ponto central é que o sucesso da estratégia com Angra 3 também traz à tona a discussão da ampliação do desenvolvimento de novas usinas nucleares no Brasil.
É importante destacar que o componente nuclear contribui para a independência energética, sobretudo porque o Brasil domina o ciclo do combustível nuclear. Além disso, o país possui grandes reservas de urânio. As reservas já provadas sustentariam 10 usinas nucleares iguais a Angra 3.
No que tange a outras dimensões, temos questões do uso da tecnologia nuclear na medicina, pecuária e setor de defesa. É uma série de outras dimensões. Existe uma avaliação, do ponto de vista de política, para colocar na balança os benefícios e o efetivo custo destas escolhas. Estamos fazendo estudos de oferta de eletricidade no horizonte de 2050.
Poderia detalhar como a energia nuclear se encaixa nesses estudos?
Em alguns cenários, estamos trabalhando com novas usinas nucleares, para avaliar qual o custo dessa solução em comparação com outras e seu impacto nas emissões. Tudo isto está sendo feito de uma forma integrada e a decisão final a respeito dessa política e desta continuidade vai depender da comunicação com a sociedade. Esta é uma iniciativa [a construção de novas usinas] que vai perdurar por vários anos. Estamos falando de ciclos longuíssimos de desenvolvimento de projetos (entre 10 e 20 anos). É preciso construir um consenso mínimo a respeito da importância deste tema. Eu acho que esse diálogo com a sociedade e com todos os interessados será fundamental.
O senhor mencionou a questão do prazo para desenvolver as usinas nucleares. Membros desse setor alegam que, em virtude destes empreendimentos exigirem um período de construção superior a 10 anos, as plantas nucleares ficam de fora dos Planos Decenais. Como o senhor avalia a possibilidade de ampliar o prazo dos Planos Decenais?
Existem vários instrumentos que vão auxiliar o planejamento e a formulação das políticas energéticas. O Plano Decenal é um deles. Ele tem um olhar, praticamente, de curto prazo. Para se ter ideia, 40% da expansão de geração do Plano Decenal já se encontra contratada. Ele é um instrumento de ajustes na trajetória de expansão, no sentido de garantir que no momento de definição dos leilões de energia, tenhamos informações suficientes para garantir a segurança do suprimento de energia e competitividade.
No caso das grandes decisões de política, o Plano Decenal acaba sendo, por definição, muito conservador para subsidiar esse tipo de decisão. Porque o seu horizonte acaba escapando do ciclo de desenvolvimento de uma usina hidrelétrica. Essa mesma questão vale para as usinas nucleares e outras tecnologias – como a digitalização do setor energético. Dificilmente o Plano Decenal vai conseguir captar essa dinâmica e orientar as decisões de política a partir deste instrumento.
Como lidar então com esse pleito do setor?
Na nossa visão, a melhor forma de dar uma resposta a esse pleito de enxergar além do horizonte decenal não é estender o plano, mas complementar com outros cenários, que são os de longo prazo. E aí, um instrumento dialoga com o outro. As metodologias e base de dados usados no Plano Decenal são distintas quando começamos a olhar mais para frente, em razão de maiores incertezas, maiores dificuldades de acesso a dados e também em virtude das curvas de desenvolvimento tecnológico e de custos.
Por isso, estamos reformulando o nosso planejamento de longo prazo, além do horizonte decenal, para dar essa resposta. Mas sem desconfigurar a finalidade para qual o Plano Decenal foi desenvolvido. Podemos obter os dois objetivos – atender a orientação do horizonte decenal e ter capacidade de enxergar além de 10 anos – sem necessariamente ter que usar apenas um instrumento. E sim, ter dois instrumentos distintos, com metodologias distintas, que depois vão dialogar. Ao nosso ver, essa é a forma mais adequada de tratar o tema.
E quanto às usinas hidrelétricas de reservatório? O senhor enxerga espaço para esse tipo de projeto na expansão da nossa capacidade de geração?
Essa é uma questão bastante complexa. Para desenvolver novas usinas hidrelétricas, tudo se inicia no inventário hidrelétrico de bacias hidrográficas. Essa etapa é fundamental para definir se as usinas terão reservatórios ou não. Depois, na etapa seguinte, que é o estudo de viabilidade e de impacto ambiental, será feito o detalhamento.
Hoje, quando nós buscamos os inventários realizados no país, para ver onde existe potencial de novos reservatórios, identificamos que a maioria dos potenciais reservatórios, infelizmente, está em inventários que foram desenvolvidos há muitos anos atrás. E são potenciais que estão localizados em áreas onde houve uma antropização grande.
A estimativa de competitividade e atratividade deste potencial com reservatórios não é, digamos assim, bastante animadora. Desenvolver projetos hidrelétricos já é algo extremamente complexo. Para você ter ideia, 75% do potencial hidrelétrico mapeado hoje (52 GW) afeta diretamente unidades de conservação ou terras indígenas e quilombolas – áreas legalmente protegidas. Portanto, mesmo aqueles que não afetam diretamente são projetos muito caros, com licenças ambientas indeferidas. E estamos falando de empreendimento hidrelétricos em geral.
Quando olhamos só para aqueles com potencial de ter reservatórios, esse universo acaba se tornando muito limitado. A verdade é que quando pensamos no futuro da nossa matriz, dificilmente temos condições de contar com grandes reservatórios nessa estratégia. Se algumas delas se viabilizarem, serão muito bem-vindas. No entanto, estamos buscando estratégias para contornar essa carência de novos reservatórios.
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