ÍNDICES DE CONTEÚDO LOCAL PARA O PRÉ-SAL SERÃO UM DESAFIO PARA O SETOR NAVAL
A Associação Brasileira das Empresas do Setor Naval e Offshore (Abenav) foi criada em 2010 para aproximar a cadeia de fornecedores dos estaleiros, e hoje desenvolve estudos voltados ao conteúdo local, programas de qualificação de mão de obra e promove parcerias no setor offshore. O presidente da Abenav, Augusto Mendonça, que também é vice-presidente do Sindicato Nacional da Indústria da Construção e da Reparação Naval e Offshore (Sinaval), explicou ao repórter Daniel Fraiha um pouco do que a associação tem feito e contou que os índices de conteúdo local para o pré-sal devem ser bem altos, “um desafio para o setor”.
Como foi a criação da Abenav?
Surgiu a partir de uma iniciativa do Sinaval, com o intuito de trazer a cadeia de fornecedores para discutir com os estaleiros como podem ser desenvolvidas soluções em conjunto para a indústria. Já tínhamos puxado a batalha do conteúdo local, começando em 2000, e tivemos muito sucesso, conseguimos um avanço muito bom na indústria naval ao longo desse período. Vimos então que havia chegado a hora de mexer na cadeia produtiva, porque os estaleiros não conseguem ser competitivos se a cadeia não for. Daí criamos a Abenav.
Por que não começaram esse movimento com o próprio Sinaval?
Porque o Sinaval não poderia receber outras empresas, já que é um sindicato e só pode receber estaleiros. Então, enquanto o Sinaval faz um trabalho mais voltado para os próprios estaleiros, a Abenav se propõe a atuar mais voltada para a cadeia de produção.
Como tem sido feito o trabalho em relação a cadeia produtiva?
Começamos a fazer trabalhos para atrair mais pessoas para o setor, conversando com empresas fornecedoras que estavam abrindo os olhos para o setor naval e offshore, fazendo missões no exterior para despertar a atenção de companhias estrangeiras, além de incentivar as empresas que já são fornecedoras a aumentar ainda mais suas participações na cadeia de produção.
Como tem sido a receptividade?
Muito boa. Não tem um empresário que não tenha a curiosidade de olhar o que é o pré-sal, por exemplo, e isso vai abrir um leque de possibilidades enormes para diversos setores. Algumas empresas, que ainda não são do setor e querem participar, se sentem atraídas, assim como algumas que querem aumentar a participação e como estrangeiras que queiram vir ao país. Já recebemos mais de 30 delegações estrangeiras, contando a Abenav e o Sinaval juntos. As missões vêm para cá organizadas pelos governos de fora, sendo que já tivemos grupos ingleses, noruegueses, finlandeses, japoneses, entre outros, mas esses são os que têm feito o maior esforço.
Quais resultados já obtiveram desde a criação da associação?
Estamos fazendo um trabalho grande na questão tributária, com a intenção de desonerar as empresas em relação ao ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), que traz um custo adicional muito grande para elas. Estamos fazendo um trabalho com os governos dos estados e, em São Paulo, por exemplo, estamos com uma discussão bastante avançada, além de termos conseguido uma desoneração parcial do ICMS no Rio Grande do Sul, no Rio de Janeiro e em Pernambuco. Nestes casos a desoneração é parcial porque o ICMS é dividido entre a origem e o consumo, e é isso que estamos tentando resolver com São Paulo, porque o estado é origem de 70% dos produtos.
E o trabalho em relação ao conteúdo local, como tem sido feito?
Estamos incentivando empresas a participarem mais no setor, buscando estrangeiras que queriam parceiros no Brasil também e já tivemos bons resultados. Uma empresa de automação, por exemplo, que é do sul do país, não participava tanto do setor offshore e agora está fortemente envolvida na automação de plataformas; outra empresa de grupos geradores se associou à Abenav e agora está entrando mais na atividade offshore, entre outros casos.
Como estão os índices de conteúdo local nos estaleiros?
