NOVO RADIOFÁRMACO PARA DIAGNÓSTICO DE CÂNCER DE PRÓSTATA É PRODUZIDO NO BRASIL PELA PRIMEIRA VEZ
Por Davi de Souza (davi@petronoticias.com.br) –
Vivemos dias onde fica clara a importância da ciência para a humanidade. Isso fica evidente em meio à pandemia do coronavírus, que está provocando uma verdadeira corrida em laboratórios de todo o mundo em busca de um meio efetivo para vencer a doença. Apesar de muito grave, a Covid-19 não é o único problema de saúde sério dos tempos atuais. Outras doenças, como o câncer de próstata, também podem ser igualmente perigosas e ameaçadoras. Felizmente, o Brasil conseguiu recentemente um importante avanço no que diz respeito ao diagnóstico deste tipo de câncer. A empresa Cyclobras, em parceria com a Unicamp, foi a primeira a produzir no país um novo tipo de radiofármaco para o diagnóstico da doença – o PSMA-1007 marcado com flúor-18. O produto tem um tempo de meia-vida maior e promete trazer vantagens para os pacientes. Para entender melhor sobre a novidade, o Petronoticias conversou com a pesquisadora da Unicamp, Elba Etchebehere (foto), que coordenou os primeiros exames e pesquisas com o novo radiofármaco, e a farmacêutica da Cyclobras, Juliana Barbin Ciampi, que também tem um papel de liderança no projeto.
Poderiam nos explicar como foi o desenvolvimento do radiofármaco?
Juliana – Essa metodologia de fazer diagnóstico de câncer de próstata já tem sido estudada há alguns anos. É o principal foco de todos os congressos de medicina nuclear. O que existe hoje para o diagnóstico do câncer de próstata, e tem sido usado largamente no mundo inteiro, é o PSMA marcado com gálio-68. Esse gálio-68 precisa ser obtido através de um gerador, que tem um custo elevado. Você não consegue atender muitos pacientes só com um gerador dentro de sua clínica de medicina nuclear. A população que está longe dessas clínicas – com gerador de gálio-68 – não têm acesso a essa opção de diagnóstico de câncer de próstata.
Elba – Essa pesquisa está sendo coordenada por mim na Unicamp, em parceria com a MND. O PSMA, que está sendo fornecido pela Cyclobrás, é novo no mercado e é chamado PSMA 1007, marcado com o isótopo radioativo flúor-18. Quando injetamos no paciente com câncer de próstata, ele se concentra nas lesões metastáticas desse câncer e também no tumor primário da próstata, nos casos dos pacientes que ainda têm a próstata.
Juliana – A Anvisa exige que as empresas tenham uma fase de pesquisa clínica no Brasil para conceder o registro de Radiofármacos. Por isso, a Cyclobrás desenvolveu parcerias com duas instituições de renome, que contam com médicos muito conceituados na área de medicina nuclear. Na Unicamp, temos um projeto que gerou as oito primeiras imagens com a Dra. Elba. A outra parceria é com o hospital AC Camargo, com o Dr. Eduardo Nóbrega. A princípio, estamos produzindo esse radiofármaco para atender esses projetos de pesquisa, com a finalidade de obter o registro mais adiante.
Quais são as vantagens desse radiofármaco?
Elba – A primeira delas é que o PSMA 1007 oferece uma qualidade de imagem muito boa. Conseguimos detectar bem as lesões, aparentemente melhor do que o Gálio-68.
Além disso, é importante frisar que alguns órgãos acabam acumulando, em termos fisiológicos, os Radiofármacos. Por exemplo, o Gálio-68 acumula mais radioatividade na bexiga urinária, comparado com o PSMA-1007. E essa diferença é muito importante.
Poderia explicar o porquê dessa característica ser tão importante?
