LEONAM GUIMARÃES AVALIA QUE PROPULSÃO NUCLEAR SERÁ FUNDAMENTAL PARA DESCARBONIZAR O SETOR MARÍTIMO, TRAZENDO OPORTUNIDADES PARA O BRASIL

18-01-Leonam-editado-2A Organização Marítima Internacional (IMO) vislumbra que o setor reduza as emissões de CO2 por viagem internacional, em média, em pelo menos 40% até 2030, em comparação com 2008. Outra meta é atingir emissões líquidas zero de gases do efeito estufa por volta de 2050, ou seja, perto de 2050. A tarefa é ousada, porque é consenso entre especialistas que descarbonizar o setor marítimo será um grande desafio. Por isso, novos combustíveis sustentáveis, como metanol verde e hidrogênio verde, estão recebendo cada vez mais investimentos por parte das empresas marítimas. Nessa linha, a energia nuclear também surge como uma alternativa. Como noticiamos recentemente, foi fundada neste mês, em Londres, na Inglaterra, a Organização Marítima de Energia Nuclear (NEMO). A entidade surge para estabelecer padrões e regulamentos globais para a implantação, operação e desmantelamento de energia nuclear no ambiente marítimo. O surgimento da NEMO é um marco para a transição energética do setor, conforme avalia o diretor técnico da Associação Brasileira para Desenvolvimento Nuclear (ABDAN), Leonam Guimarães. Nesta entrevista ao Petronotícias, ele destaca a necessidade premente de estabelecer normas rigorosas e promover uma cooperação global eficaz para garantir a segurança e a eficiência das operações nucleares no ambiente marítimo. Além disso, Guimarães identifica diversas oportunidades decorrentes desse avanço tecnológico para o Brasil, evidenciando seu potencial para se posicionar como líder na adoção de soluções de energia limpa e sustentável no setor naval, alavancando sua vasta costa e recursos naturais.

Para começar, como avalia a criação de uma entidade como a Organização Marítima de Energia Nuclear?

nuclearA criação de uma entidade como a Organização Marítima de Energia Nuclear (NEMO), em colaboração com a Organização Marítima Internacional (IMO) e a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), reveste-se de uma importância significativa no panorama energético e ambiental global por várias razões.

Primeiramente, a adoção da energia nuclear no ambiente marítimo representa uma fronteira inovadora para a produção de energia limpa e sustentável. Dada a crescente demanda por fontes de energia que minimizem as emissões de carbono e outros poluentes, a energia nuclear apresenta-se como uma opção promissora, capaz de fornecer uma quantidade significativa de energia sem a emissão direta de gases de efeito estufa. A energia nuclear marítima, em particular, pode oferecer soluções energéticas para regiões isoladas ou para aplicações específicas onde outras fontes de energia renovável podem ser menos viáveis.

Além disso, a criação da NEMO e a sua cooperação com organizações internacionais estabelecidas é crucial para a formulação e implementação de padrões e regulamentos globais. Estes padrões são necessários para assegurar a segurança, a eficiência e a sustentabilidade das operações nucleares no mar, desde a implantação até o desmantelamento. Normas rigorosas são imperativas para proteger o ambiente marinho, prevenir acidentes e garantir a segurança pública, especialmente considerando o potencial de risco associado às tecnologias nucleares.

A colaboração com a IMO e a AIEA também facilita a integração da energia nuclear marítima no sistema energético global, promovendo a sua aceitação e adoção por um espectro mais amplo de stakeholders. Isto é particularmente relevante num contexto em que questões de segurança, ambientais e regulatórias constituem barreiras significativas à adoção de novas tecnologias energéticas.

Os membros fundadores da NEMO, que incluem entidades líderes na construção naval, inovação nuclear e classificação de segurança, trazem um vasto leque de conhecimentos técnicos e experiências que são essenciais para o desenvolvimento e a comercialização bem-sucedida de reatores nucleares pequenos e modulares adaptados ao ambiente marítimo. Estas tecnologias prometem revolucionar a geração de energia, oferecendo soluções mais flexíveis, escaláveis e potencialmente mais seguras que os grandes reatores nucleares terrestres tradicionais.

Como a NEMO poderá colaborar com outras organizações para estabelecer regulamentos e padrões globais para a energia nuclear marítima?

ABSA colaboração entre a NEMO e outras organizações internacionais relevantes é essencial para o desenvolvimento, implementação e gestão eficazes de regulamentos e padrões globais para a energia nuclear marítima. Este processo de colaboração pode ser estruturado e implementado de várias maneiras, cada uma contribuindo para o objetivo comum de promover a segurança, eficiência e sustentabilidade ambiental.

