CONTROLE DO PRÉ-SAL PELA PETROBRÁS É APONTADO COMO FATOR IMPORTANTE PARA O DESENVOLVIMENTO DA INDÚSTRIA NACIONAL
Por Luigi Mazza (luigi@petronoticias.com.br) –
Peça central no furacão de mudanças que atinge hoje o país, a Petrobrás tem muitos caminhos pela frente. Com o objetivo de retomar seu ritmo de investimentos para os próximos anos, a empresa, sob a nova gestão de Pedro Parente, deve enfrentar o fantasma do endividamento, considerado hoje o maior da indústria mundial de petróleo: R$ 450 bilhões. Ao passo que esse desafio vem sendo combatido com uma aceleração da venda de ativos, novas alternativas para recuperação financeira podem ser seguidas pela empresa, mantendo as prioridades na valorização do mercado interno nacional. É o que defende o ex-deputado federal e atual conselheiro da Associação dos Engenheiros da Petrobrás (AEPET), Ricardo Maranhão, para quem a mudança de rumo da empresa deve ser gradual e com foco no longo prazo, abrangendo a renegociação de contratos com fornecedores e a desdolarização da dívida – segundo ele, a valorização do dólar é responsável por até R$ 70 bilhões do endividamento total da companhia. Entre as principais mudanças, no entanto, estaria o controle na produção dos campos do pré-sal através da operação única da Petrobrás. Segundo Maranhão, o ritmo de produção na região deve acompanhar o desenvolvimento da logística e da cadeia nacional de fornecedores, o que não seria garantido sob a operação de companhias da iniciativa privada. Para isso, a empresa deveria renegociar prazos de campanhas exploratórias com a Agência Nacional do Petróleo (ANP) e desenhar novos cronogramas para assegurar a expansão da indústria nacional de óleo e gás. “Se fizermos uma produção do pré-sal muito rapidamente, corremos o risco de alijar a indústria e a engenharia brasileira de fornecimento. Eles precisam de tempo para aumentar sua capacidade de produção e gerar tecnologia.”
Como é o trabalho desenvolvido pela Massangana Consultoria?
Depois de 25 anos de carreira na Petrobrás, hoje sou um consultor de empresas, promovo negócios. Como conheço muitas pessoas do meio, promovo a venda de equipamentos e materiais para diversos setores.
Como o senhor avalia as mudanças que a Petrobrás está vivendo hoje?
A Petrobrás passou por revisões de planos de negócios, como todas as empresas do setor, e houve venda de ativos, mudança de estratégia e adiamento de projetos. Isso é um quadro geral na indústria. Mas ainda hoje, depois de duas revisões do plano, ela está com uma faixa de investimento da ordem dos US$ 20 bilhões por ano, com um total de US$ 98 bilhões nos próximos cinco anos. Esse é um número muito importante, porque a Exxon Mobil, que é maior empresa do mundo no setor, está com um plano de US$ 22 bilhões por ano. Mesmo com todas as dificuldades, a Petrobrás está quase empatada, então a alegação de que a empresa está quebrada e falida precisa ser refundada. E é preciso ressaltar que tanto Bendine quanto Parente convergem ao dizer que a Petrobrás tem cerca de US$ 100 bilhões em caixa; esse é o primeiro sintoma de uma empresa que não está quebrada.
Além disso, a Petrobrás lançou recentemente no mercado títulos com vencimento de 100 anos, o que mostra, no mínimo, uma confiança na empresa. É uma companhia que, nos últimos 13 anos, conseguiu descobrir petróleo e incorporar esse petróleo às reservas sempre em nível superior ao petróleo produzido no mesmo período. Ela consegue botar 120%, 130% do que produz, e isso vem se repetindo. Nenhuma outra grande empresa consegue repor reservas nesse nível.
Mas hoje a empresa é uma das mais endividadas do mundo. Como isso deve pesar sobre novos investimentos?
A Petrobrás tem uma dívida grande, mas todos os números da Petrobrás são muito grandes. É assim com os impostos e com os pagamentos. Essa dívida, porém, está em grande parte dolarizada. Quando dizem que a empresa deve R$ 430 bilhões, dizem isso porque o dólar estava a R$ 4,3 reais. Como o câmbio arrefeceu, isso já cai em uma diferença de R$ 70 bilhões na dívida.
