PESQUISADOR PROPÕE PROGRAMA NUCLEAR DE LONGO PRAZO PARA O BRASIL | Petronotícias




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PESQUISADOR PROPÕE PROGRAMA NUCLEAR DE LONGO PRAZO PARA O BRASIL

Por Daniel Fraiha (daniel@petronoticias.com.br) – 

Alexandre RamosA tecnologia de geração nuclear já é reconhecida no meio científico quase todo como uma das mais avançadas no mundo e os critérios de segurança estão continuamente sendo revistos e aprimorados, mas a opinião pública ainda resiste em muitas partes a aceitar a energia nuclear como um fator positivo. O pesquisador da USP Alexandre Ramos, pós-doutor pela Stony Brook University, de Nova York, é uma das pessoas que tentam desmistificar o segmento nuclear para a sociedade, levando o conhecimento científico e técnico a diversas partes com este intuito. O pesquisador atua na realização de estudos utilizando métodos de física teórica em sistemas biológicos pelas seguintes instituições: Escola de Artes, Ciências e Humanidades; Núcleo de Pesquisa em Modelagem de Sistemas Complexos; e Departamento de Radiologia e Oncologia e Instituto do Câncer do Estado de São Paulo, da Faculdade de Medicina da USP; sendo que um de seus projetos é a apresentação dos conceitos científicos por trás das tecnologias nucleares para toda a população, incluindo grupos de oposição à indústria nuclear. “Tem doutores em ciência, de outras áreas, que seguem pré-concepções, e acabam formando opiniões contrárias sem embasamento científico. Se acontece isso nessa esfera, como vou querer que pessoas sem formação de tão alto nível entendam?”, questiona Ramos, que criou um programa de estudos voltado a esse público, com foco inicial em estudantes de graduação da área ambiental, onde a oposição à energia nuclear costuma ser maior. “O resultado foi muito positivo, porque muitos vieram ao final falando que tinham visões contrárias sem o conhecimento adequado e passaram a entender melhor”, relata o pesquisador, que vai apresentar seu modelo de divulgação do conhecimento em palestra no próximo Seminário Internacional de Energia Nuclear – SIEN 2016, que acontece nos dias 20 e 21 de setembro, no Centro Cultural Fundação Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro.

Ramos ressalta ainda a importância da reposição dos profissionais da área nuclear brasileira, já que a maior parte da indústria está perto da aposentadoria, e defende que o governo crie um programa de Estado para renovar o parque nuclear brasileiro. Nesse quadro, as ações prioritárias seriam a finalização de Angra 3, do submarino nuclear, do reator multipropósito e o lançamento de novas usinas num plano de longo prazo, incluindo também a sugestão de criação de um projeto de pesquisas que una Estado, academia e empresas, como já existe nos Estados Unidos.

O que o senhor preparou para apresentar na palestra marcada para o Seminário Internacional de Energia Nuclear?

Meu objetivo é falar sobre a minha experiência na área de divulgação em energia nuclear. Tenho trabalhado nessa área desde 2012 mais formalmente, e organizei um material de divulgação especialmente voltado ao público interessado na área ambiental, muitas vezes contrário à energia nuclear, mas com um conjunto de opiniões formuladas de forma pouco rigorosa cientificamente. Baseado nisso, a ideia do estudo era formular uma apresentação e um conjunto de conceitos sobre energia nuclear que permitisse a esse grupo ao menos ter uma opinião embasada no conhecimento científico. É esse conjunto de conceitos que será apresentado.

Como seria essa apresentação?

Montamos uma apresentação mostrando os benefícios e os impactos positivos da eletricidade para a melhoria das condições de vida da sociedade, com melhorias em hospitais, saneamento básico, transporte etc. Depois falamos um pouco sobre as limitações da capacidade de transformação energética, demonstrando que a melhor coisa que conseguimos fazer é minimizar o impacto negativo, já que toda transformação energética tem alguma questão de impacto envolvida. Por fim, então, focaremos na geração a partir da fonte nuclear, mostrando que a quantidade de material usado pelas usinas é muito menor do que outras fontes, então o impacto é muito menor, como em relação ao carvão, por exemplo. Além dos benefícios das tecnologias nucleares em várias outras áreas, como agricultura, saúde etc.

Por que o título da apresentação é “Aplicações das tecnologias nucleares: o retorno de Prometeu?”?

