POR FALTA DE CLIMA PARA DEBATE, CHRISTINO ÁUREO DEFENDE ADIAMENTO DO JULGAMENTO SOBRE DIVISÃO DOS ROYALTIES ENTRE ESTADOS
Por Davi de Souza (davi@petronoticias.com.br) –
O ano de 2020 parece custar a passar mas, felizmente, dezembro está logo ali. Além de trazer a expectativa por um novo ano que se aproxima, o mês pode ser decisivo para o futuro do Rio de Janeiro. No dia 3 de dezembro, o Supremo Tribunal Federal (STF) poderá julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) 4917, que suspendeu as novas regras de distribuição dos royalties do petróleo previstas pela Lei 12.734/2012. Contudo, deputados da bancada fluminense em Brasília e no Rio de Janeiro estão se movimentando para tentar adiar o julgamento. Para conhecer melhor os bastidores desta iniciativa, conversaremos hoje (16) com o deputado federal Christino Áureo (foto), que apresenta as razões para defender esse adiamento. Ele lembra que os estados estão tentando costurar um acordo, proposto pelo governo do Espírito Santo, para tentar encerrar a discussão no STF. Porém, Áureo alega que o ambiente gerado pelas eleições municipais inviabiliza esse debate. “No momento em que nós precisaríamos de mais consenso nesse sentido, ali no final de novembro e início de dezembro, será o momento em que finalizaremos as eleições, que mobilizarão as forças políticas de todas as esferas”, afirmou. O deputado diz ainda que o clima instalado pela pandemia e até mesmo a instabilidade política causada pelo afastamento do governador do RJ, Wilson Witzel, não permitirão que as partes envolvidas cheguem a um acerto. Na próxima segunda-feira (19), Áureo e outras lideranças políticas vão se reunir virtualmente para costurar oficialmente um pedido de adiamento do julgamento. Por fim, o parlamentar alerta sobre as consequências para o Rio em uma eventual derrota no julgamento do STF: “A consequência é que no final deste ano já começa um efeito dominó. O estado não pagará os ativos e nem os aposentados, não conseguirá manter o sistema de saúde e sequer conseguirá colocar combustível nas viaturas policiais. Será a extinção do estado. É uma operação de sufocamento”, previu.
Deputado, gostaria de começar nossa entrevista pedindo ao senhor que explique porque considera um erro a divisão proposta pela lei dos royalties.
Eu, particularmente, já estou mobilizado nesse assunto desde 2010. São 10 anos de militância a favor do nosso estado nesse tema. Naquele ano, quando a ideia do governo federal de criar o regime de partilha era ainda um embrião, eu já me posicionei contra. Esse regime de partilha não se aplica à realidade do Brasil. Hoje, é fortemente questionado pelos agentes econômicos que habitam em torno do setor de óleo e gás. É um regime que pode se aplicar a outros países. Mas não o vejo em nenhum país que deu um passo adiante nas relações entre participações governamentais e indústria – pelo contrário, todos estão em regime de concessão.
Na origem do regime de partilha, está uma perda absurda para os estados e municípios produtores. Isso sem comentar a questão da cessão onerosa – que neste caso não se trata nem de uma perda, é um verdadeiro roubo. A cessão onerosa paga apenas 10% de royalties e sequer paga Participação Especial (PE). Já o regime de partilha paga 15% de royalties, mas não tem PE. Isso representa perdas.
Além de todas essas dificuldades, se acrescentou a perda de royalties e PE sobre o modelo convencional de exploração que já estava contratado. O que a lei 12.734/2012 estabeleceu, e daí a sua inconstitucionalidade, foi distribuir para o país inteiro algo que representa uma indenização para os estados produtores. O artigo 20 da Constituição* é muito claro. Ele trata da indenização aos estados e municípios onde ocorre os impactos da exploração e produção. Não há cabimento em modificar a Constituição neste aspecto.
Como funciona essa questão de pagamento de royalties em outros países?
A Constituição do Brasil não inventou essa questão, ela foi inspirada no modelo de incidência de participações governamentais de outros países. Então, quando esse ponto foi colocado na Constituição, não se estava criando nenhuma particularidade para o Brasil. Quando se diz que royalties e participações especiais são indenização, isso é mundialmente consagrado. E, em muitos países, faz parte de preceitos constitucionais. Essa lei dos royalties é inconstitucional no Brasil e seria inconstitucional em qualquer parte do mundo.
Além de reverberar no setor de óleo e gás, uma mudança na forma de distribuir royalties poderia impactar projetos em outros setores da economia?