Os problemas financeiros não podem travar os investimentos da empresa?
O projeto mais importante da Petrobrás é o pré-sal, então dizem que atrasar esse investimento seria uma coisa preocupante. A Petrobrás descobriu o pré-sal em 2006, com investimentos e tecnologias próprias, correndo risco. Em 2008, já estava produzindo. Em 2014, chegou a 400 mil barris. Em 2016, chegou a 1 milhão de barris, como foi anunciado no dia 8 de maio. Isso foi um feito extraordinário, porque levamos 19 anos para chegar a isso na Bacia de Campos. Os americanos e outros que atuam no Golfo do México levaram de 12 a 15 anos. Nós, em um período menor, chegamos a 1 milhão de barris, então o pré-sal está aceleradíssimo.
Mas e quanto aos investimentos que ainda precisam ser feitos?
Hoje estamos com seis ou sete plataformas para o pré-sal em construção no Brasil ou no exterior, então isso vai continuar, até porque a empresa está concentrando grande parte desses US$ 20 bilhões anuais na exploração do pré-sal. Mas devemos produzir de maneira exacerbada, acelerada? Acho que não, não devemos retardar nem precipitar. Se fizermos uma produção do pré-sal muito rapidamente, corremos o risco de alijar a indústria e a engenharia brasileira de fornecimento. Eles precisam de tempo para aumentar sua capacidade de produção e gerar tecnologia. Podemos aumentar a produção demasiadamente e repetir o que aconteceu na Holanda em relação ao gás, o que ficou conhecido como “doença holandesa”. A produção aumenta demais, o consumo não é compatível, aumenta a exportação, a moeda fica valorizada e isso pode levar a um processo de desindustrialização no país. É preciso produzir, mas de forma controlada. E isso só se faz tendo a Petrobrás como operadora dos consórcios, porque só podemos fazer isso se tivermos controle da produção.
O senhor defende a manutenção da operação única no pré-sal?
Nós [da Aepet] defendemos. Desde 1997, as licitações vinham sendo feitas sob o regime de concessões, mas o pré-sal foi um fato novo. O regime de partilha foi feito porque, no pré-sal, o risco do investimento é mínimo ou inexistente. Em 2013, todos os poços furados pela Petrobrás apresentaram óleo, ou seja, 100% de acerto. Além de não haver risco, os poços são extraordinariamente produtivos e o óleo é leve, de baixa viscosidade, o que resulta em uma cotação melhor no mercado internacional. A produção pode crescer rapidamente e o Brasil se tornar um grande player do setor.
Que medidas podem ser tomadas para reduzir o problema da dívida na empresa?
Um ponto importante para o equacionamento da dívida é que as concessionárias de energia elétrica, subsidiárias da Eletrobrás, têm dívidas com a Petrobrás e não pagam. Por que não vão até a empresa e cobram? Se a Eletrobrás está devendo tem que pagar o fornecimento; se fosse empresa privada já tinha cortado. Eles devem aproximadamente US$ 4 bilhões, que é quase o valor necessário hoje para concluir o Comperj. É uma saída para as dívidas. A Petrobrás, por outro lado, deve muito aos bancos públicos, mas isso pode ser trocado por capital acionário ou debêntures de longo prazo. Pegar empréstimo nos BRICS também é uma alternativa.
É importante desdolarizar a dívida, que aumentou muito com a flutuação cambial. Outro ponto importante é renegociar contrato com fornecedores, porque os equipamentos se tornam baratos quando o barril de petróleo está baixo. Os contratos antigos têm que ser renegociados. Além disso, pesam hoje os compromissos firmados com a ANP. É preciso mostrar qual é a situação para a ANP e negociar em termos de cronogramas. Em vez de cumprir, atrasar alguns prazos.
Como avalia o andamento do plano de venda de ativos da Petrobrás?