A NEMO pode colaborar com a IMO e a AIEA para desenvolver normas específicas para a segurança e proteção ambiental relacionadas com a operação de instalações nucleares marítimas. Isto inclui normas para o design, construção, operação e desmantelamento de instalações nucleares, bem como para a gestão de resíduos nucleares e proteção contra radiações. Estas normas podem ser desenvolvidas com base nas melhores práticas existentes, adaptadas para abordar os desafios únicos do ambiente marítimo.

Em colaboração com a IMO, a NEMO pode trabalhar no desenvolvimento de sistemas para garantir a conformidade regulatória das instalações nucleares marítimas. Isso pode incluir a criação de um sistema de certificação e inspeção para garantir que todas as operações nucleares no mar estejam em conformidade com os padrões estabelecidos. A AIEA, com sua experiência em normas de segurança nuclear e mecanismos de garantia, pode oferecer suporte técnico e metodologias de avaliação de risco.

A colaboração pode também envolver programas de capacitação e troca de informações entre a NEMO, a IMO, a AIEA e outras partes interessadas. Isso pode incluir workshops, seminários e programas de treinamento para compartilhar conhecimentos técnicos e melhores práticas na operação segura de instalações nucleares marítimas. A disseminação de pesquisas e desenvolvimentos tecnológicos recentes entre estas organizações pode acelerar a inovação e melhorar as práticas de segurança.

A colaboração pode estender-se à preparação e resposta a emergências nucleares no ambiente marítimo. A NEMO, em parceria com a AIEA e a IMO, pode desenvolver planos de emergência e procedimentos de resposta específicos para incidentes nucleares marítimos, incluindo a coordenação internacional para o caso de acidentes que possam ter impactos transfronteiriços.

Finalmente, a NEMO pode servir como plataforma para envolver uma ampla gama de stakeholders, incluindo governos, indústrias, comunidades científicas e a sociedade civil, no desenvolvimento de políticas e regulamentações para a energia nuclear marítima. Através de um processo de governança inclusivo e transparente, a NEMO pode facilitar o diálogo e a colaboração entre diferentes partes interessadas, promovendo um consenso internacional sobre normas e práticas para a energia nuclear marítima.

Quais são os principais desafios enfrentados pela indústria da energia nuclear no mar que deverão ser abordados pela NEMO?

1200x675_cmsv2_92317ece-44a4-52b8-8b89-b516bc97ba5b-6118214A indústria da energia nuclear marítima, embora promissora em termos de potencial para geração de energia limpa e sustentável, enfrenta uma série de desafios significativos que a NEMO deverá abordar em colaboração com outras entidades e organizações internacionais. Esses desafios são multifacetados, abrangendo aspectos técnicos, regulatórios, ambientais, econômicos e sociais.

Um dos principais desafios técnicos é o design e a construção de pequenos reatores modulares (SMRs) e outras instalações nucleares que sejam seguros, eficientes e adaptados ao ambiente marítimo. Isso inclui a resistência a condições extremas, como tempestades e ondas grandes, bem como a proteção contra corrosão e bioincrustação. Além disso, a indústria deve desenvolver sistemas robustos de segurança e emergência para prevenir e responder a acidentes nucleares, minimizando o risco de contaminação radioativa do ambiente marinho e de áreas costeiras.

A falta de um quadro regulatório global coeso para a energia nuclear no mar é outro desafio significativo. A NEMO terá que trabalhar em estreita colaboração com organizações como a IMO e a AIEA para desenvolver e implementar regulamentos internacionais e padrões de segurança específicos para a energia nuclear marítima, garantindo uma abordagem consistente à segurança, ao licenciamento, à operação e ao desmantelamento de instalações nucleares marítimas.

A proteção do ambiente marinho é uma preocupação central. A indústria deve garantir que a operação de instalações nucleares no mar não prejudique os ecossistemas marinhos, especialmente considerando o potencial para a liberação de materiais radioativos. Isso envolve não apenas o gerenciamento seguro de resíduos nucleares e combustível usado, mas também a minimização do impacto ambiental durante a construção, operação e desmantelamento de instalações nucleares.

A percepção pública do risco associado à energia nuclear e a oposição baseada em preocupações ambientais e de segurança representam obstáculos significativos. A NEMO e seus parceiros precisarão desenvolver estratégias eficazes de comunicação e engajamento público para educar as comunidades sobre os benefícios da energia nuclear marítima e as medidas adotadas para garantir sua segurança e sustentabilidade.

