INDÚSTRIA DO AÇO NA AMÉRICA LATINA DEVE VIVER LENTA RECUPERAÇÃO DE DEMANDA NESTE ANO E TEME A COMPETIÇÃO COM A CHINA
A indústria de aço deve passar por situações distintas em diferentes mercados no médio prazo. De acordo com a Associação Latino-Americana do Aço (Alacero), o consumo global do produto deve crescer 2,3%, ainda afetado pela inflação persistente e altas taxas de juros. Para 2024, a entidade prevê que a maioria das regiões verá uma aceleração no consumo, exceto a China, resultando em crescimento global de aço de 1,7%. Porém, a América Latina está ingressando em um período de desafios em virtude de fracas perspectivas de crescimento e incerteza política. “A demanda por aço contraiu em todos os países da região em 2022, chegando a 68,7 milhões de toneladas (-8,5%). Todos os setores devem ter um crescimento moderado, e a demanda por aço deve crescer em 2023 e 2024 (1,1% e 2,7%, respectivamente)”, estimou o diretor-executivo da Alacero, Alejandro Wagner. Especificamente sobre o Brasil, a demanda de aço no país em 2022 caiu expressivamente (10,6%) e as projeções para 2023 e 2024 são moderadas. “As altas taxas de juros, as dívidas das famílias e o enfraquecimento do mercado de trabalho suprimirão as atividades de construção, bem como a demanda por bens duráveis em 2023 [no Brasil]”, avaliou Wagner. O diretor da Alacero também mostra preocupação com o excesso de capacidade de produção de aço, em especial o da China. “Esse é um cenário muito preocupante, pois os chineses podem exportar quando há queda no mercado, o que afeta a América Latina”, frisou. “A principal consequência do excedente produtivo chinês é o combate com a manufatura nacional de forma desleal, tendo em vista as práticas predatórias de comércio e preços depreciados”, concluiu.
Para começar essa entrevista, seria importante fazer um rápido retrospecto sobre o atual quadro de excesso de capacidade de produção de aço em todo o mundo, comparando também com informações sobre a demanda global por aço. Ao que se deve esse excesso?
A nível global, a capacidade produtiva no setor alcançou um total de 2,463 bilhões de toneladas em 2022. A produção efetiva, por sua vez, chegou a 1,885 bilhão de toneladas, resultando em um excedente produtivo de 578 milhões de toneladas. Esses dados revelam a capacidade significativa da indústria em atender à demanda mundial.
Na América Latina, a capacidade produtiva foi de 105,9 milhões de toneladas no mesmo ano, com uma produção efetiva de 62,1 milhões de toneladas e um excedente produtivo de 44 milhões de toneladas. Embora a região represente apenas 3,3% da produção global, seu excedente produtivo corresponde a 7,6% do excedente total em nível mundial. Isso indica que a América Latina desempenha um papel importante no equilíbrio da oferta e demanda global.
No entanto, a China se destaca como o principal ator da indústria. Com uma capacidade produtiva de 1,149,9 bilhão de toneladas e uma produção efetiva de 1,018 bilhão de toneladas em 2022, a China gera um excedente produtivo de 44 milhões de toneladas. Isso representa 54% da produção global e um significativo 22,8% do excedente produtivo mundial. A influência da China no mercado global é inegável, demonstrando sua posição dominante na produção e no abastecimento da demanda. Assim, a China corresponde a mais da metade da produção com quase ¼ do excedente produtivo, consumindo muitas matérias-primas, como minério de ferro e carvão, para produzir esse aço. Esse é um cenário muito preocupante, pois os chineses podem exportar quando há queda no mercado, o que afeta a América Latina.
Quais as consequências desse excedente chinês para o mercado, sobretudo para os países da América Latina? Isso traria algum impacto para os preços?
O excedente produtivo da China e sua capacidade de comprar commodities de países latino-americanos levam à exportação de produtos industrializados para a região a preços abaixo do mercado, o que causa a desindustrialização e primarização da economia local. Isso implica na manutenção ou aumento das vendas de produtos básicos e na perda de produção de bens industrializados, afetando a geração de valor agregado e empregos.
A posição dominante da China na produção global de aço continuará a representar desafios para a indústria regional, que também busca tornar-se mais sustentável para cumprir metas globais de redução de emissão de carbono.
Especificamente sobre o Brasil, qual a principal consequência desse excesso?
