NOVO CANAL DE DENÚNCIAS DA ODEBRECHT PREVÊ SOLUÇÕES PARA CASOS DE ENVOLVIMENTO DE ACIONISTAS
Por Daniel Fraiha (daniel@petronoticias.com.br) –
A “delação do fim do mundo”, como ficaram conhecidos os depoimentos dos executivos da Odebrecht, sacudiu o campo político do País, mas já perdeu o posto de líder dos escândalos depois das revelações da JBS. Mesmo assim, isso não diminuiu em nada os deveres assumidos pela empreiteira junto aos órgãos de fiscalização brasileiros com o acordo de leniência. Um deles é o fortalecimento da governança e da área de compliance, que conta agora com um canal de denúncias gerido por uma empresa independente, a ICTS. Marcelo Forma, sócio-diretor da companhia contratada para o serviço, explica que o trabalho é muito mais complexo do que se imagina e envolve profissionais gabaritados para o serviço. “Não somos um call center. Somos uma empresa especializada no canal de denúncias, com analistas de risco, todos com nível superior, para fazerem a coleta dessas denúncias”, explicou, ressaltando que contam com advogados, engenheiros e psicólogos, entre outros profissionais graduados, para a execução do trabalho, que inclui atendimento em diversas línguas, como português, inglês, espanhol e mandarim.
Ainda assim, a pergunta que muitos devem se fazer diante de um escândalo como o da Odebrecht, cujo acordo de leniência envolveu 77 executivos do alto escalão, incluindo os controladores, Emílio e Marcelo Odebrecht, é sobre como lidar no caso de denúncias direcionadas aos donos da empresa? Forma explica que há soluções para todos os casos, com a possibilidade de direcionar as denúncias diretamente para o comitê de riscos criado pela empreiteira: “Hoje o comitê de riscos da Odebrecht tem independência para tomar decisões dentro da empresa, mesmo que isso signifique envolvimento de algum acionista. Se há uma denúncia que envolve um dos acionistas da empresa, pelo modelo de governança, tem que se definir quem é a pessoa que receberia essa informação, com a condição de que ela possa tomar as providências cabíveis”.
Quais as vantagens de se ter um canal de denúncias terceirizado?
A Odebrecht já tinha um canal interno. Existia uma tendência das empresas em trabalhar assim, com um alcance mais tímido, muitas vezes operado por um funcionário da empresa ou até uma secretária eletrônica. Conforme foram evoluindo as melhores práticas em outros países e agora com a lei anticorrupção no Brasil, elas foram sendo adotadas pelas empresas, e isso inclui um canal independente, que possibilita o anonimato, que é fundamental para o processo, e permite o cumprimento das etapas de investigação com profissionais treinados.
Como vai funcionar o canal de denúncias da Odebrecht sob a responsabilidade da ICTS?
O denunciante vai poder fazer a denúncia de duas maneiras: a primeira por voz e a outra via web, por escrito, podendo se identificar ou não. Não somos um call center. Somos uma empresa especializada no canal de denúncias, com analistas de risco, todos com nível superior, para fazer a coleta dessas denúncias. Temos mais de 200 grandes grupos como clientes hoje, numa operação que funciona com mais de 50 atendentes ligados aos nossos clientes, 24 horas por dia, sete dias por semana. Cada cliente tem um atendimento específico, com profissionais especializados em diversas áreas, com advogados, cientistas políticos, psicólogos, engenheiros, entre outros, para que tenhamos o entendimento do tipo de negócio e possamos fazer a análise da denúncia com muito mais precisão. Atendemos em diversos idiomas também, já que a Odebrecht tem operação em diversos países. Temos profissionais fluentes em português, inglês, espanhol e mandarim, por exemplo.
Que tipos de comportamentos poderão ser enquadrados nas denúncias?
O que notamos bastante no mercado brasileiro é uma taxa muito grande de assédio moral. Além disso, naturalmente, desvios de regra e conduta aparecem bastante. As empresas têm normas estabelecidas, mas há pessoas descumprindo isso. Outros são desvios de mercadoria, fraudes contábeis, pagamento de propina, corrução de agentes públicos, assédio sexual – situação que também tem relevância nas estatísticas. De maneira geral, essas são as principais, mas há um leque amplo. Questões relacionadas a sustentabilidade, agressões à natureza, não agir dentro dos preceitos de legislação ambiental, por exemplo, também fazem parte do escopo.
