NEWTON DUARTE DEFENDE ESTÍMULO À COGERAÇÃO PARA AMPLIAR SEGURANÇA ENERGÉTICA DO BRASIL E POUPAR RESERVATÓRIOS DE HIDRELÉTRICAS
O Petronotícias abre o noticiário desta sexta-feira (10) com uma nova entrevista da série especial Perspectivas 2025, desta vez abordando o mercado de cogeração no Brasil. Nosso convidado de hoje é o presidente executivo da Associação da Indústria de Cogeração de Energia (Cogen), Newton Duarte, que revela que 2024 foi um período bastante desafiador para o segmento por conta da manutenção dos preços em patamares muito baixos, o que dificultou a exportação de energia excedente de empreendimentos de cogeração. Olhando para o futuro do setor elétrico brasileiro, Duarte diz que a Cogen vai trabalhar em 2025 para reforçar a importância da valorização dos atributos da cogeração. “O Brasil não pode ter sua segurança energética comprometida. O País deve estimular a cogeração como uma energia firme, não intermitente, distribuída, por ser gerada em usinas próximas dos pontos de consumo, e que já vem tendo um papel fundamental para o equilíbrio do sistema elétrico, sobretudo no período seco, normalmente entre os meses de abril e setembro”, disse. O executivo lembra ainda que a cogeração com as biomassas pode ajudar a poupar aproximadamente 16 pontos percentuais dos reservatórios do subsistema Sudeste-Centro-Oeste, contribuindo para a confiabilidade do sistema.
Como foi o ano de 2024 para sua associação e o seu segmento de negócios?
O ano de 2024 foi desafiador. Do ponto de geração elétrica para o Sistema Interligado Nacional (SIN), houve uma ampliação muito grande de projetos de geração, o que contribuiu para a manutenção dos preços de energia em patamares muito baixos, às vezes no piso. Com isso, criou-se uma condição muito difícil para a exportação de energia excedente dos projetos de cogeração.
Do ponto de vista de expansão, registramos, até novembro de 2024, uma adição de 552 megawatts, número que está na média padrão dos últimos cinco anos. Teremos certamente ainda uma adição de projetos ao longo do mês de dezembro, mas, de qualquer forma, é uma adição muito aquém do que o previsto no começo de 2024 em torno de 1.100 MW, que era o que a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) prognosticava para o ano de 2024, conforme os projetos em construção. Possivelmente tenha ocorrido uma postergação de algum projeto, e daí esse número inferior. Desses 552 MW, são aproximadamente 293 MW de projetos novos e 258MW de expansão de usinas sucroenergéticas de cogeração existentes – a maioria focada em biomassa, e com poucos projetos de gás natural.
Para a Cogen, uma iniciativa especialmente importante foi a criação de um grupo de trabalho com a participação de diversas empresas associadas para estudar e debater medidas de descarbonização para o setor. As atividades vêm tendo a coordenação técnica da Carbono Zero, empresa especializada em formatar ações de sustentabilidade e descarbonização. Já realizamos três reuniões de trabalho e o engajamento dos associados vem sendo positivamente surpreendente, o que demonstra que a iniciativa veio para atender a uma demanda cada vez maior do setor diante da necessidade de ganhar repertório sobre o tema e, como associação, termos a chance de propor soluções, inclusive regulatórias e legislativas, para incentivar a redução do carbono e quantificar os créditos de carbono advindos da cogeração.
Quais sugestões gostaria de passar para o governo ou para o mercado com o objetivo de melhorar as condições de negócios no Brasil?
Seguimos com demandas muito claras. Queremos que se permita que as usinas possam ter maior liberdade para negociar os excedentes da cogeração também no mercado livre, uma vez que essa indústria já comercializa quase 70% da sua energia no Ambiente de Contratação Livre. Então, nosso pleito é que se permita que esse excedente possa também ser comercializado no mercado livre em uma condição bilateral, dando a opção de uma liquidação ao Preço de Liquidação de Diferenças (PLD), mas não cerceando somente para o PLD ou leilões regulados. A portaria 564 de 2014, que limita a venda no mercado livre até o limite da garantia física, pode representar um problema nos próximos anos, porque, hoje, o que cada usina exceder de sua garantia física é obrigada a liquidar a PLD, que está em torno de R$ 70/MWh, ou seja, não remunera nem o bagaço de cana-de-açúcar processada.
A outra questão é reconhecer os atributos das fontes de uma maneira ampla, de tal forma que a cogeração, abarcando inclusive a de gás natural e de biogás, possa ter o reconhecimento das suas vantagens para o setor elétrico e para o setor energético brasileiro em condições adequadas e que possam ser ali identificados os atributos que realmente levem em conta as vantagens que essas opções e tecnologias trazem para o sistema elétrico e energético brasileiro.
A seu ver, de que forma os recentes acontecimentos no cenário político internacional nos EUA, Europa e Oriente Médio podem influenciar os negócios no Brasil?
Com o resultado das eleições americanas, os bloqueios comerciais poderão se intensificar, com taxas mais elevadas para a importação de produtos chineses como as placas fotovoltaicas, inversores, baterias etc. Essas barreiras podem fazer com que mercados alternativos como o da América do Sul sejam inundados com esses produtos. Então, podemos ter um quadro de desenvolvimento de GD no país continuamente forte, no sentido de que talvez a China não tenha muitas outras opções para colocar seus produtos. O cenário econômico internacional, bem como o contexto fiscal nacional, pode agravar o câmbio e as taxas de juros, tornando o custo de capital ainda mais elevado para novos investimentos em usinas.
Quais são as suas perspectivas de negócios dentro do seu setor para este novo ano que está para começar e quais as perspectivas da nossa economia para o ano que vem?
