LEI QUE PROÍBE GOVERNO DE SÃO PAULO DISTRIBUIR REMÉDIO PARA MEDICINA NUCLEAR PREJUDICA MILHARES DE BRASILEIROS COM CÂNCER
O caso esfriou com as festas de final de ano, mas o assunto continua muito vivo. Uma lei de autoria do líder do governo de São Paulo na Assembleia Legislativa do Estado, Carlos Pignatari, beneficiou a própria empresa onde é acionista. É o que se chama popularmente de legislar em causa própria. Hoje em dia, dá vergonha. Mas só em alguns. O tema se refere a produção de insumos para a medicina nuclear, que atinge a vida de milhões de brasileiros. Com a mudança feita na Política Estadual de Medicamentos, a Lei Pignatari praticamente impediu o governo de vender um produto para uso na medicina nuclear. Especialmente para entidades filantrópicas. Assim, como consequência, o principal concorrente da companhia, da qual o deputado é investidor, simplesmente foi eliminado. É a opção pela ganância ao invés da concorrência.
O deputado Carlos Pignatari é sócio da Indústria Brasileira de Farmoquímicos (IBF), que tem sede na cidade de São José do Rio Preto (SP). Em 2011, ele presidiu uma assembleia-geral de constituição da empresa, com presença de todos os acionistas fundadores. Para lembrar, a IBF é um dos três laboratórios paulistas com permissão da Anvisa para fabricar o produto FDG (18 F), essencial para o exame PET-CT – uma tomografia usada no diagnóstico de câncer. Hoje, no entanto, o mercado desse insumo no Estado é disputado apenas pela IBF e pela Cyclobras, de Campinas. A “genialidade” da mudança na legislação barrou as vendas do FDG pelo Instituto de Radiologia (InRad) do HC, ligado à Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP). Com produção própria, o instituto comercializava doses remanescentes que não eram usadas internamente no hospital. A receita das vendas patrocinava a produção e uma série de pesquisas científicas em medicina nuclear.
O InRad vendia o insumo para 12 hospitais filantrópicos da capital – entre eles as principais instituições da cidade, como o Albert Einstein, o Sírio-Libanês e o Oswaldo Cruz. A venda para entidades particulares era feita por meio da Fundação para o Remédio Popular (Furp), ligada à Secretaria Estadual de Saúde. Essa possibilidade estava prevista na Política Estadual de Medicamentos. Mas, a Lei Pignatari restringiu a venda do governo para essas entidades filantrópicas. Passou a permitir apenas para uso exclusivo no diagnóstico ou tratamento de pacientes atendidos pelo Sistema Único de Saúde.
Tecnicamente seria aceitável, mas na prática, os hospitais não conseguem separar o produto só para pacientes do SUS. Cada frasco de FDG, que dura poucas horas, é usado diretamente nos pacientes já posicionados nos equipamentos que fazem a tomografia. E ali são atendidos tanto os pacientes do sistema público quanto os clientes de planos particulares. Isso resultou na suspensão das compras de todos os hospitais conveniados com o InRad. É o que se pode identificar como a engenhosidade parlamentar para o mal.
E Carlos Pignatari não está nem aí para as consequências. E também não está nem aí para as investigações da Polícia Federal e do Ministério Público de São Paulo. O resultado atendeu aos seus anseios: apenas duas empresas dominando um segmento vital da medicina nuclear. Para se entender melhor os resultados, o corte de receitas simplesmente levou o HC a cogitar o fechamento do centro de pesquisas, que teve um investimento público de R$ 7,7 milhões para sua construção há cerca de dez anos. Até a chegada da Lei Pignatari, o laboratório não precisava de aporte do governo. A receita do InRad com a venda das sobras do FDG era estimada em R$ 700 mil por mês, o suficiente para cobrir os custos da equipe e da manutenção e, investir em pesquisas.
Outro fato que surpreendeu, na mesma época, foi a CNEN, que regula a produção de produtos radiofármacos no País, suspender também as vendas da Cyclobras após a edição da lei, em outubro de 2019. Durante seis dias, enquanto durou a suspensão, a IBF se tornou a única fornecedora do insumo em todo o Estado de São Paulo. Desde então, o preço do FDG já subiu cerca de 15% em apenas dois meses num país de inflação baixa e controlada. O produto custa cerca de R$ 700 por exame. Considerados apenas os principais hospitais filantrópicos da capital, há uma demanda de ao menos mil exames PET-CT ao mês. O FDG, como qualquer produto de medicina nuclear, é altamente perecível. A substância perde metade da sua radioatividade a cada duas horas, a chamada meia-vida. O InRad tinha a vantagem de estar localizado na capital, onde há a maior concentração de exames PET-CT no País, e a poucos quilômetros dos principais hospitais paulistanos. O FDG é fabricado com um acelerador de partículas, chamado cíclotron, próprio para a produção de insumos da medicina nuclear.
Falar mesmo Pignatari não fala, mas uma nota em seu nome, repetida pela mídia, diz que “A lei em questão não proíbe o Instituto de Radiologia de vender 18F-FDG aos hospitais filantrópicos de SP, como o Einstein, Sírio-Libanês e HCor; sequer trata dos negócios do InRad (do HC).” Pronto e acabou-se. Se houvesse uma preocupação real de se legislar para todos, o deputado paulista poderia usar bom senso para voltar atrás em sua proposta. Mas bom senso, em alguns casos, é o mesmo que esperar o milagre de uma chuva torrencial sobre o deserto.
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