Vêm crescendo fortemente. A gente divide o setor em três partes. A primeira é relativa à construção naval, voltada para os navios de transporte, chamados tankers, em que o Estaleiro Atlântico Sul e o Estaleiro Mauá são os principais. Nessa parte o Brasil já havia atuado na década de 70, mas ficou muito tempo parado e está retomando agora, então há uma curva de aprendizado em andamento, atualmente com 60% de conteúdo local. O segundo setor é o de embarcações de apoio, que são os PSVs e os AHTS, e têm mais tecnologia embarcada, com muitos equipamentos envolvidos, de modo que o conteúdo local está entre 55% e 60% em barcos mais simples, porque depende da quantidade de equipamentos instalados na embarcação em questão, que muitas vezes ainda não são fabricados no Brasil. Já a terceira parte é a das plataformas de produção, que está atingindo índices na faixa de 65% e vai subir.
Mesmo sendo as estruturas mais complexas, as plataformas têm índices mais altos?
São as estruturas mais complexas, mas é um setor que não ficou tão paralisado quanto os outros, então tem um histórico mais longo e se tornou um segmento mais maduro.
Como os estaleiros estão se preparando para evitar atrasos como recentemente ocorreu com o Estaleiro Atlântico Sul?
Os estaleiros estão se tornando competitivos, investindo em novas plantas, novas tecnologias e equipamentos, investindo em treinamento de pessoal e também agora na cadeia produtiva. Através da busca de soluções que podem trazer reduções de preços, riscos e gerando financiamentos quando há a atuação em conjunto. Você está vendo atraso num caso isolado do Atlântico Sul. O Mauá entregou sem atraso as plataformas de produção. E os estaleiros, na grande maioria, não têm atrasos. Não podemos pegar um caso de problema e servir de exemplo para o setor, até porque para offshore não há um produto de linha, cada projeto é um projeto. Um ponto positivo é que hoje, na área offshore, já estamos muito perto dos preços internacionais.
Quais são os principais desafios do setor?
Os principais desafios para o futuro são a mão de obra, porque alguns cargos têm formação muito demorada, e a cadeia de fornecedores, que precisa ser competitiva. A questão tributária também é muito importante, mas condições boas de financiamento, infraestrutura e uma série de fatores vão impactar essa competitividade. Existem temas que são permanentes, então estamos trabalhando, mas o importante é que o resultado está sendo positivo.
Como está sendo feito o trabalho em relação ao exterior?
O foco hoje ainda não chegou à exportação, mas chegará. Estamos trabalhando para o setor ser internacionalmente competitivo. A melhor garantia disso é quando você está exportando, e quando você exporta, significa que o produto está no estado da arte e que o preço está em padrão internacional. Mas há o trabalho de divulgar a indústria brasileira lá fora, e já fiz visitas a mais de 10 paises, dando palestras, seminários e estando junto de empresas brasileiras interessadas em buscar tecnologias e fornecedores. O último foi na Alemanha, e agora me chamaram para ir a um em Londres, em março. A intenção é esclarecer o mercado internacional, mostrar em que pé está o pré-sal, falar sobre o conteúdo local… muitas vezes as pessoas ficam surpresas com a organização da indústria brasileira.
Vocês têm programas de qualificação?
Estamos desenvolvendo programas de qualificação em Pernambuco e no Rio Grande do Sul, além de os próprios estaleiros desenvolverem muito seu próprio pessoal. São programas junto com as prefeituras, com o Senai e com os governos do estado. Os estaleiros construíram centros de treinamento para isso, sendo que o de Pernambuco foi feito pelo EAS, e o do Rio Grande do Sul surgiu de uma parceria entre o Quip, o Engevix e a prefeitura.
O que a Abenav espera concluir em 2012?
O nosso grande desafio nesse momento é a questão do ICMS. Resolver isso vai ser um grande avanço para o setor. Além disso, estamos discutindo com o governo a questão dos índices de conteúdo local para o pré-sal e para a cessão onerosa. Nossa função é trabalhar em conjunto para que as definições sejam dentro do que a indústria possa suprir e na linha de crescimento permanente de conteúdo local com competitividade.
Já sabe quais serão os índices?
Ainda não, mas há uma tendência grande de serem bem altos. Vai ser um desafio para o setor.
Elogiável a postura arrojada da Abenav por gerir de modo equilibrado os interesses de seus vários stakeholders .
O exemplo deveria ser seguido por outras entidades.