A viabilidade econômica é também um desafio crucial, especialmente no que diz respeito ao alto custo inicial de desenvolvimento e implantação de tecnologias nucleares marítimas. A NEMO poderá desempenhar um papel na identificação de oportunidades de financiamento, incentivando investimentos do setor privado e público e colaborando na pesquisa e desenvolvimento para reduzir os custos e melhorar a eficiência.

Por fim, a energia nuclear marítima enfrenta desafios jurídicos e de cooperação internacional, especialmente em águas internacionais, onde a jurisdição e a aplicação de regulamentos podem ser complexas. A NEMO terá que navegar por um panorama internacional fragmentado, promovendo a cooperação e a coordenação entre países e regiões para estabelecer um consenso sobre a governança da energia nuclear no ambiente marítimo.

A descarbonização da indústria marítima é um dos grandes desafios no processo de descarbonização mundial. Ao seu ver, qual o papel da energia nuclear nesse processo?

maxresdefaultA descarbonização da indústria marítima é, de fato, um dos grandes desafios no processo de descarbonização global, dada a sua contribuição significativa para as emissões de gases de efeito estufa, principalmente devido ao uso de combustíveis fósseis para propulsão e operações. A energia nuclear, com sua capacidade de gerar eletricidade e calor sem emitir CO2 durante a operação, tem o potencial de desempenhar um papel fundamental neste processo, oferecendo várias vias para contribuir para a redução das emissões de carbono no setor marítimo.

Um dos papéis mais diretos da energia nuclear na descarbonização da indústria marítima é através da propulsão nuclear. Embora a propulsão nuclear seja atualmente limitada principalmente a navios militares e alguns quebra-gelos, a tecnologia tem potencial para ser adaptada a navios comerciais, especialmente para rotas de longa distância onde a eficiência e a capacidade de operar sem reabastecimento são vantajosas. A propulsão nuclear elimina a necessidade de combustíveis fósseis para a operação dos navios, reduzindo assim diretamente as emissões de gases de efeito estufa associadas ao transporte marítimo.

Além da propulsão dos navios, a energia nuclear pode desempenhar um papel importante na descarbonização das operações portuárias. Pequenos reatores modulares (SMRs) podem fornecer energia limpa e confiável para a infraestrutura portuária, incluindo o carregamento e descarregamento de cargas, iluminação, aquecimento e outras necessidades energéticas. Isso pode reduzir significativamente as emissões de carbono dos portos, que são pontos críticos de emissão no setor marítimo.

A energia nuclear pode também facilitar a produção de combustíveis de baixo carbono para uso na indústria marítima. Por exemplo, a eletricidade gerada por instalações nucleares pode ser utilizada para produzir hidrogênio através da eletrólise da água. Esse hidrogênio pode ser usado diretamente como combustível ou como matéria-prima para a produção de outros combustíveis sintéticos de baixo carbono, como o amoníaco, que estão sendo considerados como alternativas viáveis aos combustíveis fósseis para o transporte marítimo.

A integração da energia nuclear nas cadeias de suprimentos marítimas, especialmente em processos intensivos em energia, como a fabricação de peças de navios e a produção de materiais, pode reduzir ainda mais as emissões de carbono associadas à indústria marítima. Ao fornecer uma fonte de energia limpa para esses processos, a indústria marítima pode diminuir sua pegada de carbono total.

É importante notar que, enquanto a energia nuclear oferece oportunidades significativas para a descarbonização da indústria marítima, sua implementação enfrenta desafios técnicos, econômicos, regulatórios e sociais. Questões como a segurança nuclear, o gerenciamento de resíduos radioativos, o custo inicial de desenvolvimento de infraestrutura nuclear e a aceitação pública são cruciais para a viabilidade da energia nuclear como solução para a descarbonização marítima.

Hoje, quais são os desafios técnicos e de custos associados à implantação de instalações nucleares em ambientes marítimos remotos e adversos?

msc-mina-container-ship-the-maritime-economy-publicationsA implantação de instalações nucleares em ambientes marítimos remotos e adversos apresenta uma série de desafios técnicos e de custos que são significativos e multifacetados. Estes desafios precisam ser cuidadosamente considerados e superados para viabilizar o uso da energia nuclear em tais contextos, garantindo a segurança, eficiência e sustentabilidade econômica das operações.

– Resistência a Condições Ambientais Adversas: Em ambientes marítimos remotos, as instalações nucleares devem ser projetadas para suportar condições extremas, incluindo tempestades severas, ondas gigantes, e possivelmente atividades sísmicas. Isso requer materiais robustos e tecnologias de construção avançadas para garantir a integridade estrutural e a segurança operacional.

– Isolamento e Acesso Limitado: A localização remota dessas instalações pode dificultar o acesso para manutenção, reabastecimento de combustível, e resposta a emergências. Soluções inovadoras de design e operação, como sistemas de automação avançada e reatores que exigem reabastecimento menos frequente, são necessárias para mitigar essas limitações.

