PESQUISADOR DA PUC-RIO AVALIA QUE ALTA DEMANDA DE ENERGIA DOS EUA PESOU NA DECISÃO DE ISENTAR PRODUTOS DE ÓLEO E GÁS NO TARIFAÇO
A decisão dos Estados Unidos de isentar produtos de óleo e gás do tarifaço de 50% sobre importações brasileiras revela uma tentativa de proteger o próprio setor energético, em meio ao crescimento da demanda interna. É o que avalia o pesquisador da PUC-Rio Armando Cavanha, nosso entrevistado desta sexta-feira (1º). Como noticiamos, vários itens da pauta de exportação do segmento de óleo e gás ficaram de fora da sobretaxa imposta por Donald Trump – o que trouxe um certo alívio para o setor. Cavanha afirma que a lista de isenção das sobretaxas divulgada pelo governo americano carece de critérios claros, mas demonstra um cuidado específico com o fornecimento de energia, um tema sensível diante da pressão por eletricidade provocada pelo avanço dos data centers e da mobilidade elétrica no país. “Analisando a lista, parece claro que os EUA quiseram evitar confusão na área energética”, afirmou. “Com a explosão dos data centers e a eletrificação da frota, a demanda por energia elétrica está crescendo muito. Qualquer restrição adicional poderia comprometer a capacidade dos EUA de atender essa demanda. Por isso, acredito que optaram por não pesar a mão na energia”, acrescentou. Cavanha também destacou que a postura do governo brasileiro daqui em diante deve ser cautelosa, sem sobressaltos. “Por enquanto, o impacto direto sobre o Brasil é pequeno, mas o clima ainda é de tensão. É preciso agir com calma, esperar o furacão passar, conversar bastante e buscar um canal de diálogo. Esse é o caminho mais sensato”, concluiu.
Como fica o setor de óleo, gás e energia diante do tarifaço dos EUA?
Achei essa lista um tanto estranha, para ser sincero. Ela parece carecer de consistência e critérios bem definidos. Provavelmente foi construída com contribuições de órgãos internos de defesa comercial e econômicos, que foram juntando informações. Mas veja, por exemplo, o caso da energia e dos derivados de petróleo — como petróleo bruto e combustíveis líquidos e gasosos — que estão na lista. Só que o Brasil não exporta esses produtos para os Estados Unidos. Então, por que incluir o petróleo bruto?
Eles têm interesse nesse produto. Afinal, produzem 14 milhões de barris por dia, mas consomem cerca de 20 milhões. Ou seja, o petróleo externo é importante para eles. Então, faz sentido que tenham deixado esse item fora da sobretaxa, porque energia barata é estratégica para os EUA. E, para o Brasil, isso é ótimo.
Sobre gás natural e petróleo em estado gasoso ou líquido, acredito que a lista esteja se referindo ao GNL (gás natural liquefeito). Nós importamos GNL dos Estados Unidos — não exportamos. Então, mais uma vez, ficou uma zona nebulosa. Parece mal explicada a inclusão de certos itens.
E os fertilizantes? Fosfatos também foram citados na lista de isenção…
Pois é. Também achei curioso. O Brasil não é autossuficiente em fertilizantes, muito pelo contrário — dependemos fortemente da importação. Fechamos diversas plantas nos últimos anos. Então, novamente, não exportamos para os EUA, mas está na lista. Isso reforça a impressão de que faltou uma análise mais profunda na elaboração do tarifaço.
O mesmo vale para minérios energéticos, como o carvão. Os EUA ainda têm bastante carvão, embora estejam tentando sair dele. A impressão geral que fica é de que essa lista acabou, na prática, não prejudicando o Brasil. Principalmente por conta do petróleo bruto. Hoje, o Brasil produz cerca de um milhão de barris a mais do que consome e exporta para vários mercados, como a China. Se eventualmente quisermos exportar para os Estados Unidos, será sem tarifa. Isso é excelente.
E quais seriam os problemas potenciais dessa lista para os americanos?
O maior desafio vai ser na aduana nos Estados Unidos. Com uma lista tão extensa e confusa, imagine o impacto para os serviços alfandegários. Vai ser uma carga de trabalho brutal. Cada produto terá que ser analisado individualmente, o que significa mais burocracia, mais custos e mais tempo. Não sei se os EUA vão conseguir lidar com isso eficientemente.
E como o senhor interpreta as exceções feitas na área de energia?
Analisando a lista, parece claro que os EUA quiseram evitar confusão na área energética. O objetivo deles é reduzir o custo da energia interna. Eles vêm questionando as fontes renováveis por não gerarem energia firme de forma contínua. Então, optaram por abrir mais espaço para o petróleo e outras fontes fósseis, buscando maior autonomia energética — algo que ainda não têm.
A situação energética deles está sob pressão. Com a explosão dos data centers e a eletrificação da frota, a demanda por energia elétrica está crescendo muito. Qualquer restrição adicional poderia comprometer a capacidade dos EUA de atender essa demanda. Por isso, acredito que optaram por não pesar a mão na energia.
E qual deveria ser a postura do Brasil daqui em diante? Muitos defendem cautela para evitar retaliação.
Não vejo sentido em uma reação por parte do Brasil. Seria um confronto totalmente desproporcional em termos de força econômica e financeira. Não vale a pena. O que o Brasil deve fazer agora é preservar seus interesses, evitando se tornar ainda mais vulnerável do que já está.
A melhor saída seria apostar na diplomacia e buscar aproximação. O problema é que hoje o governo brasileiro não parece ter uma linha clara de atuação nesse sentido. Então, sim, é um desafio. Mas eu não defenderia retaliação. Seria o pior caminho. Os EUA têm poder para suportar um embate, e nós não.
Então, o momento é de alívio, mas com cautela?
Exato. Por enquanto, o impacto direto sobre o Brasil é pequeno, mas o clima ainda é de tensão. É preciso agir com calma, esperar o furacão passar, conversar bastante e buscar um canal de diálogo. Esse é o caminho mais sensato.
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