MERCADO DE COMBUSTÍVEIS VÊ PARTICIPAÇÃO RECORDE DE DIESEL RUSSO NO BRASIL, TENDÊNCIA QUE DEVE PERMANECER PELOS PRÓXIMOS MESES
O mercado brasileiro de combustíveis está experimentando uma forte entrada do diesel russo em 2023. Em junho, a importação desse produto correspondeu a uma fatia de 64,1% do total de 1,08 milhão de m³ descarregado no país durante o período. Esse percentual representa um novo recorde, de acordo com dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC). O recorde anterior havia sido registrado em abril (56,4%). Segundo fontes ouvidas no mercado, essa forte presença do diesel russo deverá permanecer ao longo dos próximos meses. “Essa é uma tendência que está aí para ficar. Alguns dos fornecedores russos estão tentando estabelecer contratos de fornecimento de médio e longo prazos no Brasil”, avaliou o especialista em combustíveis da Argus, Amance Boutin. Um dos fatores que explica a grande parcela de participação do diesel russo no país é o preço altamente competitivo em relação a outros fornecedores, como os Estados Unidos. Boutin diz que com a guerra da Ucrânia e as sanções ocidentais contra o Kremlin, o diesel russo passou a ser escoado para outros mercados fora da Europa e dos EUA – e um desses destinos tem sido o Brasil. O entrevistado também comentou sobre as perspectivas do setor de combustíveis com a nova política de preços da Petrobrás: “O verdadeiro teste acontecerá quando o preço do barril começar a subir novamente. A partir daí, surgem algumas questões. Será que o preço será reajustado? Será que haverá ingerência política? Será que a empresa vai demorar para fazer o repasse de custos?”, indagou.
Para começar nossa entrevista, poderia detalhar aos nossos leitores os números de importação de diesel russo no mês de junho?
Em junho, houve um recorde na participação do diesel russo na importação brasileira, alcançando 64,1% do total de 1,08 milhão de m³ descarregado no mês passado. O recorde anterior havia sido registrado em abril (56,4%). Segundo avaliações do mercado, isso está acontecendo porque mais empresas importadoras estão conseguindo acessar o diesel russo. Com um maior o pool de empresas que conseguem acessar esse combustível, consequentemente a participação do diesel russo no país também cresce.
Alguns importadores ainda não estão conseguindo ter acesso ao diesel russo. Então, existe uma parcela de diesel importado que veio de outros países, especialmente dos Estados Unidos – que também é um dos principais provedores desse combustível no Brasil.
Ao que se deve esse crescimento do produto russo no mercado brasileiro?
Segundo as avaliações de membros do mercado, o principal motivo é o preço. Para se ter uma ideia, na primeira semana de julho, o litro de diesel da Rússia estava R$ 19 mais barato na comparação com o combustível de outros países. Isso é uma diferença muito significativa para o importador, que geralmente trabalha com margens apertadas.
A tendência é que essa diferença se achate e os preços passem a convergir. Isso porque os Estados Unidos vão tentar abaixar o preço para competir com o produtor russo. Enquanto isso, os vendedores russos também não querem perder a oportunidade de fazer bons negócios e tentarão elevar o preço para aproveitar essas margens de lucros.
Os caminhoneiros conseguem sentir o efeito desse diesel russo mais barato quando vão aos postos de abastecimento?
Isso é difícil de ser medido, porque existem vários elos entre a chegada do produto russo no porto e o abastecimento dos caminhões na bomba. Além disso, o produto russo corresponde apenas a 20% do diesel vendido no país. Há ainda a mistura com biodiesel – produto que está começando uma tendência de alta. Paralelamente, não são todas as regiões que recebem o produto russo. Por isso, é muito difícil avaliar o impacto do preço do diesel russo para os caminhoneiros. Esse tipo de desconto é muito mais sensível, geralmente, quando vem da Petrobrás, que é responsável por abastecer a maior parte da demanda do mercado brasileiro.
Quais são as perspectivas do mercado em relação a esse cenário de grande presença do produto russo no Brasil?
De acordo com fornecedores de diesel da Rússia, essa é uma tendência que está aí para ficar. Alguns desses fornecedores estão tentando estabelecer contratos de fornecimento de médio e longo prazos no Brasil. Na avaliação do mercado, o Brasil terá uma farta presença do produto russo durante os próximos meses.
Além disso, outro fator importante é a competitividade do produto russo. Por conta das sanções ocidentais, os combustíveis russos não estão sendo escoados na Europa ou nos Estados Unidos. Esses produtos estão sendo enviados a outros destinos – e um deles é o Brasil. Enquanto essa situação geopolítica permanecer, o mercado entende que o produto russo terá um preço no Brasil que ficará abaixo do resto do mercado.
Poderia também compartilhar conosco quais são as expectativas do mercado em relação ao segmento brasileiro de combustíveis como um todo, tendo em vista a entrada de novos players no setor de refino?
A questão do preço, principalmente no Nordeste, vai continuar sendo pautada pela política de preços da Petrobrás. Isso é muito importante, porque essas refinarias, principalmente a Acelen e a Petrobrás, competem entre si. A REAM, em Manaus, vive uma situação diferente, porque está isolada e tem um alcance muito mais regional. A Refinaria Potiguar Clara Camarão, por sua vez, tem uma capacidade de escoamento de produto muito limitada e local. Então, continuaremos vendo muito o embate entre Petrobrás e Acelen. A tendência esperada pelo mercado é que o preço continuará pautado pela Petrobrás, com reajustes mais espaçados ao consumidor.
Por fim, como tem sido a avaliação até aqui da nova política de preços da Petrobrás?
A princípio, quando a nova estratégia comercial foi anunciada, há dois meses, não ficou claro para os agentes de mercado qual seria o desdobramento dessa nova política. Na verdade, a grande preocupação do mercado era a aderência dos preços da Petrobrás com o mercado internacional. A sorte, por enquanto, é que o Real está fortalecendo-se e as cotações de petróleo estão reprimidas, apesar dos cortes da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP).
Hoje, a maioria dos participantes do setor já avalia que o preço da Petrobrás está abaixo da paridade de importação de produto, o que dificulta um pouco as operações de importação.
No final das contas, o verdadeiro teste acontecerá quando o preço do barril começar a subir novamente. A partir daí, surgem algumas questões. Será que o preço será reajustado? Será que haverá ingerência política? Será que a empresa vai demorar para fazer o repasse de custo? Será que haverá pressão do governo? E como a Petrobrás vai reagir em relação a isso? Essas são as incógnitas que giram em torno do mercado atualmente.
Deixe seu comentário