Porque o mito de Prometeu mostra a importância para a humanidade da “domesticação” dos fenômenos naturais, como o fogo. Sendo assim, a domesticação do núcleo atômico traz a expectativa de transformação das condições de vida obscuras com a iluminação. A perspectiva de ampliar o uso das tecnologias nucleares possibilita melhorias nas condições de vida. A usina nuclear de Angra 1, por exemplo, gerou eletricidade em 2015 suficiente para movimentar o metrô da cidade de São Paulo por nove anos. Se pensarmos em termos de anos, a malha poderia ser multiplicada por nove, reduzindo emissão de gases pelos automóveis. É uma maneira de pensar que leva a uma organização da sociedade de modo mais limpo e sustentável.

Do ponto de vista da saúde, se você tem que fazer uma imagem hoje utilizando radiofármacos, eles precisam ser produzidos perto do local onde serão utilizados, porque têm uma meia vida muito curta. Se não tiver um centro produtor de radiofármacos próximo do local de uso deles, não tem condição de diagnosticar a população em várias áreas do país. Então a expansão disso é muito importante.

Na questão da agricultura, se você banha um alimento com radiação gama, gera uma capacidade de preservá-lo por muito mais tempo, sem qualquer impacto negativo para o homem.

Quais são os maiores desafios da indústria nuclear em relação à opinião pública?

Tornar essa ciência cognoscível. Em algum nível a população precisa entender esses fenômenos desmistificando eles. Temos que olhar para o fenômeno nuclear como um fenômeno natural, que é o que ele é de fato. Temos que trazer isso para o cotidiano da população.

Como reverter a imagem negativa sobre o setor que ainda existe em algumas partes?

É importante diferenciar o que é fenômeno natural do que é decisão governamental. Recentemente, fui a um evento em que se falava que tinha que parar de usar energia nuclear porque as vítimas de Chernobyl tinham ficado desassistidas. Então a falha é de quem tem a responsabilidade de oferecer a assistência às vítimas de um acidente, e não da tecnologia em si.

Mas no caso de comparações com Chernobyl, o maior medo é em relação ao acidente em si, não?

Eu estive em Chernobyl, analisei os relatórios feitos pela ONU, e há uma divergência muito grande entre os efeitos do acidente e a percepção que a população tem dele. Como é um fenômeno que a capacidade de detecção é muito refinada, já que não se vê a radiação, ele é o desconhecido, então é natural o sentimento de receio. Por conta disso, fica-se sujeito à ampliação da percepção.

No caso de lá, falam-se em 5 mil mortes quando o acidente é tratado na mídia, geralmente. Mas quando analisam-se todos os relatórios feitos sobre o acidente, da ONU, da Rússia, das entidades independentes, a realidade é que houve menos de 50 mortes. Então o senso comum é um mau guia nesse assunto. É necessário que a ciência entre para desmistificar essa questão e estimular uma busca pelo maior conhecimento sobre o assunto.

Quais ações podem ser tomadas pelas empresas da área  nuclear neste sentido?

Uma delas é, sem sombra de dúvida, contribuir para uma cultura de educação científica. Fomentando, por exemplo, a criação de museus. Em São Paulo, temos um museu chamado Catavento, para divulgação da ciência, que visitei outro dia e estava cheio de crianças. Então uma política de divulgação da ciência nuclear seria um fator importante. Na minha infância, a NASA tinha um programa de divulgação de viagens espaciais. Eu, quando criança, tinha um brinquedo que era um ônibus espacial. No caso da energia nuclear, por que isso não está na boca do povo?

Como o governo pode atuar para mudar isso também, já que o país vai precisar de novas usinas nucleares nos próximos anos?

É necessário que o governo estabeleça um grande projeto, de Estado, pensado em décadas, de renovação do parque nuclear brasileiro. Se for analisar a idade média da CNEN (Comissão Nacional de Energia Nuclear), está em cerca de 60 anos, perto de aposentar todo mundo, sem apresentar reposição. Então a primeira questão é que o governo comece a contratar gente jovem, para dar continuidade ao programa. É essencial finalizar Angra 3, assim como o submarino nuclear e o reator multipropósito, e iniciar um novo programa forte, com a inclusão de novas usinas e estímulo a debates com a sociedade, por meio de audiências públicas, que coloquem as pessoas da área para interagir com a sociedade, respondendo perguntas, apresentando o conhecimento também em locais onde há formadores de opinião, como o Congresso, a imprensa, as federações das industrias etc. Além disso, é fundamental a criação de um programa de desenvolvimento de tecnologia na área, porque se não fica difícil difundir conhecimento.

Os Estados Unidos tem um programa de pesquisa em fusão nuclear por confinamento inercial, com o objetivo de gerar eletricidade via fusão nuclear, que há décadas funciona muito bem coordenando parcerias entre Estado, universidades e empresas. Ele gera conhecimento, novas tecnologias, empregos, investimentos e dá muito retorno à sociedade. Precisamos de projetos similares aqui.

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