A principal consequência do excedente produtivo chinês é o combate com a manufatura nacional de forma desleal, tendo em vista as práticas predatórias de comércio e preços depreciados. Assim, reconhecemos o importante papel do Instituto Aço Brasil (IABr) em trabalhar pela implementação de medidas de defesa comercial. Assim, o IABr e a Alacero seguem lutando juntos por nossas indústrias nacionais.
Quais mecanismos o Brasil e a América Latina deveriam adotar para manter a competitividade do aço produzido localmente? Como lidar com a ameaça às vendas de aço produzidas na região?
Primeiramente, a região deve continuar realizando um controle comercial a fim de impedir entrada de produtos por dumping, realizar ajustes fiscais e estruturais que sustentem a competitividade perante os mercados externos e fomentar o comércio intrarregional a fim de tornar a América Latina menos suscetível às interferências dos mercados asiáticos e outros blocos comerciais, no que tange às importações.
A partir dessas ações, buscamos diminuir as assimetrias competitivas, como custos com obrigações fiscais, de logística, recursos humanos e financiamentos. No Brasil, por exemplo, vemos que o alto “Custo Brasil” impacta em um crescimento mais moderado e perda de competitividade, e é esse monitoramento que fazemos perante as principais economias latino-americanas, com o objetivo de ampliar a nossa competitividade.
Poderia apresentar, em linhas gerais, as previsões da Alacero sobre oferta, preço e demanda por aço no Brasil no restante de 2023 e em 2024?
Devido às regras da nossa Associação, não pontuamos a respeito de preços. Contudo, para 2023, espera-se uma retomada do consumo global com crescimento de +2,3%, ainda afetado pela inflação persistente e altas taxas de juros. Já para o ano seguinte, 2024, a maioria das regiões experimentará aceleração no consumo, exceto a China, resultando em crescimento global de aço de +1,7%.
A América Latina está entrando em um período desafiador, com fracas perspectivas de crescimento e incerteza política. A demanda por aço contraiu em todos os países da região em 2022, chegando a 68,7 milhões de toneladas (-8,5%). Todos os setores devem ter um crescimento moderado, e a demanda por aço deve crescer em 2023 e 2024 (1,1% e 2,7%, respectivamente).
Sobre o Brasil, o Instituto Aço Brasil pode comentar melhor e as perspectivas deles também estão disponíveis neste link. No entanto, de maneira breve, a demanda de aço do Brasil caiu substancialmente em 10,6% em 2022 devido à produção lenta e à redução de estoque. As perspectivas para 2023-2024 são moderadas devido à política monetária restritiva e à incerteza fiscal. As altas taxas de juros, as dívidas das famílias e o enfraquecimento do mercado de trabalho suprimirão as atividades de construção, bem como a demanda por bens duráveis em 2023. O setor automotivo brasileiro aumentou a produção em 5,4% em 2022, com forte crescimento das exportações de 27,8%, embora o mercado interno estivesse fraco. O setor automotivo perdeu força no início de 2023; espera-se um fraco crescimento de 2,2%, com uma nova melhoria suave esperada em 2024.
Por fim, muitos dos nossos leitores são membros do setor de óleo e gás do Brasil. Poderia falar do peso dessa indústria atualmente na demanda por aço?
Os setores de óleo e gás são importantes parceiros na indústria, principalmente na indústria do aço. Ao mesmo tempo que fazem parte da nossa cadeia de abastecimento de energia, também fazem parte como setores consumidores. Como por exemplo no caso dos tubos sem costura, utilizados para transferência de insumos nestes setores.
O setor de petróleo em 2022, cresceu nas maiores economias da região, principalmente na Argentina (+12,6%), Peru (+5,6%), Brasil (+4,0%) e Colômbia (+2,4%). A exceção ficou com o México que recuou 2,5% no ano. No mesmo ano, o setor de gás também apresentou forte crescimento, com aumento no Peru (+20,5%), Argentina (+6,8%), Brasil (+3,1%) e México (+1,3%). A Colômbia, entretanto, apresentou queda de 8,3% em 2022.
Assim, ao observar a demanda por aço na região cresceu junto com esses setores e, no caso dos tubos sem costura, cresceu 23,6% em 2022, chegando a um consumo de 1,14 milhão de toneladas. Em 2023, até abril, já foram consumidas 380 mil toneladas, representando um crescimento acumulado de 12,5% frente ao mesmo período do ano anterior.
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