– Sistemas de Resfriamento Eficientes: A eficiência do sistema de resfriamento é crítica para a segurança de qualquer reator nuclear. Em ambientes marítimos, a variação da temperatura da água e a presença de bioincrustações podem afetar o desempenho dos sistemas de resfriamento, exigindo soluções adaptadas e sustentáveis.

– Gerenciamento de Resíduos Radioativos: O armazenamento seguro e o transporte de resíduos radioativos são desafios ampliados pela localização remota. É necessário desenvolver estratégias eficazes para o manejo desses materiais, minimizando o risco ambiental.

– Alto Custo de Construção: O desenvolvimento de instalações nucleares em locais remotos e adversos pode ser significativamente mais caro do que em locais mais acessíveis. Os custos adicionais são devidos a fatores como a necessidade de materiais e designs de engenharia mais robustos, logística complicada para transporte de materiais e pessoal, e a infraestrutura de suporte necessária para operações remotas.

– Seguro e Regulação: As questões de seguro e os rigorosos requisitos regulatórios associados à energia nuclear podem aumentar significativamente os custos. Além disso, a incerteza regulatória em novas aplicações da tecnologia nuclear pode levar a atrasos e custos adicionais.

– Investimento em Pesquisa e Desenvolvimento: Para superar os desafios técnicos, são necessários investimentos significativos em pesquisa e desenvolvimento (P&D). Isso inclui o desenvolvimento de novos tipos de reatores que são mais adequados para operações em ambientes marítimos remotos, o que pode ser um processo longo e caro.

Custos Operacionais e de Manutenção: Os custos operacionais, incluindo a manutenção regular e a gestão de emergências, podem ser maiores em ambientes remotos devido ao acesso limitado e às condições operacionais desafiadoras. Isso pode exigir o desenvolvimento de novas estratégias operacionais e modelos de negócios para tornar essas operações viáveis a longo prazo.

Como vê a aplicação da energia nuclear no setor marítimo brasileiro?

submarino-nuclearA aplicação da energia nuclear no setor marítimo brasileiro apresenta oportunidades significativas, bem como desafios únicos, considerando as características geográficas, econômicas e energéticas do país. O Brasil, com sua extensa costa, vastos recursos naturais, e compromissos com a sustentabilidade ambiental, pode se beneficiar de várias maneiras da integração da energia nuclear em suas atividades marítimas.

O Brasil já possui um programa nuclear bem estabelecido, com experiência no desenvolvimento de tecnologia nuclear para fins civis e militares, incluindo a construção do submarino nuclear Álvaro Alberto. A expansão desse conhecimento para o desenvolvimento da propulsão naval nuclear em navios comerciais pode aumentar a eficiência do transporte marítimo e reduzir a dependência de combustíveis fósseis.

O Brasil é um grande produtor de petróleo, com extensas operações offshore. A energia nuclear pode fornecer energia limpa e confiável para essas operações, reduzindo a pegada de carbono da produção de petróleo e gás e apoiando a transição energética do país. A energia nuclear, particularmente através de Pequenos Reatores Modulares (SMRs), pode ser uma opção para fornecer energia a comunidades costeiras remotas ou instalações marítimas isoladas no Brasil, onde a conexão à rede elétrica nacional pode ser impraticável ou muito cara.

Por fim, a energia nuclear pode contribuir para o desenvolvimento sustentável do setor marítimo brasileiro, fornecendo uma fonte de energia de baixo carbono para apoiar a economia azul, incluindo aquicultura, turismo e conservação marinha.

Contudo, como em muitos países, a aceitação pública da energia nuclear no Brasil varia, e preocupações com a segurança nuclear, o gerenciamento de resíduos radioativos e o legado de acidentes nucleares podem influenciar a opinião pública e a política energética.

O desenvolvimento da infraestrutura nuclear requer investimentos substanciais. No contexto econômico brasileiro, garantir financiamento para novos projetos nucleares pode ser desafiador, necessitando de apoio governamental, parcerias público-privadas e/ou cooperação internacional.

A expansão da energia nuclear no setor marítimo requer um quadro regulatório robusto e eficaz para garantir a segurança, a proteção ambiental e o cumprimento dos padrões internacionais. A capacidade regulatória e de supervisão deve ser fortalecida e adaptada às novas aplicações nucleares.

A implementação bem-sucedida da energia nuclear no setor marítimo brasileiro exige o desenvolvimento tecnológico contínuo e a capacitação de profissionais em áreas relacionadas à energia nuclear e à segurança marítima.

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