MARINHA BRASILEIRA CONVERSA COM A AIEA SOBRE OS SUBMARINOS NUCLEARES E QUER OS MESMOS DIREITOS DA AUSTRÁLIA NO PROJETO AUKUS
O Brasil e a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) começaram uma negociação na primeira semana deste mês sobre as salvaguardas e os procedimentos especiais para permitir que o país use combustível nuclear em seu programa submarinos. Esse movimento acontece em paralelo a um esforço coletivo dos Estados Unidos, Reino Unido e Austrália (conhecida como a estrutura de segurança AUKUS) para transferir submarinos movidos a energia nuclear para a Austrália. Isso significa que dois estados com armas não nucleares estão agora negociando com a AIEA sobre salvaguardas provisões para submarinos. Embora os dois casos evoluam em contextos de segurança diferentes, com o AUKUS sendo diretamente voltado para combater a China, esse novo desenvolvimento complicará as negociações sobre como proteger o material nuclear usado em submarinos.
O anúncio em 2021 sobre AUKUS focou a atenção pela primeira vez na história recente sobre a questão de como proteger o combustível nuclear para submarinos em um estado sem armas nucleares. Sob o AUKUS, os três países estão passando 18 meses examinando como transferir submarinos nucleares para a Austrália sem prejudicar os esforços de não proliferação. Embora ainda não esteja claro, o combustível de urânio altamente enriquecido (HEU) para armas nucleares importado pela Austrália para seus reatores submarinos provavelmente chegará como reatores lacrados. Sob o AUKUS, a Austrália não adquirirá as etapas pré-requisitos do ciclo do combustível nuclear, como o enriquecimento de urânio. Por causa dessas disposições, muitos argumentariam que os riscos diretos de proliferação trazidos pelo AUKUS são baixos. O material físsil será irradiado em um reator, o que o tornaria radioativo e, portanto, mais difícil de manusear. A remoção do combustível desativaria o submarino. E a Austrália de qualquer maneira não tem as instalações para abrir o reator, remover o combustível irradiado e usá-lo para fazer armas nucleares.
Apesar disso, as perspectivas de normalizar o HEU para uso em programas submarinos estatais de armas não nucleares alarmaram alguns países e a França em especial. Mas por outros fatores também, já que os franceses estavam negociando a venda novos submarinos justamente para a Austrália. Além disso, a China teve uma reação mais dura com o anúncio do AUKUS, reconhecendo que é inteiramente destinado a combater a China de uma perspectiva geoestratégica. A China concentrou grande parte de sua irritação em levantar preocupações sobre os riscos de proliferação do AUKUS e o precedente que poderia estabelecer para outros países. Como forma de aumentar a pressão diplomática sobre o AUKUS, a China pediu um item de agenda permanente no conselho de governadores da AIEA relacionado a salvaguardas e uma abordagem “baseada em critérios” para projetos de salvaguarda para submarinos.
Nesse contexto, a iniciativa do Brasil ganha todo o seu sentido. O programa submarino do Brasil está em desenvolvimento há décadas e não deve ser concretizado tão cedo. No entanto, o Brasil parece apreciar que qualquer acordo de salvaguardas submarinas que seja negociado primeiro abrirá um precedente para outros. A decisão do Brasil de iniciar negociações de procedimentos especiais, portanto, pode vir da esperança de que quaisquer abordagens de salvaguardas acordadas no caso AUKUS não serão prejudiciais aos interesses do Brasil. Em outra reviravolta, enquanto a abordagem baseada em critérios proposta pela China pode ser apenas uma ferramenta diplomática para impedir que a Austrália acesse o HEU, outros podem se juntar ao esforço da China em propor uma abordagem baseada em critérios cujo objetivo é mais do que apenas pressionar a Austrália.
As abordagens do Brasil e da Austrália são pouco comparáveis. Enquanto a Austrália procura importar reatores prontos para uso dos Estados Unidos ou do Reino Unido, o Brasil está seguindo um caminho totalmente diferente, ao desenvolver seus próprios ciclos de combustível nuclear civil e militar, este último voltado para seu programa submarino. Espera-se que o Brasil use combustível de urânio de baixo enriquecimento (LEU) nos submarinos, o que, em princípio, deve ser pouco preocupante, pois o LEU não é adequado para armas. No entanto, dado que o Brasil tem um ciclo de combustível nuclear militar nativo, incluindo instalações de conversão e enriquecimento de urânio, as preocupações com a proliferação serão altas. O Brasil também está construindo um protótipo de reator submarino.
Há ainda mais complexidades no caso do Brasil. O país ainda não concluiu um protocolo adicional com a AIEA. O Brasil também é parte do acordo de salvaguardas quadripartite que dá à AIEA e à Agência Brasileiro-Argentina de Contabilidade e Controle de Materiais Nucleares (ABACC) um papel na salvaguarda do programa submarino. A ausência de um protocolo adicional provavelmente será vista como incompatível com a existência de um ciclo de combustível nuclear militar e o avanço do programa submarino. Devido a essa incompatibilidade, espera-se que o Brasil explore a conclusão de um protocolo adicional como parte das negociações do procedimento especial – o que já seria um desenvolvimento importante. O Brasil tem sido historicamente um dos principais obstáculos à universalização do protocolo adicional.
A conclusão de um protocolo adicional pelo Brasil pode, assim, abrir espaço para discussão sobre o fortalecimento das disposições de verificação associadas ao TPNW. A perspectiva de o Brasil concluir um protocolo adicional e o avanço do programa submarino brasileiro significa que a ABACC também teria que evoluir. Entende-se que a ABACC também deverá adotar algumas disposições adicionais semelhantes a protocolos em seu próprio sistema de salvaguardas.
O resultado líquido é que 2022 marcará o início de negociações complexas sobre salvaguardas para submarinos nucleares que terão implicações importantes para o sistema de salvaguardas. Além da questão da proteção do combustível submarino, as negociações de procedimentos especiais do Brasil também podem afetar o futuro da ABACC. É importante ressaltar que também pode levar o Brasil a concluir um protocolo adicional com a AIEA que, graças ao acordo de salvaguardas quadripartite, provavelmente veria a Argentina fazer o mesmo. Dois dos principais países com ciclos de combustível nuclear substanciais, mas ainda sem um protocolo adicional, poderiam estar em vias de concluí-los, o que pode renovar o impulso para sua universalização.
Ainda não está claro, no entanto, se o anúncio do Brasil resultará na criação de uma abordagem baseada em critérios para salvaguardas submarinas. É difícil ver como um único critério poderia se aplicar aos caminhos muito diferentes de combustível nuclear perseguidos pela Austrália e pelo Brasil. Embora alguns possam argumentar que tal critério deve excluir a possibilidade de usar combustível HEU em submarinos, não está claro como proibir o uso de HEU e confiar em LEU com um ciclo de combustível nuclear indígena associado é uma opção de menor risco de uma perspectiva de não proliferação. Talvez um critério de base comum para todos os países que buscam submarinos movidos a energia nuclear seja ter um protocolo adicional com a AIEA. Nesse sentido, pelo menos, o precedente estabelecido por Austrália e Brasil pode ser positivo.
Muito bom, a marinha tem que fazer pressão.