O governo hoje tem orientação liberal e só fala em vender ativos. Isso não é um bicho de sete cabeças e é comum na indústria, não somos absolutamente contra, mas nós afirmamos que não é a única solução para equacionar. E se for aplicada, deve ser com cautela; não pode ser feita de forma a desintegrar a Petrobrás. Para ter sucesso na indústria, uma empresa precisa ter porte e ser integrada. Ou seja, precisa controlar as etapas de exploração, perfuração, produção, transporte, refino e comercialização, porque em cada segmento existe um volume de investimentos e um risco. A BR Distribuidora, por exemplo, não tem risco, o máximo que pode acontecer é um posto explodir. A Petrobrás não investe nem 1% dos seus recursos em distribuição. Ela não pode vender a BR porque vai perder uma atividade que é lucrativa com pouco investimento. Ademais, existe uma pesquisa mostrando que o logotipo da BR é muito mais conhecido que o antigo da Petrobrás, então está diretamente ligado ao nome da companhia. É estranho uma companhia fazer produção, refino, e não vender o produto final.
Como o senhor enxerga a possível mudança nas regras de conteúdo local?
O presidente Pedro Parente chegou dizendo: “sou contra o conteúdo local, a reserva de mercado, tem que ter competição, tem que ter segurança de prazo, qualidade”. Isso é o paraíso. Agora, produzir aqui no Brasil é gerar emprego, gerar tecnologia, inovação, pagar imposto e aumentar o parque industrial. Nenhum país do mundo pode ser autossuficiente em tudo. Não dá para plantar maçã ou uva no deserto do Saara, e também não dá para atrelar a indústria de petróleo, que representa 13% do PIB brasileiro, a fornecedores nacionais que cobram 10% mais caro. Pode fazer reserva de mercado, mas não pode vender tão mais caro.
As mudanças que vêm sendo feitas pela ANP, com uma amenização das cobranças, caminham nesse sentido?
A política de conteúdo local é importante, deve proteger a indústria, mas não é só isso. Ela tem que ser transitória. É preciso exigir uma curva de aprendizado para que a indústria seja competitiva e possa ir para fora. Mas não é por isso que vamos arrebentar a política. O presidente que chegou ontem deveria ter um pouco mais de humildade para discutir com os técnicos da Petrobrás, entidades representativas de fornecedores e muitos outros.
A atual política de conteúdo local está sendo aplicada de maneira correta?
Não, há estrangulamentos. Mas não é por isso que vou dar uma reviravolta com estrangeiros e matar a indústria. As pessoas, as nações e as indústrias têm uma fase de aprendizado. Acho que a política tem que ser mantida e compatibilizada com os projetos do país. Não podemos cometer os erros do passado. Antigamente, a Petrobrás tinha política de apoio irrestrito à indústria nacional; era caro comprar válvula aqui, e para o preço ficar razoável precisava comprar cem em vez de uma. Em 2000, quando a década perdida da indústria naval estava acabando, nós discutíamos o que poderíamos fazer para reerguê-la. Quando fui deputado, chegamos à conclusão de que, enquanto um estaleiro chinês pagava um taxa de juros de 2% ao ano, no Brasil essa taxa era de 15%. Fizemos um relatório e isso resultou em medidas que levaram o país a explodir em termos de indústria naval. Com a crise houve uma redução, mas hoje são cerca de 70 mil empregados.
Então o senhor concorda com a postura adotada hoje pela ANP?
Concordo, sim. Se a proposta da ANP é considerar isso tudo, a dificuldade de juros, de logística, um maior prazo para as empresas se adaptarem, dando condições de competitividade e uma fase transitória de proteção, sim. É preciso que haja adaptações.
A Petrobrás fechou recentemente acordos de financiamento com a China, em um dos quais se compromete a contratar fornecedores chineses como moeda de troca. Como o senhor avalia esse tipo de contrato?
Eu acho que o mercado chinês tem uma vantagem que é a independência em relação às agências de risco ocidentais. A China não considera se determinada agência reduziu o grau de investimentos da Petrobrás, então é uma alternativa que a empresa tem. Mas que ninguém se iluda, não é uma operação desinteressada. Esses negócios com a China sempre têm que ser avaliados, porque eles normalmente financiam e condicionam isso à compra de equipamentos no país do órgão financiador.
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