PETROBRÁS ALEGOU 40% DE SOBREPREÇO EM FPSO FEITO NO BRASIL SEM TER PROPOSTAS PARA COMPARAR
Por Daniel Fraiha (daniel@petronoticias.com.br) –
A Petrobrás assumiu um discurso de que o preço para a construção do FPSO de Libra no Brasil seria 40% maior do que no exterior, mas até hoje não mostrou os dados que embasam essa afirmação, e esse pode não ser o pior problema. Em reunião com representantes do Movimento Produz Brasil, a estatal afirmou que essa comparação na verdade foi feita em relação a uma estimativa de custos do próprio consórcio, e não com outra proposta recebida em licitação. A informação foi dada pelo presidente da Abimaq, José Velloso, em evento promovido pelo Sinaval para discutir a importância do conteúdo local para a indústria brasileira e os problemas contidos no pedido de waiver da Petrobrás para Libra, o primeiro bloco do pré-sal a ser leiloado no País.
De acordo com Velloso, a reunião incluiu o presidente da Petrobrás, Pedro Parente, e a diretora de exploração e produção, Solange Guedes, além de outros técnicos da estatal, sendo que outro fator relevante apontado pela companhia no encontro foi um componente do custo da Modec, em que 20% do valor previsto seria relativo a multas pelo descumprimento de conteúdo local.
Ou seja, além de alegarem que custaria mais construir no País, um quinto do preço total seria na verdade causado pelas atividades e compras que deveriam ser feitas aqui, mas acabariam levadas para fora do Brasil.
Outro fator que também foi duramente criticado no evento foi a comparação de preços de afretamento, o que não faria parte do escopo do contrato de partilha, de acordo com a visão de executivos do setor offshore. Para eles, esse componente entra na parte de estratégia comercial, escolhida pelas operadoras pela incapacidade de financiarem a construção das unidades, porém que agrega um custo extra de financiamento.
“Nesse quesito, a proposta da Modec era de agosto de 2015, quando o risco Brasil e o risco Petrobrás estavam altíssimos, o que com certeza deu um peso extra para o custo dos financiamentos propostos pelos bancos, já que a garantia seria a Petrobrás”, afirmou Velloso, lembrando que naquele período ainda havia muitas incertezas no cenário político nacional e a situação de endividamento da Petrobrás era preocupante.
As estimativas feitas pelos presentes, que incluíam ainda o presidente do Sinaval, Ariovaldo Rocha, o presidente da Abemi, Nelson Romano, e o presidente da Sobena, Ricardo Porto, entre outros representantes do Movimento Produz Brasil, indicaram que o FPSO teria um custo médio de US$ 1,5 bilhão, mas que no afretamento, somadas as taxas pagas ao longo de 21 anos, daria US$ 5,5 bilhões, de modo que o custo do financiamento seria muito significativo para o cenário completo, ainda mais levando-se em consideração as ponderáveis de risco que influenciam nele.
A advogada do Sinaval, Daniela Santos, fez uma apresentação sobre as falhas técnicas do pedido de waiver, separando do processo as questões que são pertinentes à cláusula do contrato de outros temas usados pelo consórcio de Libra no documento. Segundo ela, os critérios que poderiam dar à Petrobrás o direito de waiver seriam a comprovação de preço irrazoável, prazos excessivos, a inexistência de tecnologia no Brasil ou a incapacidade de fornecimento por parte da indústria nacional, mas nenhum destes pontos foram provados pela Petrobrás. Pelo contrário, ela apenas fez um pedido genérico, com dados defasados e sem consultar a o mercado nacional.
“Nós fizemos uma consulta interna na Abimaq, o Sinaval consultou os estaleiros brasileiros e a Abemi fez o mesmo com as empresas de engenharia, construção e montagem, mas ninguém foi procurado para o levantamento de preços para Libra. Nenhuma empresa das entidades do Movimento Produz Brasil”, afirmou Velloso, voltando a questionar as alegações da Petrobrás que embasaram as afirmações de 40% de sobrepreço.