No setor, um debate que ganhou corpo na indústria sucroenergética é a produção do biogás e biometano. No caso do biogás, para produzir parte de energia elétrica e aproveitar o calor para desenvolver uma maior eficiência do ciclo Rankine [processo termodinâmico utilizado para a geração de energia elétrica e térmica], melhorando a condição de produção de vapor com menos bagaço, economizando assim o insumo. É a busca de maior eficiência, tanto do processo de produção de açúcar e etanol quanto de prover mais vapor para a geração de energia elétrica.
O segundo aspecto, e talvez mais importante, é a questão do biometano. A produção do biometano é fundamental para a descarbonização das usinas em dois aspectos: criar a condição de poder substituir de forma gradativa o diesel, combustível este utilizado em larga escala no plantio, colheita e transporte da cana-de-açúcar, onde se consome cerca de 2,5 bilhões de litros de diesel anualmente no país, comprados externamente. As usinas deverão ser capazes de produzir esse biometano por cerca da metade do custo do diesel, promovendo enorme economia operacional.
As usinas poderão produzir o combustível que substituirá não somente o principal detrator de carbonização da usina, que é o diesel, como também o item de maior custo e substituí-lo por algo proveniente de uma economia circular que é o biometano, descarbonizando e intensificando o aumento dos certificados do Renovabio, criando assim uma renda adicional.
Só com a diferença em relação ao custo com diesel, há indústrias que poderão pagar em menos de quatro anos esses investimentos. Esses recursos proporcionarão maiores condições para a indústria de açúcar e etanol ampliar sua capacidade de investimentos. Então, todos estão descobrindo que o biometano é uma grande oportunidade. Concomitantemente, existe uma indústria automobilística, principalmente os fabricantes de caminhões que vêm trabalhando fortemente na produção desses veículos movidos a GNV/biometano, com possibilidade de isenção de IPVA em São Paulo. Todos ganham. Então, a produção do biometano está ganhando uma enorme importância para o futuro ainda mais sustentável para as usinas de açúcar e etanol.
Alguns podem perguntar qual a relação desses pontos com a cogeração…
Nós respondemos que tem tudo a ver. Com o aproveitamento da vinhaça para produção de biogás, um produto que é um resíduo na produção do etanol, vai ser depurada e volta para o campo como fertilizante em condições ambientalmente mais amigáveis. Com isso, o setor fica muito menos sujeito às intempéries internacionais, da oscilação de preço do petróleo e dos fertilizantes. Isso vem corroborar um conceito que se detecta em alguns grupos industriais, que querem cada vez mais produzir produtos com condições mercadológicas mais interessantes, como a química fina.
Outro tema importante: nós acreditamos que as possibilidades de crescimento do setor passam necessariamente também pelo bom uso dos atributos dessa cogeração, no sentido de prover ao sistema elétrico a potência, imprescindível para o setor elétrico brasileiro enfrentar os desafios da intermitência da geração das novas renováveis.
O setor elétrico brasileiro terá enorme carência de potência. E a exportação dessa cogeração, que poderá ser despachável, fazendo uso de turbinas de condensação, tem plenas condições de permanecer à espera do horário de despacho diário, ao final da tarde.
Ou seja, essa cogeração poderá ser de enorme valia para o setor elétrico brasileiro. A maioria das usinas está próxima dos centros de carga, que é o Centro-Sul. É uma cogeração distribuída e com as condições e atributos elétricos e energéticos necessários para fazer frente à falta de geração das intermitentes renováveis, que, no caso das fotovoltaicas, deixa de gerar mais de 30 GW no final de tarde, provocando a necessidade de o sistema suplantar essa chamada “curva do canyon”. A energia fotovoltaica é barata. Só que vai embora ao final do dia e é preciso compensar essa energia no intervalo de cerca de uma hora, no final do dia, quando a geração de pelo menos 30GW é interrompida. Isso é agravado porque o fim da tarde é o momento em que muitas indústrias e escritórios ainda estão funcionando, e em que milhões de brasileiros começam a chegar às suas residências, fazendo uso de chuveiros elétricos, abrindo suas geladeiras e ligando diversos aparelhos que consomem energia elétrica.
Então, a dificuldade do setor elétrico em resolver essa questão está ficando cada vez maior e vai ser potencializada no instante em que os reservatórios das hidrelétricas estiverem deplecionados. Neste instante haverá menor potência disponível e a capacidade de se fazer uso da hidroeletricidade para compensar a falta de geração firme poderá ficar comprometida, com consequências para o atendimento do Sistema Interligado Nacional (SIN).
O Brasil não pode ter sua segurança energética comprometida. O País deve estimular a cogeração como uma energia firme, não intermitente, distribuída, por ser gerada em usinas próximas dos pontos de consumo, e que já vem tendo um papel fundamental para o equilíbrio do sistema elétrico, sobretudo no período seco, normalmente entre os meses de abril e setembro. Somente a geração com as biomassas poupa o equivalente a aproximadamente 16 pontos percentuais dos reservatórios do subsistema Sudeste-Centro-Oeste.
A Cogen tem contribuído nas audiências públicas, no sentido de alertar o governo, o Ministério de Minas e Energia, a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) e a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), de que o Brasil tem no mundo das biomassas, no mundo do papel celulose e no mundo do etanol de milho, um conjunto de grandes aliados para ajudar a solucionar essa questão operativa.
A cogeração é um instrumento eficaz para solucionar esse desafio, com momento girante, com razoável despachabilidade, além de ser renovável e com baixa ou emissão nula de gases de efeito estufa.
Nossa agenda para 2025, portanto, é trabalhar cada vez mais junto aos agentes governamentais e do mercado para reforçar a importância da valorização dos atributos da cogeração.
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