KPMG VÊ BRASIL EM PAPEL DE PROTAGONISTA NO SETOR DE HIDROGÊNIO, MAS AINDA COM DESAFIOS A VENCER
Por Davi de Souza (davi@petronoticias.com.br) –
O hidrogênio vai ganhando cada vez mais espaço no noticiário de energia, uma vez que o energético tem atraído o interesse e os investimentos de grandes companhias em todo o mundo. No Brasil, esse cenário não é diferente. Nesta semana, por exemplo, será lançada a pedra fundamental de uma planta de hidrogênio verde na Bahia, no Polo Industrial de Camaçari. Diante desse e de outros movimentos no país, a constatação é de que o Brasil se posiciona para assumir um papel de protagonismo na produção e fornecimento desse energético no futuro. A avaliação é do sócio-líder do setor de Energia e Recursos Naturais da KPMG na América do Sul, Manuel Fernandes (foto). “Ao meu ver, o importante nesse contexto de produção de energia limpa é aproveitar a abundância que o Brasil possui para o país ser protagonista e sair na frente, com competitividade”, disse. “O Nordeste é abundante em sol e vento e isso garante uma relevante competitividade para o Brasil. A partir dessa abundância de fontes renováveis, o país poderá produzir o hidrogênio verde a menores custos”, acrescentou. Mesmo com tamanho potencial, Fernandes lembra que ainda existem desafios regulatórios. A questão do custo também é um fator a ser considerado. O sócio-líder da KPMG lembra também que regiões produtoras de petróleo, como Macaé (RJ) , precisam ganhar um planejamento de reposicionamento, à medida que a transição energética avança. “Será necessário pensar muito em como essas cidades dependentes de fontes fósseis vão sobreviver no futuro”, afirmou.
Como o senhor avalia as atuais discussões em torno do hidrogênio aqui no Brasil?
O tema do hidrogênio está ganhando evidência cada vez mais. Alguns países estão mais avançados nessa fronteira, como a Austrália e o Japão. O hidrogênio é uma fonte de energia limpa e isso é relevante para o Brasil. O nosso país, como diz a canção, ‘é abençoado por Deus e bonito por natureza’ e tem uma abundância de fontes renováveis. O Nordeste é abundante em sol e vento e isso garante uma relevante competitividade para o Brasil. A partir dessa abundância de fontes renováveis, o país poderá produzir o hidrogênio verde a menores custos.
Atualmente, qual o tamanho do desafio do custo para a produção competitiva de hidrogênio?
É claro que a questão do custo é um ponto de atenção. Hoje, ainda, não dá para fazer [essa produção] de uma forma muito competitiva. Precisaremos de ganhos tecnológicos a ponto de produzir hidrogênio competitivo. Mas eu vejo que o governo está comprometido nesse tema e começou a incentivar isso no Plano Decenal de Energia 2031, que foi divulgado recentemente. Paralelamente, muitas empresas estão assinando memorandos de entendimento relacionados ao hidrogênio em diversos estados, a exemplo de Pecém (CE), Suape (PE) e Porto do Açu (RJ). São projetos ainda em fase de estudo de viabilidade, mas acreditamos que são empreendimentos que podem ir adiante. Estamos falando de mais de US$ 30 bilhões de intenção em investimentos. Se o Brasil quiser atingir as metas de descarbonização até 2030, será necessário correr. Para alcançar as metas de 2050, será necessário correr ainda mais.
Ao seu ver, o Brasil pode, no futuro, assumir um papel de grande exportador de energia?
Acho que existe uma grande oportunidade para o Brasil e a região da América Latina, como um todo, que podem ter um papel importante no mapa de energia elétrica, produzindo e, até mesmo, exportando energia limpa. Se fizermos as coisas certas, o Brasil pode tornar-se um exportador de energia limpa. O pior que pode acontecer é o país continuar com essa política de exportar apenas commodities. Precisamos dar um passo à frente, ter uma política de industrialização e até exportar mesmo energia limpa.
E como o país e a América Latina podem aproveitar essa oportunidade que o senhor mencionou?
Eu acho que o ponto central é realizar os investimentos corretos em energias renováveis, permitindo ao Brasil produzir hidrogênio a partir dessas fontes – que são mais baratas. Hoje, a Europa paga qualquer preço por energia limpa. Mas amanhã isso poderá ser diferente. Os europeus já estão com um programa forte para desenvolver a fonte eólica offshore, com o objetivo de diversificar e mudar a matriz do continente. Como o Brasil tem essa abundância de fontes, podemos produzir a preços menores. Então, ao meu ver, o importante nesse contexto de produção de energia limpa é aproveitar a abundância que o Brasil possui para o país ser protagonista e sair na frente, com competitividade.
O que falta no Brasil? Não temos uma política de preço de carbono e precisamos disso urgentemente. Isso vai ser fomentado, não tem jeito. Do ponto de vista regulatório, tem bastante coisa para evoluir. O mundo está olhando para o nosso país. Se o hidrogênio é um energético que vai fazer diferença e nós temos fontes de energia barata, porque não investir nisso? Só isso já é uma grande vantagem competitiva.
Como as regiões produtoras de petróleo deverão reagir frente ao atual contexto de transição energética?
O óleo não deixará de ser usado no mundo, mas o seu consumo vai diminuir, em virtude da transição energética. Nesse contexto, o que vai acontecer com o Rio de Janeiro, que vive de royalties? Vamos ser mais específicos ainda: o que vai acontecer com Macaé (RJ), que é uma cidade que só vive em função de petróleo? Isso é um assunto muito sério. Quando falamos sobre transição justa, é nesse ponto que eu fico pensando se estamos no caminho correto.
A cidade de Houston, nos EUA, que também vive em função de óleo, já se posicionou como o centro de hidrogênio do mundo. Calgary, no Canadá, que também vive de óleo, também está produzindo hidrogênio. Isso são políticas pensando em alternativas para o futuro. Esse mapa geopolítico precisa ser observado. O Brasil tem possibilidade de produzir a um preço mais competitivo. Quando eu falo em exportar energia limpa, não estou falando apenas em enviar o hidrogênio para o exterior. Estou falando em, efetivamente, usar essa energia para produzir itens com valor agregado e, se for o caso, também enviar o hidrogênio para o exterior através de navios.
Será necessário pensar muito em como essas cidades dependentes de fontes fósseis vão sobreviver no futuro. Devemos focar naquilo em que somos mais competitivos. Por exemplo: se todas as minas de carvão no Sul do país do Brasil fossem fechadas, o que seria daquela comunidade? Não é uma questão simples. Mas é preciso ter plano para substituir as fontes fósseis por energia renovável.
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