Após a realização de uma denúncia, quais os procedimentos seguintes para apurá-la?
Mais do que a questão da apuração, é necessário avaliar o nível de veracidade do relato. Conseguir identificar, através da interação entre o denunciante e os profissionais, os indícios de veracidade da denúncia. Existem técnicas para ver o quanto a pessoa tem uma ligação emocional com o fato, o quanto esteve presente, a quantidade de dados específicos que são apresentados etc. Não interferimos enquanto o denunciante está trazendo a denúncia no primeiro momento, sem a realização de perguntas. Depois, coletamos informações, avaliamos a coerência do relato, com checagem do que ele relatou, para aí sim levar ao momento das perguntas.
Além disso, fazemos uma classificação por tipos de denúncia, já estabelecidos junto ao cliente antes do lançamento do canal. Tem que listar assédio moral, sexual, corrupção etc. E depois fazemos uma análise do impacto que aquela denúncia pode trazer para a organização, para criar um senso de prioridade na averiguação das denúncias. Imagina que tenho 50 denúncias. Qual vou investigar primeiro? Tem que ter esses critérios de avaliação do impacto, feita a partir de um software customizado e definido por nós. É um sistema que construímos ao longo dos anos. Toda vez que uma denúncia cita um nome, por exemplo, ele pode cruzar dados e apresentar outras menções àquele nome.
Quais as garantias para o denunciante de que o emprego dele não correrá risco caso o relato envolva seus superiores?
Para que você tenha sucesso em qualquer operação de canal de denúncias, duas questões são fundamentais. Uma é a preservação de anonimato da fonte, para que não haja retaliação. Esse aspecto é o que vai dar tranquilidade para que as pessoas percebam que podem contribuir com denúncias sem terem consequências negativas por isso. Por ser terceirizado e preservar todas essas informações, a gente dá garantia de que qualquer informação que poderia identificar o denunciante não será dada à empresa. Às vezes, a empresa pede a gravação da denúncia, e nesses casos a gente distorce a voz do denunciante, para que não haja possibilidade de que ele seja identificado. E a outra condição fundamental para o sucesso do canal é a aplicação do balanço de consequências. Quando as pessoas denunciam, querem ter certeza de que houve investigação e de que os envolvidos vão sofrer algum tipo de consequência. Porque a pior coisa que se tem é criar um canal de denúncia e as pessoas perceberem que não tem efeito nenhum. Isso faz com que o canal entre em descrédito. É fundamental que a empresa tome efetivamente as medidas necessárias em relação às denúncias confirmadas.
Em casos em que o denunciante pode ser identificado pelas circunstâncias em que o caso relatado ocorreu, como em situações em que só havia ele e seu superior, por exemplo, como proceder?
Não necessariamente será revelado ao denunciado que houve uma denúncia. Vai ser feita uma investigação e não necessariamente vai se agir pela imediata e direta demissão daquela pessoa. Então é preciso uma estratégia da área de compliance para lidar com os casos. Porque não necessariamente o problema foi descoberto por meio de uma denúncia, já que há também outros meios de investigar determinadas questões. E o denunciante não precisa saber como os líderes da área de compliance descobriram o que ele fez de errado.
Outro aspecto importante do canal é a inibição que ele causa dentro da organização. Além de identificar situações que podem trazer impacto, o efeito preventivo que ele gera é um dos mais desejados que as empresa procuram. Com o canal, você aumenta o risco percebido pelas pessoas com má intenção dentro da organização. Eles perdem o controle sobre o processo de retaliação, então isso acaba inibindo a materialização dessa má intenção. Comprovadamente, empresas que têm programas de compliance bem estruturados – sendo o canal de denúncia terceirizado um dos principais pilares – têm menos problemas de conotação ética internamente.
Quais os mecanismos para evitar que o canal seja usado como forma de ataque a desafetos dentro da empresa? Quais os cuidados para separar denúncias vazias de denúncias reais?