O presidente do Sinaval, Ariovaldo Rocha, também saiu em defesa da indústria nacional, ressaltando que os estaleiros nacionais têm ativos somados em R$ 20 bilhões, com investimentos em capacitação da ordem de R$ 5 bilhões a R$ 6 bilhões, mas não há serviços no horizonte.
“Chegamos a ter 82 mil empregos diretos em 2014, com um reflexo ainda maior nas contratações indiretas, mas desde então perdemos cerca de 50 mil empregos diretos”, disse, reiterando que consideram os pedidos de waiver para Libra e Sépia ilegais e que continuarão buscando a justiça para evitar que as obras sejam todas enviadas para o exterior.
O vice-presidente do conselho da ABCE, Rodrigo Sigaud, reiterou que o contrato de partilha proíbe o waiver para engenharia básica e de detalhamento, mas mesmo assim a Petrobrás incluiu essas etapas no pedido, o que já mostra de cara a falha no processo, e reiterou a importância de fortalecer a engenharia nacional.
“O que a gente quer? Que nossos engenheiros procurem trabalho fora do País? Enquanto todos os países buscam formas de incentivar a criação de empregos e projetos em seus territórios, a gente vai abrir mão disso? E nós temos competitividade, inclusive em relação aos asiáticos, mas, da forma que está caminhando a política de conteúdo local, o risco é que essa a parte de engenharia voltada ao setor de petróleo acabe no Brasil”, afirmou Sigaud.
O presidente da Abimaq enfatizou a competitividade da indústria nacional e ressaltou que atingiram um volume de exportações de US$ 12 bilhões em 2013 somente com máquinas e equipamentos, representando 44% do total de vendas nacionais. Desse volume, 50% foi para Estados Unidos e países da Europa.
“A cada R$ 10 bilhões de demanda interna no Brasil, são criados 282 mil empregos e isso impacta em R$ 33,3 bilhões no PIB nacional. E esse total (R$ 10 bilhões) foi o mesmo que as companhias de petróleo tiveram de subsídio via Repetro para a importação de bens e materiais por ano entre 2011 e 2013”, afirmou Velloso.
Ele ressaltou que muitas empresas internacionais investiram grandes valores no Brasil nos últimos anos, para atender à demanda do setor e às exigências de conteúdo local, mas agora estão repensando essas posições diante da quebra da política.
“Se existe um incentivo com dinheiro público, tem que ser medido o retorno desse benefício. Na questão do Repetro, isso nunca foi feito. Deveria haver no mínimo uma contrapartida dos investidores no País”, defendeu o executivo da Abimaq.
O representante do Instituto Aço Brasil também criticou o pedido da Petrobrás, assim como a quebra do conteúdo local, lembrando que os problemas de custo no Brasil têm outras origens.
“O conteúdo local foi demonizado. Ao invés de atacar os fatores que geram um custo adicional, colocaram o conteúdo local como vilão. Mas a Petrobrás atingiu recordes no pré-sal em tempo recorde com apoio da indústria nacional, gerando emprego, tecnologia e conhecimento, inclusive com a participação de empresas internacionais, que estão todas aqui”, afirmou.
O presidente da Abemi, Nelson Romano, também defendeu as empresas brasileiras, destacando a capacitação delas e afirmando que cada FPSO que é feito fora do País deixa de empregar 300 engenheiros no Brasil, além de milhões de homens-hora nas etapas de construção e montagem.
“As empresas brasileiras podem fazer da cabeça do poço ao flare. Temos capacitação para isso e nossa engenharia é competitiva. O que acontece é que os afretadores buscam sua comodidade e seu país de origem, então a engenharia brasileira acaba sendo relegada a segundo plano. Estamos sendo confundidos com reserva de mercado , mas esse não é o objetivo e nem é o que acontece com o conteúdo local. O foco é uma política industrial”, afirmou Romano.
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