O ALMIRANTE BRASILEIRO QUE COMANDA A COALIZÃO MILITAR REVELA OS BASTIDORES DO COMBATE AOS TERRORISTAS HOUTHIS EM ENTREVISTA EXCLUSIVA
No fim de janeiro, a Marinha do Brasil assumiu o comando de uma coalizão internacional com a missão de coordenar forças navais multinacionais em operações de combate à pirataria e dos ataques dos terroristas Houthis, do Iêmen, em uma das principais rotas marítimas mundiais, que inclui o Golfo de Áden, a Bacia da Somália e o Mar da Arábia. Por lá, passam 12% do comércio mundial. Na segunda-feira (12), os terroristas Houthis dispararam dois mísseis contra um navio carregado com milho do Brasil, que se destinava a um porto no Irã. Segundo as autoridades, o ataque causou pequenos danos e não chegou a ferir a tripulação. O navio graneleiro Star Iris, de bandeira das Ilhas Marshall, era operado por uma empresa grega. O comandante da força-tarefa é o Contra-Almirante brasileiro Antônio Braz de Souza, que concedeu uma entrevista exclusiva ao Petronotícias. Ele falou sobre a sua responsabilidade ao comandar o trabalho que envolve as forças militares aeronavais de vários países contra a pirataria, em uma região que tem registrado recentes ataques contra navios mercantes realizados por terroristas Houthis do Iêmen. Esse grupo é apoiado com armas do Irã e da Coreia do Norte e vem impondo uma série de ataques com mísseis antinavios e drones armados com bombas com alto poder de destruição. Com isso, os terroristas causam graves problemas à navegação comercial – que está buscando rotas mais longas para evitar esses ataques – e provocam uma desordem na economia mundial, principalmente na Europa e Estados Unidos, mas também com sérios reflexos na logística para o Brasil.
O Contra-Almirante Antônio Braz tem 52 anos e é um militar com larga experiência em vários setores da Marinha Brasileira. No entanto, comandar uma coalizão militar internacional em meio a um conflito contra terroristas o coloca em uma posição de grande respeito dentro da força. O efetivo da força-tarefa liderada pelo brasileiro é composto por outros 13 militares brasileiros e 10 diferentes nacionalidades. Todos sediados no Bahrein, onde está o comando militar de toda coalizão. Embora envolvido em comandar as forças militares na região, o Almirante Braz não se esquece das responsabilidades da Marinha do Brasil em proteger a nossa Amazônia Azul. Ele defende o reaparelhamento e a modernização dos equipamentos da Força Naval brasileira. Isso porque a Marinha deve desativar, até 2028, cerca de 43 embarcações que atingiram a sua vida útil. O número representa 40% de toda a frota da Força Naval, que já demandava altas cifras para a sua manutenção.
“Sem a capacidade de reaparelhamento, a Marinha do Brasil tem, hoje, navios com idade avançada. Navios que têm manutenção cara e têm sobressalentes descontinuados, em uma aplicação pouco racional dos recursos. No médio e longo prazo essa realidade deixa de justificar o custo-benefício. Uma alternativa está em vincular o orçamento da defesa ao produto interno bruto que, hoje, está em 1,1%, enquanto a própria recomendação da Organização do Tratado do Atlântico Norte já estabelece 2% como o mínimo, revisando para mais em função do contexto internacional”, diz. Vamos então mergulhar nas informações trazidas pelo Almirante Antônio Braz, direto do Centro de Comando do Bahrein:
– Almirante, como é o seu trabalho aí?
O Brasil, por meio da Força Naval, lidera a Combined Task Force (CTF) 151, uma das cinco Forças-Tarefa da Força Marítima Combinada (CMF – Combined Maritime Forces), que é a maior coalizão no mundo atualmente, voltada para a estabilização de áreas marítimas (Mar Arábico, Mar Vermelho e Golfo de Áden) onde há ocorrência de pirataria.
A Força busca promover nesses territórios um ambiente marítimo seguro e livre de atividades ilícitas. A CMF é uma coalizão de vontades com 41 países membros, onde cada nação disponibiliza os apoios que estão dentro de suas capacidades. O efetivo atual da CTF 151, no que diz respeito às atividades de comando e controle, é composto por 23 militares, de 10 diferentes nacionalidades. Nossa missão é de dissuadir, interromper e suprimir a pirataria na área de atuação, que engloba o Golfo de Aden, Mar Vermelho e Arábico.
– Qual é a sua responsabilidade?
– O comandante da CTF 151 tem a responsabilidade de liderar e coordenar as operações navais multinacionais designadas para combater a pirataria marítima na região, incluindo, mas não se limitando, a liderança operacional, a coordenação internacional e a resposta e tomada de decisão de situações de crise.
– É a primeira vez que o Brasil assume um comando de tropas internacionais?
– O Brasil assume pela terceira vez o comando da CTF 151, reforçando o reconhecimento internacional, a confiança e a capacidade técnica e operacional da Marinha do Brasil como uma força capaz de contribuir ativamente nas Operações de Paz e de Segurança Marítima. A participação do Brasil na CMF pode proporcionar futuras parcerias estratégicas e fomentar a cooperação e o desenvolvimento das indústrias de defesa dos 41 países integrantes da coalizão, contribuir para o comércio marítimo global e os custos dos fretes, além de incrementar interoperabilidade e laços de cooperação com diversas Marinhas, bem como para compartilhamento de conhecimento e exercício do Comando e Controle, principalmente na condução de ações contra pirataria, que podem ser necessárias em regiões do entorno estratégico do Brasil.
– Como está a situação hoje na região do Mar Vermelho?
