JULIO LOPES COMEÇA MOBILIZAÇÃO PARA QUE PROGRAMA DE ACELERAÇÃO DA TRANSIÇÃO ENERGÉTICA CONSIDERE NUCLEAR COMO FONTE LIMPA
O presidente da Frente Parlamentar Nuclear, o deputado Julio Lopes (PP-RJ), disse que já está trabalhando em Brasília para que o Programa de Aceleração da Transição Energética passe a considerar a energia nuclear como uma fonte limpa. O texto do projeto de lei (327/21) foi aprovado na Câmara, mas a emenda que privilegiava a nuclear foi rejeitada pelos deputados. A expectativa agora é que a fonte entre no programa na votação do projeto no Senado. “A gravidade disso é que o presidente de um órgão de fomento público só poderá financiar aquilo que estiver dentro da lei. Então, não haverá recursos para a energia nuclear se a lei não considerar a fonte como sendo limpa”, declarou o parlamentar durante o evento Nuclear Summit, no Rio de Janeiro. O deputado também reclamou da falta de coordenação da bancada do Rio de Janeiro, que votou contra a emenda – apesar da importância da fonte nuclear para a economia do estado. Ele relatou ainda um encontro com o vice-presidente Geraldo Alckmin, que mostrou ceticismo em relação ao setor nuclear. “O próprio Alckmin falou pra mim que o setor nuclear não tem governança. Mas eu disse a ele que quem estabelece governança é o governo. Então, o primeiro órgão a estabelecer governança é o Ministério de Minas e Energia, que desestruturou a área nuclear da pasta”, avaliou.
Poderia falar um pouco o que representa o acordo entre Brasil e França firmado durante a visita do presidente Emmanuel Macron ao país?
Isso foi uma vitória para o setor nuclear brasileiro. A França lidera atualmente a retomada e reconstrução do setor nuclear no mundo. O presidente Macron tem se empenhado muito nisso. Recentemente, ele conduziu na Bélgica um apelo na Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) para a triplicação da energia nuclear no mundo. O fato de o Brasil ter assinado com a França um acordo de cooperação nesse sentido vai ajudar muito. Foi um primeiro passo importante.
Eu tenho dito que nós avançamos, mas poderíamos ter ido muito além. Obviamente que o acordo que menciona a área nuclear é importante, mas poderíamos ter avançado muito mais, até em termos financeiros. A França tem o interesse real de financiar a Framatome e outras empresas do país que estão na construção de Angra 3. Então, nós poderíamos ter avançado muito nessa área, o que acabou não acontecendo. Eu acho que o importante é continuar olhando nessa direção.
Como enxerga o papel do Brasil no fornecimento de urânio e combustível nuclear para o exterior?
Eu acho que, em um primeiro momento, precisamos passar a ser um player mundial na área de urânio. Ainda que comecemos simplesmente com a área de mineração, precisamos dar um primeiro passo. Mas é óbvio que se o Brasil é um dos dez países do mundo que desenvolveu enriquecimento isotópico até 20%, podemos ir além da mineração. O país deveria desenvolver uma sistemática em que a nossa exportação comece com minério, mas que também permita exportar o yellowcake e o combustível nuclear em sua versão mais importante.
Agora não é pouco dizer que, hoje, o quilo do urânio está custando 220 dólares. Nós temos atualmente uma reserva no Brasil de 309 mil toneladas, algo em torno de 65 bilhões de dólares. É algo extraordinariamente rico que o país precisa dar importância.
Sobre a não inclusão da energia nuclear no projeto de lei de aceleração da transição energética (PL 327/21) na votação na Câmara, como vê a possibilidade de reverter esse quadro no Senado?
Eu acho que depende de uma mobilização setorial. Nós estamos fazendo muito menos do que precisamos, em que pese o nosso esforço grande. Porque não é concebível o governo votar contra algo que o mundo inteiro e as nações mais importantes do mundo reconheceram – a necessidade de triplicar a energia nuclear no mundo. Não faz sentido o Brasil definir em sua lei que a energia nuclear não é uma fonte limpa.
A gravidade disso é que o presidente de um órgão de fomento público só poderá financiar aquilo que estiver dentro da lei. Então, não haverá recursos para a energia nuclear se a lei não considerar a fonte como sendo limpa. Isso porque na lei está definido que serão financiados energias consideradas limpas, com benefícios, isenções e incentivos. Por mais que o gestor queira, ele não poderá considerar a nuclear caso a fonte não seja considerada limpa pela lei.
Durante o Nuclear Summit, o senhor narrou um episódio com o vice-presidente Geraldo Alckmin, que mostrou ceticismo com a falta de governança no setor. Como avalia isso?
Eu falei sobre esse episódio com o Alckmin para que as pessoas entendam as dificuldades no segmento. Eu tenho um enorme respeito pelo Alckmin. O vice-presidente tem um trauma em relação ao setor nuclear, porque quando era governador de São Paulo ele colocou milhões de reais dos contribuintes para fazer o Reator Multipropósito Brasileiro (RMB), e isso tem mais de 15 anos e até hoje o projeto não está pronto. Então, até hoje a visão dele sobre o setor reflete muito essa experiência durante seu governo em São Paulo. Mas eu tenho certeza que não só ele, mas também o presidente [Lula] vai rever essa questão.
O próprio Alckmin falou pra mim que o setor nuclear não tem governança. Mas eu disse a ele que quem estabelece governança é o governo. Então, o primeiro órgão a estabelecer governança é o Ministério de Minas e Energia, que desestruturou a área nuclear da pasta. Eu tenho conversado muito com o ministro Alexandre Silveira e a primeira coisa a ser feita é restabelecer a governança do setor nuclear. Sem isso, não será possível restabelecer a credibilidade junto ao Alckmin e demais instâncias do governo.
E como vê o ambiente em Brasília para uma decisão política sobre a retomada de Angra 3?
Eu acho que Angra 3 será retomada porque é uma obviedade. A usina é algo inexoravelmente importante para a estrutura do desenvolvimento brasileiro. Então, será feita. Seria um contrassenso econômico não concluir a obra. Porque custa 15 bilhões de reais para desativá-la e 20 bilhões de reais para ativá-la. Agora, nós precisamos imprimir uma velocidade maior para que possamos tirar os benefícios daí decorrentes. Nos próximos dias, o BNDES e a ENBPar vão determinar a tarifa da usina, que precisa ficar entre R$ 400 e R$ 450 para que seja competitiva e, assim, possamos incluir a obra no PAC e tomar as providências para a imediata retomada.
A construção de Angra 3 será um desafio devido a falta de mão de obra especializada.
Muitos profissionais se aposentaram, deslocaram para outra áreas ou desistiram de qualificações.