Elba – A próstata fica encostada na bexiga. As lesões metastáticas podem ocorrer à distância, por exemplo nos ossos, mas também podem ocorrer em linfonodos locais, perto da próstata. E quando temos uma bexiga cheia de radiação, é mais difícil identificar pequenos linfonodos metastáticos, justamente por causa da quantidade de radiação na bexiga.
O PSMA 1007 não acumula essa radiação na bexiga. Ou seja, conseguimos visualizar muito melhor as lesões daquela região. Conseguimos também identificar mais facilmente uma recidiva local, por exemplo.
Esse Radiofármaco marcado com flúor-18 tem outra vantagem muito bacana, relacionada ao tempo de meia-vida. Enquanto o Isótopo gálio-68 tem uma meia-vida de 68 minutos, o Isótopo flúor-18 tem uma vida maior, de 110 minutos. Essa diferença parece pequena, mas é muito importante.
Quando trabalhamos com gálio-68, precisamos de um gerador importado da Alemanha, que é extremamente caro. Mas com o flúor-18 sendo produzido no Brasil, isso torna mais viável o exame em termos de custos para o médico nuclear.
Quantos exames já foram realizados?
Juliana – Os exames foram feitos em oito pacientes. A Drª Elba é a responsável pela pesquisa. Esse estudo clínico contempla 50 pacientes. Precisamos fazer todas essas imagens. As oito primeiras já dizem muita coisa, mas ainda precisamos completar o estudo e levantar os dados científicos.
Quais serão os próximos passos?
Juliana – Primeiro, concluir esse estudo com a Unicamp e também o estudo que temos em parceria com a AC Camargo. Esse Radiofármaco já passou por todos os testes in vitro e em animais. Agora, está sendo testado em humanos que têm a doença. Vamos resgatar dados das pesquisas que estão acontecendo no mundo inteiro e protocolar o registro na Anvisa para que possamos, o mais breve o possível, comercializar esse Radiofármaco.
Elba – Nós estamos coletando dados e fazendo os exames dos pacientes. Infelizmente, tivemos que parar com os exames por causa da pandemia da Covid-19. Por isso, os estudos clínicos pararam. Teremos que aguardar um pouco. Não queremos expor um paciente a um risco de entrar no hospital, sendo que no momento somente os casos urgentes estão indo para as unidades hospitalares.
Sob o ponto de vista do paciente, o que muda com a chegada desse novo radiofármaco?
Elba – Para o paciente, quando usamos o Gálio-68, temos que fazer uso de diurético para eliminar o material da bexiga e injetar contraste para poder ver alguma estrutura adjacente e não perder nenhuma lesão. Isso é um transtorno para o paciente, porque exige mais tempo dele no serviço de medicina nuclear.
Em termos de diagnóstico, não dá para dizer hoje que o PSMA-1007 é superior aos Galio-68 em termos de detectabilidade de lesão. Não existem tantos estudos publicados para dizer que um é melhor que o outro. Mas, o que percebemos na prática clínica é que pode haver uma capacidade maior do PSMA-1007 com flúor-18 de identificar lesões. E se você identifica mais lesões, você acaba melhorando o tratamento clínico do paciente. Em termos de ciência, pode ser que essa percepção não tenha um impacto clínico estatisticamente significativo. Mas, é o que parece. Por isso, temos que esperar todos os estudos clínicos randomizados.
O que será feito depois de concluídos os estudos?
O que pretendemos é terminar esse estudo e analisar esses dados, comparando com o que existe hoje de exames convencionais que são feitos nesses pacientes, para avaliar qual foi o ganho em termos de diagnóstico e tratamento dos pacientes que realizaram o exame de PSMA 1007 com Flúor. Não estamos comparando com o PSMA Gálio-68. A nossa análise vai ser um pouco diferente. Isto é, vamos comparar esse novo exame versus o que hoje é estabelecido nas diretrizes que são feitas rotineiramente nos pacientes com câncer de próstata, que são infinitamente menos sensíveis e eficazes do que qualquer exame com PSMA, quer seja com Flúor ou com o Gálio-68.
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