– A par do início do corrente conflito no Oriente Médio, tem sido verificados diversos incidentes de pirataria, não apenas nas proximidades da costa da Somália, mas também em locais situados a mais de 1.000 km dessa região, a sudeste do Mar Arábico. A pirataria nesta região dificulta o livre trânsito marítimo comercial, aumentando custos dos fretes, dos seguros marítimos, da importação e exportação de produtos e consequentemente prejudicando a economia global. Inclusive alguns navios estão mudando a rota para evitar o Mar Vermelho, aumentando o tempo de entrega dos produtos ao ter de contornar toda a costa da África.
– O senhor também tem a responsabilidade de comandar o ataque ao Houthis ou isso é feito de forma coordenada com os comandantes militares de outras nações?
– A CTF-151 atua no controle a pirataria, não se envolvendo nas atividades de conflitos da região. Os meios navais de apoios direito e indiretos a nossa força tarefa possuem as regras de engajamentos próprias, seguindo as diretrizes de seus próprios países, podendo, dentro de cada situação, atuar em autodefesa conforme diretrizes da ONU.
– Quais os tipos de embarcações estão envolvidas prontas para os ataques ao Iêmen e na defesa dos navios que ainda trafegam pelo Mar Vermelho?
– A CTF 151 possui em apoio direto dois navios, sendo um do Japão e o outro da Coreia do Sul. Recebendo também o apoio indireto de um navio da Espanha, que atua no Chifre na África e dois navios da Itália que atuam no Mar Vermelho.
– Há outros brasileiros envolvidos neste projeto? Algum navio da Marinha Brasileira?
– Não há navio da Marinha do Brasil envolvido. Para a coalizão, o Brasil contribui com 13 militares brasileiros no estado-maior da CTF 151, recebendo o apoio de diversos outros membros, num total de 10 nacionalidades. Os navios de nações que por venturam sejam membros da Força Marítima Combinada, e que estejam em trânsito na região, podem dar o apoio indireto a CTF 151, seja no compartilhamento de informações ou, dentro de suas possibilidades, cumprindo regras de engajamento.
– Qual é a sua trajetória na Marinha do Brasil?
– Sou natural da cidade de São Fidelis (RJ), no Norte Fluminense. Hoje, tenho 52 anos e fui nomeado Contra-Almirante em novembro de 2022, quando assumi o cargo de Chefe do Estado-Maior da Esquadra. Desde janeiro de 2024, sou o Comandante da Força-Tarefa Combinada 151, no Reino do Bahrein. Iniciei a carreira militar em 1987 e fui nomeado Guarda-Marinha em 1994, após concluir a graduação em Ciências Náuticas, na Escola Naval. Minha experiência acadêmica inclui Especialização em Mecânica para Oficiais de Superfície; Curso de Comando e Estado-Maior na Escola de Guerra Naval; e Curso de Promoção a Oficial-General no Instituto Universitário Militar Português (IUM).
Comandei o Rebocador de Alto Mar (RbAM) “Triunfo” (R23) – Navio de Resgate sediado no Nordeste brasileiro, quando participei das operações de Busca e Salvamento no Oceano Atlântico referentes à queda do voo 447 da Air France, em 2009. Também fui Capitão dos Portos de Alagoas por quase dois anos. Em duas oportunidades, servi a bordo do navio “Ary Rongel” (H44), principal navio de pesquisa oceanográfico do Brasil, utilizado pelo Programa Antártico Brasileiro. A primeira comissão foi como Chefe de Máquinas e a segunda como Comandante. Fui também Assessor-Chefe do Programa de Desenvolvimento de Submarinos – PROSUB; e Chefe de Gabinete do Comandante de Operações Navais.
– Poderia falar sobre qual o seu sentimento e dos demais militares envolvidos nesse momento de conflito? E quais são as projeções para a evolução desse conflito daqui em diante?
– Nós estamos muito orgulhosos em poder representá-los nessa força tarefa combinada multinacional e convidamos a todos os brasileiros a voltarem o olhar para as riquezas do mar e para a necessidade e a obrigação que temos de protegê-las. No que tange as projeções do conflito, a CTF 151 não possui a competência técnica e nem o acompanhamento aprofundado sobre as tomadas de decisão dos atores envolvidos.
No entanto, situações como a do conflito na região e as consequências de se ter o livre comércio marítimo descontinuado, cabendo a atuação de uma força combinada conjunta, só reforçam a necessidade das aplicações em Defesa, que são investimentos caros, de longo prazo, e que exige, além de orçamento, previsibilidade orçamentária. Sem a capacidade de reaparelhamento, a Marinha do Brasil tem, hoje, navios com idade avançada. Navios que têm manutenção cara e têm sobressalentes descontinuados, em uma aplicação pouco racional dos recursos. No médio e longo prazo essa realidade deixa de justificar o custo-benefício. Uma alternativa está em vincular o orçamento da defesa ao Produto Interno Bruto que, hoje, está em 1,1%, enquanto a própria recomendação da Organização do Tratado do Atlântico Norte já estabelece 2% como o mínimo, revisando para mais em função do contexto internacional.
A estatura político-estratégica do Estado brasileiro reclama por um Poder Naval compatível, dotado de capacidade operacional crível, estruturado sob condições de eficiência que garantam seu pronto emprego, para a defesa da Pátria e a salvaguarda dos interesses nacionais no mar e em águas interiores, em sintonia com os anseios da sociedade. Os oceanos são espaços naturais de poder nas relações internacionais, sendo necessário mantermos uma capacidade de reaparelhamento
Deixe seu comentário