INVESTIDORES INTERNACIONAIS ESTÃO OTIMISTAS COM O SETOR NUCLEAR DO BRASIL, MAS MÃO DE OBRA NO PAÍS AINDA É DESAFIO
Por Davi de Souza (davi@petronoticias.com.br) –
O mercado nuclear brasileiro viveu momentos importantes no início deste mês, com anúncios relevantes para o setor durante o evento World Nuclear Spotlight, no Rio de Janeiro. Desde então, os olhos dos investidores internacionais estão mais atentos ao Brasil, conforme afirma o embaixador Marcel Fortuna Biato. Ele é o representante permanente do país junto à Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) e possui uma visão abrangente sobre o que se passa dentro desta indústria aqui e também no exterior. Para Biato, “existe um claro interesse e até entusiasmo” por parte das empresas estrangeiras, especialmente por conta das nossas reservas de urânio, do compromisso de conclusão de Angra 3 e do prometido desenvolvimento do Programa Nuclear Brasileiro. Contudo, o embaixador ainda destaca que existem alguns gargalos importantes que merecem bastante atenção. “Na área de mineração, há um gargalo financeiro, que é o investimento na mina. Há também problemas relacionados ao licenciamento ambiental”, afirmou. “Mas o fator mais importante de todos é mão de obra. Uma das respostas a se dar é tratar de treinar pessoas”, complementou. Biato relembra que o setor nuclear passou muitos anos em ritmo lento, o que motivou a diminuição de profissionais no segmento. “Perdemos núcleos de excelência que são fundamentais para tocar os projetos. Por exemplo, o RMB [Reator Multipropósito Brasileiro] vai exigir muita mão de obra”, alertou.
Como avalia este novo momento no setor nuclear?
De fato, o que vemos nos últimos dois anos são sinais de revitalização de todo o setor nuclear brasileiro. Eu diria que o fator decisivo desse processo é a formulação de uma nova Política Nuclear Brasileira. Foi um marco. E vem se refletindo em várias áreas, como agricultura, medicina, área industrial e, de forma ainda mais visível, na questão de Angra 3. A usina foi um dos temas centrais da reunião do ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, no Spotlight.
Eu acho que é importante salientar que por trás desse desdobramento existe uma iniciativa de governo, a criação do Comitê de Coordenação da Política Nuclear para a região. E, como resultado disso, tivemos uma série de desdobramentos. Os mais visível é o compromisso firme de levar adiante a conclusão de Angra 3, com a perspectiva de investimentos em novas usinas. Paralelamente, o compromisso de construir o Reator Multipropósito Brasileiro (RMB), que será fundamental na área de ciência, capacitação e, sobretudo, na produção de radiofármacos. Temos, evidentemente, desdobramentos na área da Marinha, com o avanço do programa de submarinos, que vai desembocar no submarino de propulsão nuclear. É um desenvolvimento em vários âmbitos, que terá desdobramentos para toda a cadeia de produção do setor, criando uma sinergia que promete dar sustentabilidade comercial e tecnológica a este setor tão estratégico.
A Eletronuclear teve um lucro bastante elevado, de R$ 7,8 bilhões. Como enxerga esse fato?
É preciso ver dentro de um contexto mais amplo. A indústria nuclear é muito ampla. A Eletronuclear cobre, digamos, uma fração, que é a parte de geração elétrica. Existem vários outros componentes. Mas, a verdade é que o núcleo duro, o centro de gravidade de todo o setor, é o de geração elétrica. Ou seja, se você consegue fazer a geração nuclear ser sustentável e comercialmente viável, você ajuda a viabilizar todo o setor.
Eu lhe dou um exemplo dentro da cadeia de produção da Eletronuclear. O processo começa com minério de urânio, que precisa ser objeto de enriquecimento para depois ser transformado em combustível nuclear. Ora, vivemos em momento onde a produção de combustível nuclear é insuficiente para a demanda de Angra 1 e Angra 2. Somos obrigados a importar parte dessa produção. Isso prejudica a viabilidade. Então, um dos objetivos desse programa de renovação que mencionei é a flexibilização do monopólio na produção e lavra de urânio. Ou seja, firmas particulares entrarão na extração de urânio. O lucro que essas empresas produzirem vai ajudar a viabilizar a ampliação da capacidade de produção do combustível. Esse é um exemplo de como, ao atacar gargalos nessa cadeia, conseguimos dar competitividade a este setor. Mas, como eu disse, isso é apenas um setor – o de geração. O setor nuclear tem outros componentes também.Por exemplo, o RMB terá um financiamento a partir de um aporte, sobretudo, do Ministério da Saúde.
A construção de Angra 3 é um passo fundamental para viabilizar o ciclo de produção de combustível em escala comercial. É um passo muito importante e certamente contribui para esse resultado [financeiro] que você mencionou.
Existem outros gargalos importantes que precisam ser superados?
Na área de mineração, há um gargalo financeiro, que é o investimento na mina. Há também problemas relacionados ao licenciamento ambiental. E se tratando de material potencialmente radioativo, há mais preocupação ainda. Existe um passivo em relação a mina de Poço de Caldas (MG), que é de onde se extraiu, durante muitos anos, o minério para fazer Angra 1 e Angra 2 funcionarem. É preciso fazer um investimento na mina, de remediação ambiental. Assim como houve problemas em outras minas, queremos evitar coisas parecidas na mina de urânio.
Mas o fator mais importante de todos é mão de obra.
Por quê?
Na área dos institutos que produzem radiofármacos, que é um insumo para produzir remédio contra o câncer, há falta de mão de obra. O Programa Nuclear Brasileiro passou muitos anos em semi-hibernação. E muita gente se aposentou ou mudou de ramo. Perdemos núcleos de excelência que são fundamentais para tocar os projetos. Por exemplo, o RMB vai exigir muita mão de obra. Então, eu diria que o gargalo mais importante é a mão de obra de técnicos para esta área. Uma das respostas a se dar é tratar de treinar pessoas.
E como está a visão dos investidores internacionais em relação ao setor nuclear brasileiro?
Eu estive recentemente em uma reunião da World Nuclear Association (WNA) durante o evento World Nuclear Spotlight, no Rio de Janeiro. Foi uma atividade para divulgar para a comunidade internacional o que o Brasil vem fazendo nesse setor. É um exercício de visibilidade para atrair investidores. Ao participar deste encontro, eu posso dizer que existe um claro interesse e até entusiasmo. Para isso, alguns fatores são importantes.
O primeiro é o conjunto de características do Brasil: urânio em grande quantidade e o domínio do ciclo de enriquecimento de urânio. Agora, há novos desdobramentos mais recentes que reforçam isso. Um deles é o compromisso explícito com a retomada do setor nuclear, seja a viabilização de parceria internacional para concluir Angra 3 e o compromisso de desenvolvimento de outros setores do mercado nuclear.
O fundamental a notar é que há uma clara manifestação de vontade do governo com um projeto estruturado de longo prazo para viabilizar os investimentos necessários. E, sobretudo, atrair os capitais necessários que vão ser motivados com regras claras e compromissos firmes. Nos próximos meses, talvez ainda este ano, deve acontecer o anúncio da definição do consórcio que irá concluir Angra 3. Isso terá um grande simbolismo e será um grande marco.
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