PESQUISADOR DA UFRJ DIZ QUE CENÁRIO DA ENERGIA NA EUROPA NÃO VOLTARÁ AO CENÁRIO PRÉ-GUERRA APÓS ATAQUES AO NORD STREAM
Por Davi de Souza (davi@petronoticias.com.br) –
Após mais de um mês desde o fechamento do Nord Stream 1, que teve sua operação suspensa no início de setembro pela Rússia, o mundo assistiu também na última semana uma série de ataques contra o gasoduto, que estão sendo classificados até aqui como atos de sabotagem. Ainda há muito o que ser investigado sobre as explosões nas linhas Nord Stream 1 e 2, mas um fato já é dado quase como certo: os ataques contra os gasodutos romperam de vez as possibilidades de novos contratos de exportação-importação de gás russo. Essa é a visão do coordenador do Grupo de Estudos do Setor Elétrico (Gesel) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), professor Nivalde de Castro. “Independentemente de quem fez a sabotagem, o ato é de um simbolismo extremo, do tipo cortar o cordão umbilical, por representar de fato a quebra da dependência europeia ao gás russo. Em suma, em nossa humilde opinião, não há mais retorno ao status energético pré-invasão da Ucrânia”, avaliou. O pesquisador considera ainda que o impacto econômico desse cenário sobre as economias dos países membros da União Europeia será brutal. “Primeiro, pela impossibilidade de, no curto prazo, substituir o gás russo. Em segundo, há uma consequente elevação do preço da energia, iniciando assim um processo inflacionário recorde”, prevê. Contudo, Castro acredita que o quadro atual deve acelerar ainda mais o movimento de transição energética do Velho Continente, abrindo assim oportunidades para outros países fornecedores de energia limpa e hidrogênio verde. “O Brasil se enquadra nesse perfil, podendo transformar-se em um grande produtor mundial dado o nosso potencial de ser um país continental, tropical com terras, água, vento e sol abundantes”, projetou.
Olhando pelo lado Europeu, quais são as consequências para o abastecimento de energia no próximo inverno a partir do fechamento do Nord Stream 1?
A Rússia é o segundo maior produtor de gás natural do mundo, só abaixo dos EUA, mas é o maior exportador mundial, em grande medida por ser o maior fornecedor para a Europa, via gasodutos, em especial pelo Nord Stream 1. Esta dependência europeia em cerca de 50% se deu pela competitividade russa: proximidade, abundância e gasodutos. Não havia concorrência contra os russos.
Após a invasão da Ucrânia, a determinação das sanções econômicas contra a Rússia, em grande medida incentivadas pelos EUA – principal concorrente russo no mercado mundial de gás e petróleo -, teve como contrapartida política a suspensão das exportações deste insumo energético essencial para as atividades econômicas e bem-estar social.
O impacto econômico sobre as economias dos países membros da União Europeia é “brutal”. Primeiro, pela impossibilidade de, no curto prazo, substituir o gás russo. Em segundo, há uma consequente elevação do preço da energia, iniciando assim um processo inflacionário recorde. O cenário europeu é de estagflação: redução das atividades econômicas com inflação análoga ao que a Europa e o mundo passaram nos anos de 1970 com a crise do petróleo.
E, no dia 26 de setembro, o Nord Stream 1, principal gasoduto que abastece a Europa foi objeto de sabotagem. Independentemente de quem fez a sabotagem, o ato é de um simbolismo extremo, do tipo cortar o cordão umbilical, por representar de fato a quebra da dependência europeia ao gás russo. Em suma, em nossa humilde opinião, não há mais retorno ao status energético pré-invasão da Ucrânia.
De que forma o fechamento do Nord Stream 1 está reverberando no mercado mundial – e brasileiro – de energia?
Ao nível mundial, a Guerra da Ucrânia determinou uma situação de insegurança energética, com a retirada, forçada pelas sanções econômicas, do gás e petróleo russos do mercado mundial. Como consequência, houve elevação e oscilações abruptas dos preços dessas duas commodities no mercado mundial. O Brasil enfrentou os reflexos dessa redução da oferta com aumentos e oscilações destes dois insumos energéticos, dado que a política de preços da Petrobrás está indexada ao preço internacional.
Poderia comentar também como toda essa situação pode impactar – ou acelerar – os planos de transição energética na Europa?
A atual fase que a Europa e mundo enfrentam é da Transição e Crise Energética. Neste novo contexto, a prioridade é de políticas públicas gerais e nacionais, em especial europeias, para mitigar o impacto da crise sobre o orçamento familiar e sobre segmentos industriais eletrointensivos. Estão sendo adotadas medidas heterodoxas inimagináveis, como tabular preço da energia elétrica, impostos sobre lucros excessivos e distribuição de subsídios na forma de renda extra para que as famílias possam pagar as contas de eletricidade.
No entanto, para a Europa, a estratégia da transição energética sempre teve como um dos objetivos centrais a busca da segurança energética para sair da dependência de dois mercados – gás e petróleo – que têm uma estrutura de oligopólio. O outro objetivo é o da sustentabilidade ambiental.
A crise da Ucrânia demonstrou claramente a fragilidade do terceiro maior bloco econômico do mundo. Assim, os objetivos da transição energética, de aumentar a participação das fontes renováveis na matriz elétrica, já foram antecipadas para 45% em 2030.
Além disso, outra opção que ganha força dentro desse contexto de transição e crise é o hidrogênio verde. Gostaria que falasse um pouco sobre essa nova fronteira tecnológica e qual o papel que o Brasil poderia desempenhar nesse mercado.
O hidrogênio verde é, no atual estágio do desenvolvimento científico e tecnológico, o único bem energético capaz de substituir o carvão, gás e petróleo dos processos produtivos que não podem usar a energia elétrica, como siderurgia, petroquímica, transportes pesados (trem, caminhões, navios) etc.
Apresenta, assim, um potencial de expansão da produção muito grande, especificamente nos países que têm potencial de recursos renováveis em eólica e solar, cadeia industrial nacional com demanda potencial de H2V e infraestrutura de portos oceânicos. O Brasil se enquadra nesse perfil, podendo transformar-se em um grande produtor mundial dado o nosso potencial de ser um país continental, tropical com terras, água, vento e sol abundantes.
Enquanto isso, para a Europa, substituir carvão, petróleo e gás pelo H2V será uma grande vantagem competitiva, por sair de um mercado oligopólio muito sensível e influenciado pela geopolítica mundial para outro mercado que vai se estruturar como um oligopsônio. Ou seja, muitos países irão querer exportar para um grande mercado, como é o europeu.
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