O denuncismo naturalmente é uma prática comum. Por isso que a análise de veracidade é muito importante. O treinamento dos nossos profissionais para fazerem as perguntas corretas e checarem as informações e os aspectos das denúncias são muito importantes. Toda vez que uma pessoa faz uma denúncia, ela recebe um número de protocolo, por onde ela pode trazer mais informações e mais aspectos, e por esse canal podemos deixar mensagens para ele, solicitando informações adicionais. O processo é bastante exaustivo do ponto de vista de checagem para efetivamente caracterizar que aquela denuncia é concreta e verdadeira. Até porque, geralmente, quando se lança o canal, na fase inicial, algumas pessoas ligam testando, para ver se aquilo vai trazer algum risco, se tem uma capacidade real, se funciona de maneira estruturada ou se é um veículo para coletar informações sem capacidade técnica para distinguir o denuncismo de denúncias reais. Por isso a necessidade de pessoas preparadas e treinadas para o trabalho.
A Operação Lava Jato mostrou que muitas das ações de corrupção vieram da própria família Odebrecht. No caso de uma denúncia envolver os donos ou o presidente da empresa, qual o procedimento adotado?
Todas as denúncias são direcionadas. A gente faz captação, análise de veracidade, classificação por tipologia, análise do impacto, priorização, depois a recomendação de como proceder em relação à averiguação. A partir desse momento, a denúncia fica visível para a área de compliance do cliente, para ela disparar o processo investigativo e registrar todas as ações nessa ferramenta. Ela pode fazer internamente ou contratar a nós ou a outra empresa especializada para fazer a investigação. E todas essas etapas são registradas na ferramenta. A própria lei anticorrupção exige que a empresa tenha feito tudo para averiguar uma denúncia que tenha sido feita e que deixe tudo isso registrado.
Mas e se for um dos donos?
Desde o início do serviço, são definidas as pessoas dentro da empresa que vão receber essas informações, geralmente da área de compliance, que lidará com isso. Existe a possiblidade de criar fluxos alternativos para essas denúncias. Se há denúncias envolvendo pessoas da alta direção, pode ter um fluxo alternativo para o presidente do comitê de riscos, por exemplo, no conselho de administração da empresa. E ele se encarrega de conduzir as investigações. E se a denúncia envolver alguém da área de compliance, isso iria também para o presidente do comitê de riscos.
As informações sobre o canal afirmam que, dependendo do grau da irregularidade, as punições podem ir desde uma advertência verbal até a demissão por justa causa. Mas e no caso de isso ocorrer com um Odebrecht ou alguém que esteja na posição de controle da empresa, mesmo um presidente do conselho, que foi o que aconteceu no caso de Emílio Odebrecht?
Foi o que aconteceu, mas não tinha o canal. Existe uma nova gestão dentro da organização. O presidente do conselho, segundo o acordo de leniência estabelecido com a CGU, tem que deixar o posto após um prazo. O canal foi criado após o fechamento do acordo de leniência. Hoje existe uma nova administração, sem que as pessoas da família fiquem diretamente envolvidas. A única pessoa que ficou é o presidente do conselho, que terá que deixar o posto após um prazo estabelecido [de dois anos].
Hoje o comitê de riscos tem independência para tomar decisões dentro da empresa, mesmo que isso signifique envolvimento de algum acionista. Se há uma denúncia que envolve um dos acionistas da empresa, pelo modelo de governança, tem que se definir quem é a pessoa que receberia essa informação, com a condição de que ela possa tomar as providências cabíveis.
Há alguma conexão do canal de denúncia com órgãos públicos de fiscalização? Ou a apuração e correção dos erros ficarão a cargo apenas da própria Odebrecht?
A denúncia sempre passa pela apuração interna. A lei funciona de maneira que a empresa seja responsável pelo processo de averiguação, primeiro estimulando o público, tanto funcionários quanto clientes e fornecedores, a relatarem situações de não conformidade. Depois, que ela faça investigações e tudo que seja relevante seja reportado para as autoridades responsáveis, sendo que tudo precisa ficar registrado, para disponibilização posterior. É muito espelhada na lei americana, em que a responsabilidade é transferida para a própria empresa, para que demonstre que está tomando todas as ações necessárias para isso.
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