A partir de um conceito como esse, nós perderíamos a conexão com a exploração de petróleo, mas também com toda e qualquer atividade produtiva que gere royalties no país. Estamos falando de mineração e, provavelmente, de todas as energias renováveis. Hoje, essa mudança faria doer o bolso dos estados e municípios produtores de petróleo. Mas amanhã, por exemplo, será um município com produção de energia eólica ou energia solar que irá sofrer.
A energia solar é renovável, mas não quer dizer que seja uma fonte isenta de impactos. Um município que tenha uma superfície de 50 km² a 100 km² poderá ter sua área útil fortemente impactada pela presença dos painéis solares que, em razão do seu descomissionamento, gerará um impacto ambiental. Então, é natural que esses municípios sejam beneficiários de royalties desde a partida da geração de energia. Porque eles terão que responder pelos impactos decorrentes de ter sua área ocupada com painéis solares ou turbinas de geração eólica.
Sendo assim, não dá para a Federação pressionar o Supremo a descumprir o que está na Constituição, fazendo uma interpretação do artigo 20 que pareça favorável aos demais estados. O que eu defendo para o estado do Rio é a lógica do respeito à Constituição, tão somente.
Quais seriam as consequências para o estado do Rio caso essa mudança na distribuição aconteça?
Não temos como rasgar a Constituição por conta de uma atitude populista de distribuir migalhas para cerca de 5.700 municípios e 27 unidades da Federação, com a consequente morte financeira e institucional de um estado importante como o Rio de Janeiro. O estado será extinto por inanição.
No dia seguinte a um julgamento negativo no STF, se ele for mantido para o dia 3 de dezembro, o estado do Rio de Janeiro teria um débito, desde 2012, que passa dos R$ 40 bilhões. E, para frente, teria uma perda líquida de R$ 6 bilhões todos os anos, levando em conta uma arrecadação esperada na faixa de R$ 12 bilhões – R$ 13 bilhões por ano de royalties/participação.
Essa é uma conta insuportável para o estado do Rio. A consequência é que no final deste ano já começa a gerar um efeito dominó. O estado não pagará os ativos e nem os aposentados, não conseguirá manter o sistema de saúde e sequer conseguirá colocar combustível nas viaturas policiais. Será a extinção do estado. É uma operação de sufocamento.
Então, como está a movimentação para tentar adiar o julgamento?
O adiamento é necessário. Existe à mesa um acordo proposto pelo Espírito Santo, que o estado do Rio na gestão do governador afastado Wilson Witzel manifestou uma certa aderência. Mas acredito que para que o acordo fosse efetivado, seria necessário consenso.
No momento em que nós precisaríamos de mais consenso nesse sentido, ali no final de novembro e início de dezembro, será o momento em que finalizaremos as eleições, que mobilizarão as forças políticas de todas as esferas.
Então, em um país todo mobilizado para uma eleição municipal de proporções gigantescas, como vamos conseguir consenso em um assunto tão delicado e tão abrangente da Federação? Ou alguém acha que vamos conseguir consenso dentro de um estado no mesmo tempo em que várias correntes políticas disputam eleições?
Para mim, só o fator eleição já seria suficiente para adiar essa decisão no STF. Mas além disso, estamos saindo em muita desvantagem para fechar um acordo, em um momento em que a pandemia trouxe muita radicalização também, infelizmente. Cada instância está disputando o protagonismo ou transferindo problemas e culpas da pandemia. Não estamos em uma situação normal que nos permita costurar um acordo dessa natureza.
E quais serão os próximos passos?
Nós estamos trabalhando, evidentemente, dentro da relação de cada um com o Poder Judiciário, no sentido de apresentar essa situação. Quem formalmente pode pedir o adiamento é o governo estadual. Então, eu pretendo discutir isso na segunda-feira, quando faremos um debate na Alerj, por meio de sessão virtual, envolvendo as bancadas estadual, federal, o governo do estado, as universidades e as entidades da sociedade civil. A ideia é sair com uma proposta clara do pedido de adiamento. Ou seja, oficializar o pedido de adiamento e reunir toda a nossa argumentação. Vamos pedir o adiamento do julgamento, mas estaremos preparados para argumentar caso ele aconteça.
*O artigo 20 da Constituição citado pelo entrevistado diz que é “assegurada, nos termos da lei, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, bem como a órgãos da administração direta da União, participação no resultado da exploração de petróleo ou gás natural, de recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica e de outros recursos minerais no respectivo território, plataforma continental, mar territorial ou zona econômica exclusiva”.
Tudo que o deputado quer, pelo que apreendi, é tornar ao regime de concessão como quer as empresas que pertencem ao capital especulativo. O resto é absoluta retórica na minha compreensão.